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Mostrando postagens de outubro, 2023

Somos Forrest Gump?*

  Quando vemos o filme 'Forrest Gump', tendemos a nos colocar no lugar de quem viu o que "realmente" aconteceu e a narrativa do personagem principal, que dá nome ao filme, como quem viu algo de modo limitado. É como se nós tivéssemos uma visão privilegiada e, o outro, uma percepção limitada. A noção de que acessamos a "realidade" com "objetividade" pode trazer uma noção do outro como quem tem uma visão limitada pela inteligência, sentimentos, pontos cegos etc. No entanto, de certo modo, somos como o Forrest Gump. Nossa percepção do mundo é uma perspectiva. Tendemos a acreditar piamente no que nossos olhos e lembranças nos dizem sobre um acontecimento ou experiência. E não estamos errados. Pois é essa percepção ou visão de mundo que norteia nossa vida. Por isso, no consultório, não buscamos necessariamente o que aconteceu, mas como a pessoa vivenciou, interpretou, significou etc. o ocorrido. Pois não é a objetividade que marca a experiência qu

Passagens*

     “As ruas são a morado do coletivo.”                     Walter Benjamin “Na praia, o homem, com os braços cruzados, crucificados ao sol.”                     Albert Camus   Gostaria de ir a Paris, uma viagem à literatura, Um regresso ao imaginário da juventude, Um flâneur perdido no tempo, em ruas, livrarias, dos esquecidos os deuses em solitude.   Me prepararia dos olhos ao coração, Compraria uma roupa, um tênis, Me enfiaria dentro de dois livros na bagagem, E, de quebra, esperaria o acaso, em plena contemplação.   Arrumaria uns dias, o momento de ver um filme, No avião em uma conversa imaginária com Camus, Um gole de vinho, uma lágrima de viver e morrer, Voo noturno, pensando onde ficar, no descaminho.   O encontro do sonho com as possibilidades, A língua anárquica percorrendo as ruas, E nenhum fim naquilo que o pensado quer, Ir, voltar, sem nunca morrer longe das águas. *Luis Antonio Gomes Filósofo. Editor. Escritor. Poeta. Me

Antídoto à estupidez*

A nossa época é a época da estupidez voluntária – uma época em que prazerosamente imbecilizamo-nos por nossos próprios atos. Imbecilizamo-nos quando assistimos à televisão. Quando perdemos horas do nosso dia em redes sociais. Quando consumimos o lixo produzido pela indústria cultural: filmes de super-heróis americanos, música feita para rebolar, videogames que roubam o irrecuperável tempo da vida. O interesse geral suscitado pelas notícias da vida privada de celebridades do showbizz é representativo da nossa imbecilidade: satisfazemo-nos quando tomamos posição no que é absolutamente irrelevante. Amigos, ninguém exige que consumamos esse tipo de inutilidade. Ninguém nos força a falar das pautas oferecidas pelos media. Nós somos os responsáveis pelo nosso próprio vácuo mental. * * * Como escapar da vacuidade intelectual, o deserto do nosso tempo? Somente conheço um caminho: o da recusa à participação na ciranda das nulidades. A recusa às conversas sobre o escândalo do dia, so

Singularidade Moral? *

Há uma confusão dentro da própria Filosofia Clínica que se expande para quem quer conhecê-la. É quando alguém pergunta para um filósofo clínico – e sempre perguntam – se a filosofia clínica aceita a singularidade como ela é, o que faz quando atende um psicopata ou um pervertido ou alguém deste tipo? Aceitamos sua moralidade perversa porque é “singular”? A resposta que muitos filósofos clínicos dão é mais uma confusão do que uma explicação. Por isso é importante dividir a resposta. Singularidade em filosofia clínica é uma questão terapêutica, e a pergunta que fazem acima é moral. Defender a singularidade terapêutica não é defender certa moralidade ou ter um relativismo moral. São coisas diferentes. Vou explicar. Aceitar e defender a singularidade terapêutica é compreender que para exercer uma terapia para cada pessoa é necessário que o terapeuta tenha o outro como único, irrepetível, inédito em sua estrutura interna, em sua representação de mundo e seus modos de ser no mundo. Cada u

