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Mostrando postagens de fevereiro, 2024

Percepções e reflexões em Filosofia Clínica**

A Filosofia Clínica tem um jeito próprio de pensar, diferente. Traz para a terapia o olhar, os modos de compreensão e de entendimento das tradições filosóficas ocidentais. A sua originalidade é colocar como central a ideia de singularidade, que cada pessoa é diferente de cada uma das outras. Não há uma noção de ser humano a priori, pré-estabelecida. Cada um virá do seu modo e será recebido com o que lhe é próprio, em suas tonalidades afetivas, com aquilo que tem feito em sua história, nas circunstâncias de sua vida. Com sua loucura, suas maneiras de lidar com o mundo, com a existência, com os outros, consigo. Não trabalha com a noção de doença, nem com tipologias psicopatológicas. O que não quer dizer que não reconheça e trate dos fenômenos da depressão ou de comportamentos tidos como bipolares. Ansiedade, angústias, tédio e tantas outras formas de viver, de sofrer, fazem parte daquilo que se cuida em Filosofia Clínica. Cada vida pode ser vista como um fluxo de emoções, afetos e pensam

Um olhar para a singularidade***

  Pensar a singularidade é um exercício de ver que “A vida insinua-se de um jeito único na subjetividade de cada pessoa, lugar privilegiado para decifrar os enigmas da natureza (...)”, os enigmas de sua própria natureza, da natureza das coisas e do mundo. Aí, no fenômeno da singularidade, há espaço para o “exótico aparecimento”, quem sabe por esses caminhos possamos acessar alguma identidade, alguma integridade sobre quem somos, um pouco mais leves das bagagens impostas. Há quem busque comparações e generalizações ao longo da vida, há quem se adapte bem a esse modo de ser e ver as coisas, de ler o mundo através de termos gerais. Há quem se sinta completa ou parcialmente preso por essas tipologias, classificações e diagnósticos e, no entanto, careça de um outro tipo de olhar, o singular, ainda ofuscado, escondido em algum recanto seu ou do mundo, e sabe que algo em si fica sem espaço para transbordar diante de uma sociedade viciada em padrões, muitas vezes camuflados em discursos sobr

Anotações e reflexões de um filósofo clínico*

  Gosto da ideia apresentada pelo filósofo espanhol Julian Marías segundo a qual cada filósofo acerta na medida em que discorre sobre o que vê e, consequentemente, erra quando tenta falar sobre o que não alcançou.   Assim, é possível dizer que, sob certo aspecto, todo filósofo tem uma contribuição para o pensamento. Desse modo, seria inútil pensar a filosofia do “nós contra eles”, reduzindo tudo a uma dicotomia quase maniqueísta. Pode-se tecer críticas aos erros de uma obra, mas deve-se abrir os olhos para acolher acertos nela apresentados. Pressupor sinceridade na busca de anos de pensamento de um autor exposto em seus textos pode ser um bom ponto de partida. Além disso, julgar a vida de quem pensou para mensurar a validade de seu pensamento é um critério sofismático, nada filosófico. *************** A filosofia não está desvinculada de sua história. Por isso, é imprescindível o contexto filosófico no qual a obra de um autor está inserida. Os filósofos dialogam com sua tradi

Criticidade e Literatura***

Nem a gripe que me pegou de jeito esses dias abalou a vontade de dividir com vocês um pouco da relíquia que tenho em mãos... Ganhei de um amigo recente, o jornalista e escritor Celso Viola, um dos editores da Revista, a Edição 1, Maio de 2012, da ALEF, Revista de Literatura Ibero-americana, que traz esse nome em homenagem ao escritor argentino Jorge Luis Borges. Já no Editorial (ALEF ao leitor), deixa claro a que veio: para aproximar produtores culturais, de línguas e culturas diversas, irmanados pela resistência ao predomínio monetário, cultural e ideológico.     Minha alegria não poderia ser maior ao saber que foi gestada em minha cidade natal, Gramado / RS.     Mesmo enfermo, o pensamento crítico ainda vive e no que depender de mim e de outros tantos que tenho encontrado pelo caminho, seguirá pulsando...   Tem um artigo interessantíssimo sobre as bases do modernismo em Portugal, que faz integrar dois brasileiros à Geração Orpheu, citados pelo próprio Fernando Pessoa: o gaúcho Eduard

O caminho do meio*

  Só o meu é o caminho do meio. Já que só a mim me vejo ali.   Nem a direita, ou a esquerda, ou ao alto, ou abaixo, outrem vejo eu... O caminho do meio é ermo. Nem o tabaco de Buko, nem o legado de Buda.   É caminho que não se trilha trilha que não se abriu... nem os bebês cor de rosa nem as rosas do tango cálido!   Melancólico até é e não... Já que aporta minha alegria caduca  de quem está cabeluda de saber  que não se tem mais a se tirar do mundo,  por ninguém que esteja vivo, pisando sobre o planeta... É solitário, mas não é só - ou o contrário, sei lá...   Tem a sombra amiga e perigosa das minhas convicções nada inflexíveis,  no entanto fartas de conhecer que não há grande margem pra mudar segundo se pensa  dos outros lados onde transitam os demasiado crédulos, que se dão ao desfrute da demasiada ilusão!   O verdadeiro caminho do meio, não aporta o equilíbrio dos buscadores, nem a descompensação dos viciados... Distingue-se diametralmente desse outro de

