A inédita conversação nos
recantos da palavra delirante possui característica de anúncio. Sua perspectiva
de grande abertura oferece derivações a insinuar vontades e perseguir refúgios
existenciais. Uma filosofia dos devaneios sugere novas menções.
O hospício cotidiano, esse lugar legitimado
por força de lei, atualiza seu discurso em paradoxos com olhares desfocados.
Enquanto a enfermaria multiplica a fenomenologia dos delírios, o lugar
reinventa a camisa de força da normalidade e persegue os poetas enlouquecidos
pelo não dizer.
No caso da vírgula contida nesses
atalhos, dizeres desconsiderados prosseguem em rituais de ilusão. Sua estrutura
significante faz referência aos incríveis vislumbres, numa palavraria sem
sentido aos endereços já superados
A condição de miserabilidade
física do sonhador medicado faz reverência à medicina dos enganos. Essa como ciência
da correção discursiva constrói seus muros e janelas sem vista, para proteger a
aldeia lá fora. No entanto, o que são portas e grades ao viajante que aprendeu
a bater asas e conheceu a arte de ultrapassar paredes ?
Ao sujeito assim disposto, a vida
ensaia outros jeitos de existir. Propõe o curso invisível da resistência
solitária. Sua estrutura de lógica desconhecida possui totens bem protegidos da
intervenção alienista. Esse ritual aprecia compartilhar esboços e invenções nas
lógicas do delírio.
Clarice Lispector compartilha: “Eu,
alquimista de mim mesmo. Sou um homem que se devora ? Não, é que vivo em eterna
mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada
um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me
como posso entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus”
(Lispector, 1999, p.86).
Em si o lugar das ventanias se
encontra com o lugar das promessas insatisfeitas. É improvável ser alguma
reminiscência portadora de verdades, pois sua maquiagem, aspecto de borrão,
oferece expressividades na velocidade incrível dos desatinos. Espécie de refém
da normalidade a perambular pelos corredores da cidade. Os loucos por liberdade
possuem sobrevida na caminhada pelos labirintos de si mesmos.
Nesse lugar as geografias
modificam suas fronteiras com velocidade inacreditável. Um território onde a
linguagem pode ser cúmplice ou adversária para se entender melhor. Na
interseção com o logos desconhecido os parágrafos fazem referência ao fora de
foco e seu aspecto de não ser.
Evidencia as brechas da ciência
normal, possivelmente rascunhos sobre novidades impossíveis à ótica anterior.
Ao não referir coisa com coisa
uma quase explicação se oferece. Percepção vadia a desvelar óticas
desconsideradas. Suas circunstâncias sugerem novas legendas que aguardam, num
tempo sem pressa, o olhar das irregularidades criativas. Na voz dissonante do
êxtase precursor, um apelo tenta descrever seus originais no suplemento imprevisível
dos discursos.
Philippe Willemart diz assim: “Todas
as palavras, expressões, cores e formas, sons e melodias estão lá, bastaria acariciá-los
para atraí-los e fazer com que emerjam. A intensidade do afago mede o talento
do artista (...). A obra está nascendo, mas as palavras ainda faltam” (Willemart, 2009, p. 175).
Nos escritos do agora cadáver
desliza um projeto marginal em sobras, desvios e demais incompletudes. Com a
metamorfose significante de cada um, a poesia singular acontece em várias
direções. Um projeto de paixão dominante deixa rastros na mensagem
descontinuada a sustentar eventos. Ao perseguir novidades se reencontra com o
velho álbum entreaberto.
Na multidão das promessas não cumpridas, se
insinuam outras versões. Por esses intervalos sem fronteira uma fonte atualiza
a arte de cuidar jardins. O evento peregrino oferece preenchimentos aos vãos
desmerecidos.
A lógica dos excessos contém
rumores de alargar limites e desconstruir estereótipos de perfeição, Suas
evidências articulam blefes desconstrutivos de longo alcance. Essas poéticas
restariam intocadas, não fora a encenação subversiva a transgredir certezas. O
mundo da terapia inclui o saber de que as raridades, muitas vezes, só possuem
nitidez quando vistas de longe.
Semelhante às ventanias em ânimos
de revolta, a perspectiva desconsiderada se movimenta noutras direções.
Incríveis as pessoas capazes de autogenia no curso de uma só ideia, antes de
concluí-la já é outra. Uma epistemologia difusa se realiza na interseção entre
ordem e caos. Nesses casos, talvez o discurso filosófico consiga trazer das
lonjuras reflexivas a linguagem simples das coisas profundas.
Em Autran Dourado: “O bom do meu
mestre imaginário era que ele não tinha idade. Era mutável como o vento (...).
Contraditório e mesmo absurdo, Erasmo Rangel não tinha a virtude
pequeno-burguesa de querer ter sempre razão, ser definitivo, consequente. ‘Graças
a Deus’, dizia ele, ‘choco-me comigo mesmo, não sou sempre o mesmo’” (Dourado,
2005. P. 9).
Texto demarcado pelo contexto
infrator e inacreditável, em que as vírgulas são cumplices de algo por dizer.
Mesmo assim, na multidão do instante, é possível ouvir o silêncio a insinuar
desfechos. Ao terapeuta-artesão cabe esculpir sua obra numa interseção
compreensiva, ao lado com o outro em busca de melhores dias.
Na pessoa plural, a menção dos
termos agendados aponta em múltiplas direções interpretativas. Assim como o
leitor interfere no texto com sua leitura, o clínico não sai ileso na relação
com o sujeito sob seus cuidados. A atividade do Filósofo Clínico também refere
uma elucidação para desenvolver autonomias.
Ao sabor incerto das inéditas
regiões, um personagem é capaz de múltiplos papéis. Mais que alimentar convicções
sustenta dúvidas, especulações, sugere procuras. Nesse sentido, importa mais
ultrapassar a primeira vista, em que nada se via, para voltar e superar a
sensação de estrangeiro diante do próprio olhar.
O sonho do poeta internado se
embala na embriaguez vertiginosa das miragens. A arte de pensar sem tipologias
encontra aliados na descontinuidade dos ímpetos narrativos. A eficácia da
descrição substitutiva está em ampliar o teor do discurso original. Nele se
reinventa a desrazão em poéticas do amanhã.
*Hélio Strassburger in “Pérolas Imperfeitas – Apontamentos sobre as lógicas do improvável”. Ed. Sulina. Porto Alegre/RS. 2012.
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