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Coringa - Normose nocauteada, estereótipos desconstruídos*

Ontem assisti o Coringa ("Joker", Tood Phillips e Scoot Silver, 2019), presente nas principais telonas mundo afora, primeiro longa de um vilão da DC Comics. Ainda processando, tamanho impacto. O filme cativa como um todo: música, fotografia, roteiro e a estupenda interpretação de Joaquin Phoenix, impressiona!

A densidade do personagem, de uma singularidade existencial única, rechaça tipologias e estereótipos do que é normal e aceitável, do que é saúde e doença, do que é certo e errado. Desvela a tênue linha e o potencial estrago de conceitos adotados aprioristicamente como Bem e Mal, Herói e Vilão, Humano e Besta, Real e Ilusório, Potência e Vulnerabilidade, Abjeto e Sublime.

O filme demanda olhar atento e libertação dos grilhões de nosso próprio tempo. Freios: o que são, a quem servem, como utilizá-los...

Lembrei muito de Giordano Bruno, do combate a ignorância pelo livre exercício do sonhar e filosofar... De Baruch Spinoza, quando vive Deus em tudo e não se restringi a falar sobre Ele, por mais bela que seja a retórica, o perdemos. De Nietzsche, na mesma linha, Deus está morto, o ser humano o matou pela mortal cisão imposta entre as coisas do Céu e as coisas da Terra. De Albert Einstein, vislumbrando Princípio Inteligente nas leis que regem universo... De Gustav Jung, com a abundante simbologia humana e a força arquetípica absorvida pelo inconsciente coletivo. De Joseph Campbell, na saga do herói de mil faces e na leitura do Mito de Prometeu, que rouba o fogo dos deuses para presentear a humanidade e, assim, separa homem e besta.

Eterna dança entre Luz e Sombra, na busca do fogo. Chama associada a lucidez, ao poder de discernir e transmutar.

Presente nas tantas pessoas do Pessoa. Nas invenções de humano, por Shakespeare. Na loucura elogiada, ironia inteligente e provocativa de Erasmo. Da alienação e miopia a que todos estamos sujeitos, incluindo o Alienista de Machado. Nos infernos e paraísos de Dante, que Comédia...

As correlações são muitas, não findam. Aliás, o tema se repete, século após século... Por que será?! O que temos a aprender com isto?! Até onde a vilania fascina, como antítese ou contraparte do heroísmo...

Fato é que a fina estética e poética que envolve o enredo faz o filme desconcertar, impactar, perturbar e cativar! Perigoso, crítico, profundo... A sociedade diante do espelho. O humano nú. E o grito agudo por escuta.

*Ana Rita de Calazans Perine

Filósofa Clínica, Escritora, Pesquisadora, Educadora, Mobilizadora Social e Empresarial / Instituto ORIOR — Resgate Filosófico, Transdisciplinaridade e Sustentabilidade.

Canela/RS

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