Poéticas do Indizível*

“(...) Graças as sombras, a região intermediária que separa o homem e o mundo é uma região plena, de uma plenitude de densidade ligeira. Essa região intermediária amortece a dialética do ser e do não ser".                                                                Gaston Bachelard       Uma crença muito antiga aprecia atualizar-se desse enigmático hoje que um dia foi amanhã. Poderia ser o pretérito imperfeito de uma busca ou aquele quase nada onde tudo acontece. Atualização de um dialeto nem sempre dizível, a se alimentar nas fontes inenarráveis, nos paradoxos, nas desleituras criativas. Seu visar inédito sugere desvãos ao mundo que se queria definitivo. Costuma ser abrigo do acaso na versão do avesso das coisas. Ao referir o encantamento das pequenas devoções, parece traduzir esse texto interminável, por onde a vida escoa seus segredos. Realiza um esboço sobre as tentativas de decifrar um mundo que é mistério por natureza. A característica de ser imprevisível seria insu

Polifilosofia, Lógica do terceiro incluso e Filosofia Clínica***

A Filosofia Clínica é uma filosofia vazia de filosofia: é uma filosofia negativa, é uma não-filosofia, porque é total acolhimento. Ela nada impõe: ela recebe e acolhe as outras filosofias, inclusive as incompatíveis e contraditórias. A sua lógica geral somente pode ser uma lógica na qual as contradições sejam bem-vindas. Bachelard sugere que nenhuma filosofia corresponde à totalidade do mundo: seria necessária a criação de uma polifilosofia, de uma filosofia aberta de segunda ordem, na qual todas as filosofias – mesmo as filosofias contraditórias, mesmo as filosofias incompatíveis – tivessem um lugar. Essa polifilosofia é, propriamente, uma filosofia vazia de filosofia; ela é pura forma, é uma filosofia de segunda ordem, uma metafilosofia. Essa filosofia de segunda ordem, essa filosofia polifilosófica, evidentemente não pode existir segundo as normas da lógica clássica. Afinal, a lógica clássica não suporta as contradições e as incompatibilidades. Ela exige uma lógica do terceiro inclu

El viajero de los mañanas***

“ El filósofo es una de las formas en que se manifiesta el taller de la naturaleza: El filósofo y el artista hablan de los secretos de la actividad de la naturaleza”.                                                                                                Friedrich Nietzsche                                                  El espíritu aventurero inadecuado para la cristalización del conocimiento, se rehace en las escaramuzas de un territorio movido por el movimiento. Su sesgo de intimidad precursora se alimenta de las calles, carreteras, suburbios inmerecidos. Es inusual que se puedan compartir fácilmente estos eventos antes del enlucido conceptual. La irregularidad narrativa como propósito sin propósito adquiere casi poesía, para intentar decir algo sobre hechos irreconciliables desde la perspectiva de límites bien definidos. Esta lógica de singularidades fluctuantes se aplica a cosas irreconocibles en el vocabulario conocido.   Su desprecio por las fronteras, objetivado por acu

Alerta: Ruídos na Transmissão*

Na tentativa da comunicação verbal, nem sempre o que um fala é o que o outro escuta, e o mesmo pode ocorrer na forma escrita, quando o que se apresenta pode ser lido e entendido de maneiras diferentes. A origem desta falta de sintonia pode partir tanto de quem envia como de quem recebe a mensagem, pois uma série de interferências internas e externas estão em jogo. Nem sempre é fácil exprimir em palavras pensamentos e emoções, ou, em outros termos, é difícil transmitir com clareza um sentimento ou uma emoção, e talvez o motivo desta dificuldade seja a própria emoção, mas isto é um outro assunto... Se por um lado existe a dificuldade em transmitir, receber também tem suas peculiaridades. Pessoas escutam, leem, veem e depois interpretam a mensagem de acordo com suas visões de mundo. Distorções também podem acontecer por desatenção, expectativa e ansiedade em assimilar de imediato o conteúdo da mensagem recebida. Um velho ditado popular já dizia “cada um escuta o que quer ouvir”. A

