Em diversos lugares é possível ler a seguinte afirmação: “A Filosofia Clínica é a filosofia acadêmica aplicada à clínica” ou “Filosofia Clínica é filosofia porque é baseada em 2500 anos de filosofia” ou “A Filosofia Clínica tem seu fundamento no pensamento dos filósofos, só que adaptados à clínica”, só para citar alguns.
Entretanto, essas afirmações dão
ao senso comum ou a alguns filósofos, que ficam de “plantão” em busca de algo
para criticar sem fundamentos, uma compreensão mal concebida. A impressão
inicial parece ser que se toma a filosofia ou o pensamento dos filósofos e se
aplica a clínica, e a única modificação parece ser a finalidade. Pois, os
filósofos pretendiam um fim para seu pensamento e a Filosofia Clínica busca
trabalhar questões existenciais de seus partilhantes.
A questão a ser tratada nesse
texto não é fundamentalmente voltada para os filósofos clínicos, mas para os
que têm uma compreensão errada que uma apresentação limitada pode oferecer em
relação ao entendimento do que seja a Filosofia Clínica.
O que faz de Heidegger um
filósofo e de seu pensamento uma filosofia? Seria a fenomenologia husserliana?
As questões ontológicas suscitadas por Aristóteles? Seria a influência de
Rickert? A resposta é: não! Não foi de onde nasceram certas questões que
Heidegger desenvolveu em seu trabalho, que fizeram de seu pensamento uma
filosofia.
O pensamento de Heidegger, assim
como dos demais filósofos, é filosofia porque tratou de questões, ou as
suscitou e buscou meios de resolução dessas questões mediante métodos. Assim
como Husserl pensou uma fenomenologia para elevar a filosofia a uma ciência
rigorosa e Kant tratou da razão pura em vista de reconhecer os limites da
razão, Heidegger pensou uma fenomenologia e uma hermenêutica, em uma gama
complexa de pensamento, em vista de tratar a questão do ser.
Toda fonte que Heidegger
consultou, serviu de apoio, já que na filosofia um diálogo com a tradição ajuda
a reconhecer respostas ou perguntas dos que precederam temporalmente, e talvez
já tenha sido resolvida. E para compreender o pensamento heideggeriano, deve-se
estudar o próprio Heidegger primeiro. Daí se houver interesse em suas
influências ou no modo como foi sendo desenvolvidas certas concepções, torna-se
relevante o estudo dos filósofos dos quais ele partiu para pensar seu próprio
caminho.
Voltando a questão da Filosofia
Clínica, é relevante pensar que o que a torna uma filosofia não são as fontes
que serviram de inspiração para sua formulação. Hoje se sabe que Freud teve
influências de Nietzsche e Schopenhauer e a psicologia surgiu da própria
análise filosófica e depois passou a buscar métodos mais científicos no sentido
mais contemporâneo do termo. E nem por isso a psicanálise e a psicologia são
filosofias.
Portanto, o que faz da Filosofia
Clínica uma filosofia, é seu método. Rompendo com pressupostos de algumas
terapias que se pretendem científicas, a clínica filosófica baseia-se em um
método no qual não há pressupostos nem arquétipos para o terapeuta “enquadrar”
seu partilhante. O que o filósofo clínico tem é um caminho a partir do qual ele
pode aproximar-se ao máximo da forma como funciona a Estrutura de Pensamento do
partilhante a fim de que juntos, filósofo e partilhante encontrem um alívio
para conflitos existenciais apresentados.
Lúcio Packter pode ser
considerado um filósofo por sua elaboração de um método cuja finalidade é
tratar questões existenciais. A Filosofia Clínica pode ser considerada uma
filosofia porque ela em si mesma é um constructo filosófico cujo fim é
encontrar conflitos na Estrutura de Pensamento do partilhante e com submodos,
trabalhar esses conflitos. A fundamentação, ou as fontes consultadas por
Packter, tem o mesmo valor que Husserl e Aristóteles têm para o pensamento de
Heidegger, ou seja, servem de reconhecimento das influências de seu pensamento.
Mas, da mesma forma que a filosofia de Heidegger é diferente da de Husserl, a
de Packter é diferente da de Wittgenstein, embora haja em ambas, claras
influencias de concepções.
Diante disso, quando a Filosofia
Clínica for questionada em relação ao que faz dela uma filosofia, não é tão
claro falar que é pela sua base de fundamentação. É mais razoável – tem uma
lógica racional – dizer que ela é um método filosófico quanto qualquer outro e
que tem uma finalidade própria quanto qualquer outra possui.
*Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo
Filósofo. Escritor. Filósofo
Clínico. Autor da obra: “Introdução à Filosofia Clínica”. Publicada pela
Editora Vozes. Petrópolis/RJ. 2021.
Teresópolis/RJ
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