“Deram-me um corpo, só um! Para suportar calado, tantas almas desunidas, que esbarram umas nas outras.”
Murilo Mendes
Um íntimo estranhamento chega à
superfície na forma de dizer desencontrado. O gesto inseguro, a voz trêmula, a
lágrima bailarina, parecem traduzir a indefinição em curso dentro de si. Em
nuanças de antigas vivências, a linguagem faz voltar o que parecia esquecido.
Ao descrever invisibilidades seu
olhar insinua um caminho às mil mensagens interditas. A contenção física não
fora capaz de desarrumar o caos precursor, aliás, amarrar o corpo serviu para
liberar a alma.
O espanto inicial multiplica os
acessos a essa nascente. Através das miragens, franjas e detalhes quase
imperceptíveis, se descreve num parágrafo maldito. O movimento especulativo se
disfarça de realidade para insinuar segredos. Demonstra-se em trajetos pelos
labirintos de si mesmo. Assim uma alma exilada em um corpo refém, transcreve um
sonho acordando.
As dialéticas do instante
denunciam algo inesperado. Desatino e imprecisão a tentar decifrar essas rotas
para si mesmo. Talvez a historicidade compartilhada possa adentrar a fronteira
onde a pessoa se internou.
Nessa fonte de imprevisibilidades
a leitura nem sempre se dá a primeira vista. Os ânimos de excesso podem ser
fonte de contágio, um hiato a se refugiar na própria fundamentação. Um dialeto
intraduzível permanece grávido de originalidades. Essa fonte onde nasce a
palavra, se alimenta do próprio laboratório existencial.
Anotações à margem do texto dão
conta de uma dessintonia com a palavra bendita. As vozes do traço silenciado
expressam o indisponível, por onde transitam os ecos da vida antiga. Uma
interseção da essência com a existência no teor discursivo delirante. Um
convívio assim busca ampliar o velho dicionário da singularidade. Sua
decifração, ao rascunhar geografias indeterminadas, escolhe um cúmplice de
raridades para se mostrar.
Sua apresentação esboça uma
metafísica dos refúgios. Um lugar onde pensar e dizer se integram. Acontecem na
realidade imperfeita do cotidiano. Intencionalidade na estética dos
exploradores de amanhãs. Enquanto isso, esse habitante de lugar nenhum, parece
referir mais do que se possa entender.
A periferia de alma nova aprecia
oferecer milagres no meio da rua, sugerir um logos nem sempre conhecível à
primeira vista. Quando uma pessoa se coloca a pensar, numa perspectiva
desajustada, modifica-se e desarruma o mundo inteiro ao seu redor. Interseção
sensível a reivindicar, em seus rumores, a pessoa sem maquiagem. Reminiscências
onde dizer e desdizer integram seus paradoxos.
Ao perseguir uma poética da
descontinuidade, é fundamental o inacabamento das coisas. A língua desconhecida
desses prefácios sugere a incompletude em busca de preenchimento. Um desses
lugares onde a loucura de toda lucidez se apresenta na equivocidade de ser
sempre a mesma.
*Hélio Strassburger in “A
Palavra Fora de Si – Anotações de Filosofia Clínica e Linguagem”. Ed.
Multifoco/RJ. 2017.
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