Obsessão do mar oceano*

  Vou andando feliz pelas ruas sem nome... Que vento bom sopra do Mar Oceano! Meu amor eu nem sei como se chama, Nem sei se é muito longe o Mar Oceano... Mas há vasos cobertos de conchinhas Sobre as mesas... e moças nas janelas Com brincos e pulseiras de coral... Búzios calçando portas... caravelas Sonhando imóveis sobre velhos pianos... Nisto, Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous, E eu me lembrei do pobre imperador Adriano, De su'alma perdida e vaga na neblina... Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano! Se eu morresse amanhã, só deixaria, só, Uma caixa de música Uma bússola Um mapa figurado Uns poemas cheios da beleza única De estarem inconclusos... Mas como sopra o vento nestas ruas de outono! E eu nem sei, eu nem sei como te chamas... Mas nos encontraremos sobre o Mar Oceano, Quando eu também já não tiver mais nome.   *Mário Quintana in " O Aprendiz de Feiticeiro ". Ed. Cia das Letras. SP. 2005.

Notas de Lisboa*

  “O vento, enfim, parou Já mal o vejo por sobre o Tejo E já tudo pode ser tudo aquilo que parece Na Lisboa que amanhece” (Sergio Godinho)   “Vejo esta cidade parada no tempo deve ser saudade a vista que invento” (Pedro Ayres Magalhães – Lisboa Rainha do Mar – Madredeus)   Se eu pudesse levar uma trilha sonora para onde quer que fosse, escutar, ver o mundo por dentro, entranhas fincadas na memória, à maneira de um passante, errante, dono do seu devaneio. À toa o Ser. Um desavisado, já dizia Bergson, em outro canto da vida: o passado expandindo-se no seu presente, permanecendo tão atual, a ação, movimentos dos corpos por noites em Lisboa. E, por dentro, lá se vai manhã que acorda os sonhadores depois da luz, bem antes da salvação dos navios mercantes, sanguinários. Ter o espaço imaginário, as frestas da vida, entre o contínuo movimento, longa viagem do corpo, renasce, tempo penetra, entre lágrimas e riso, lá do alto dos afagos noturnos da cidade que abraça e beija

O Tempo e a Musa*

Há tempo para tudo porque há um tempo que corre por dentro de cada um de nós. É uma sinfonia singular demais e que dispensa a pulsação possível de qualquer ampulheta alheia simplesmente porque transcende o ordinário, o cronológico. É um tempo munido de um vento que vai deixando de ser furacão pouco a pouco para se tornar uma brisa agradável e confortante na medida em que ousamos nos conhecer cada vez mais, na direção de aprender a aceitar quem de fato nós somos agora. E é a partir dessa conquista que podemos finalmente seguir com mais propriedade, dotados da paz devida transgredindo e transcendendo na direção de tudo aquilo que tem verdadeiro sentido e significado dentro das delimitações da nossa existência. E quanto mais íntimos nos tornamos de tudo que corre por dentro de nós, mais vamos percebendo que assim como é por dentro, é por fora... Afinal, sem aprender a perdoar os outros e a nós mesmos não dá para desapegar de nada; não dá para amar e ser amado na medida da nossa próp

Estéticas possíveis: sobre fluxos e contenções*

Recentemente uma pessoa querida solicitou indicação de um livro sobre Filosofia Clínica que fosse introdutório. Logo falei de “Filosofia Clínica: propedêutica” de Lúcio Packter, porém, em seguida eu disse “Pérolas Imperfeitas - apontamentos sobre as lógicas do improvável” de Hélio Strassburger. No instante em que escrevo, percebo que este último é para mim, introdutório e avançado.   Relendo-o esse mês, dez anos após minha primeira leitura, percebo que o método da Filosofia Clínica, talvez, consiga abrir caminhos para o fluir das águas que somos, como já falava Heráclito sobre este tipo de devir. O que percorre vales, abre caminhos formando contornos em busca de melhores lugares onde possa seguir seu curso, deságua em mares. Um tipo de devir onde uma parte das águas, vez ou outra empoça em um leito cômodo enquanto outra parte precisa seguir e como isso tudo faz parte, organicamente, de um sistema que afeta enquanto é afetado. Por isso, talvez, a Filosofia Clínica seja um método contrac

des-Educação*

  Desde o início do século há um processo de aceleração da des-Educação em curso no Brasil. Esse processo teve início com a mercantilização do ensino superior - e radicalizou-se com o crescimento dos conglomerados "educacionais" administrados por banqueiros ou por grupos estrangeiros. Sob a justificativa da "democratização", as vagas no ensino superior foram multiplicadas - inicialmente, pela abertura de faculdades, centros universitários e universidades particulares; posteriormente, pela entrada em cena do ensino à distância. O problema é que nesse caminho os brasileiros foram enganados: quase sempre o ensino superior privado é fraudulento, e na modalidade à distância é fraudulento por completo. Com exceções que podemos contar nas mãos, não existe universidade particular no Brasil: o que há é estelionato acadêmico, é fraude institucionalizada pelo Governo Federal. * * * Três em cada quatro estudantes do nível superior no Brasil estão em instituições privada

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