Existe uma fonte extraordinária em que a obra de arte decaída se encontra. Nela é visível o apelo silencioso das raridades. Nalgumas pode se notar a exuberância dos contornos, em outras a raiz mergulha na terra em busca de proteção. Ainda àquelas a lançar sementes na brisa passageira.
Quando muito próximo pode
significar conviver com os espinhos uma da outra. Os sinais descrevem nuances
de uma estória em que antes e agora se integram, fazendo a pétala renascer, se
alternando nas estações. Sua essência plural realiza uma poesia sem palavras
nesses espelhos da natureza.
Existem jardins com uma história
de descuidos, maltratados uma vida inteira. Ao vivenciar alguma forma de
atenção, carinho, perseguem o subsolo de si mesmos. Nesse sentido,
desacostumados à luz do sol, num movimento de quase semente, se refugiam nas
sombras conhecidas, cercam-se de muros, paredes de difícil acesso.
O dom da jardinagem conhece a
linguagem ritual de morte e renascimento. Esses movimentos deixam rastros sem
pegadas, reivindicando cuidados, dedicação. Um lugar onde o jardineiro nascido
dos jardins exerce sua poética, numa fluência singular da mão com a terra, a
água, o ar.
Sua percepção atenta exercita
habilidades de aprendiz. O diálogo com os brotos frágeis, as folhas maltratadas
e a raiz tênue pode significar vida às sementes desmerecidas. A escolha da
matéria-prima aos medicamentos, o afago carinhoso das manhãs, os tempos e
momentos de cada planta podem florescer a vida nova.
Nessa estética a céu aberto
brotam rosas, dálias, gerânios, ipês, flamboyants, num solo cultivado pelo
encontro do artesão com seu barro. Nesse paraíso onde a lagarta se faz
borboleta, existe uma contraditória harmonia, onde uns completam os outros.
Ao semeador da fauna e da flora o
pretexto se anuncia em cada broto desconsiderado. Talvez a queda da folha, flor
ou fruto, ao fecundar um pedaço de chão, permita ao mago da natureza o encanto
transformador de sua magia em um belo jardim.
*Hélio Strassburger in "Pérolas Imperfeitas - Apontamentos sobre as lógicas do improvável". Ed. Sulina. Porto legre/RS. 2012.
**Filósofo Clínico não filiado a Anfic.
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