Um cotidiano inacreditável compartilha suas origens na contradição com o mundo normal. Seu viés, ao surpreender a lógica dos princípios de verdade, descreve um saber estrangeiro. Sua expressividade insinua uma pluralidade estética.
Sua dialética existencial se
apresenta nas escolhas, atitudes, alternância de papéis existenciais.
Pressentindo seus deslocamentos e a linguagem por onde se diz, pode-se acolher
e traduzir a pátria exilada em si mesma. Sua irrealização aprecia reescrever para
além de uma vida acumulando raízes. Ao espírito de rebanho, normalizado pela
drogaria psiquiátrica, ser singular é doença.
Nesse imenso território de
dúvidas, inseguranças, um sujeito ameaça surgir. Seu deslize pessoal, ao
mencionar os labirintos da subjetividade, amplia o fenômeno humano
desconsiderado. Esse rascunho permanece invisível ao olhar cotidiano.
Manuscritos precursores em tratativas de libertação. Sua lógica delirante
esboça uma poética da singularidade.
Com o vislumbre desses instantes
de desconstrução, os velhos endereços prescrevem suas técnicas de resistência,
manutenção, domesticação. Ao desfocar essa intimidade, o sujeito, por algum
tempo, pode ficar à deriva, até reencontrar-se numa nova conformação
existencial.
As novas verdades podem surgir
como vertigem, crise, estranhamento, desajustando o mundo de onde partiram. Em
muitos casos, com autorização e cumplicidade da família, o alienista prescreve
a correção aos desajustes.
Para os princípios de verdade, o
que poderia ser uma relação de ensaio e libertação se traduz em alguma fôrma de
loucura. A psiquiatria e a neurociência, sem outros recursos à disposição, ao
definir os ensaios pessoais como patologias, oferecem seus remédios, propõe sua
cura. Seu olhar, recheado de boas intenções, ao sustentar as tipologias,
reverencia o deus farmácia, um dos donos do rebanho!
Uma conjugação da introspecção
com a alteridade pode fazer reconhecível esse saber estrangeiro. Metafísica de
um aqui-agora a conter múltiplas mensagens. Um devaneio discursivo aprendiz da
imaginação criativa. Interseção por onde as margens deslizam para conhecer
novas águas.
*Hélio Strassburger in "A palavra fora de si - Anotações de Filosofia Clínica e Linguagem". Ed. Multifoco/RJ. 2017.
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