Leituras Clínicas*

“O ponto de vista Partilhante, ao se deixar acessar pelos termos agendados, reivindica um leitor de raridades. O fenômeno terapia aproxima papéis existenciais da clínica com a arqueologia. Sua estética cuidadora, a descobrir e proteger inéditos, mescla saberes para acolher as linguagens da singularidade.”                                                                Hélio Strassburger                    O trecho citado está na obra “A palavra fora de si”. Ed. Multifoco/RJ. 2017, do professor Hélio e especificamente no texto dedicado “As linguagens da terapia”. Aqui é essencial dar-se conta de que o veículo que nos faz percorrer caminhos dentro do espaço clínico é a linguagem, e nesse sentido, é papel do cuidador dar espaço de passagem e fornecer proteção às cenas que se revelam sessão após sessão, acolhendo o conteúdo. Durante esses 5 anos de clínica, atendi algumas mulheres (sim, hoje falarei delas). Sou grata pela confiança que depositam no processo clínico, sei dos meus limit

Majora***

  “Só somos felizes, verdadeiramente felizes, quando é para sempre, mas só as crianças habitam esse tempo no qual todas as coisas duram para sempre”                                                            José Eduardo Agualusa   Certos universos nos surpreendem, mais ou menos como a máxima de achar que de onde menos se espera, surgem preciosidades, ou, pelo menos, algo se mexe no espírito meio adormecido. Foi assim com a lua de Majora, prestes a cair, caso o tempo não se incumba de encontrar soluções favoráveis aos destinos incertos de cada um de seus habitantes (com seus dramas e seus sonhos inacabados). O que parecia ser uma simples brincadeira revelou-se uma reflexão curiosa sobre percepção e valores. No interior deste belo e enigmático ambiente, crianças brincam a desafiar dilemas e nos convidam a tirar nossas máscaras, expor nossas questões e nos revelarmos. As crianças indagam: “Seus amigos, que tipo de pessoas eles são? E essas pessoas te veem como um amigo?” Amig

Pelos direitos dos meninos*

  Que nenhum menino seja coagido pelo pai a ter a primeira relação sexual da vida dele com uma prostituta (isso ainda acontece muito nos interiores do Brasil!) Que nenhum menino seja exposto à pornografia precocemente para estimular sua “macheza” quando o que ele quer ver é só desenho animado infantil (isso acontece em todo lugar!) Que ele possa aprender a dançar livremente, sem que lhe digam que isso é coisa de menina Que ele possa chorar quando se sentir emocionado, e que não lhe digam que isso é coisa de menina Que não lhe ensinem a ser cavalheiro, mas educado e solidário, com meninas e com os outros meninos também Que ele aprenda a não se sentir inferior quando uma menina for melhor que ele em alguma habilidade específica – já que ele entende que homens e mulheres são igualmente capazes intelectualmente e não é vergonha nenhuma perder para uma menina em alguma coisa Que ele aprenda a cozinhar, lavar prato, limpar o chão para quando tiver sua casa poder dividir as tarefa

Portas Abertas*

Recebi algumas críticas sobre meu último artigo “Ainda estamos juntos”. Falavam que sempre deixo uma mensagem no ar, um espaço para interpretações, e, neste caso específico, a frase final “quando existe amor, as portas nunca fecham”, seria um recado velado, ou, até mesmo, super direto para alguma pessoa em especial. Aceito todas as críticas com muito respeito, mas preciso esclarecer que quando escrevo, minha intenção nunca é fechar a questão ou as portas. Quero provocar o leitor a pensar, discordar, ir além do texto. A graça de ser escritor é poder conduzir a imaginação do leitor, e, quanto mais longe eu conseguir levá-lo, melhor. Se o texto for um recado, uma teoria, uma história, não faz a menor diferença, o objetivo do escritor é criar, na medida de suas possibilidades, meios de comunicação entre as ilhas de seu arquipélago, construindo pontes, fornecendo embarcações, ensinando a nadar. Aproveitando o assunto “portas”, gostaria de contar a história de duas namoradas do passado

QI, Educação e Literatura*

  O QI médio em praticamente todos os países do mundo cresceu muito nos últimos 100 anos. Na Alemanha e nos EUA, o crescimento do QI médio foi de mais de 30 pontos. No Quênia e na Argentina, foi de cerca de 25 pontos. Na Estônia e no Sudão, foi cerca de 12 pontos. Fonte: https://ourworldindata.org/…/change-in-average-fullscale-iq… No Brasil aconteceu justamente o contrário. A queda do QI foi de quase 10 pontos nos últimos 100 anos. Talvez esse emburrecimento generalizado seja único na história da humanidade. O nosso QI médio é de 87, o que nos coloca, na média, no limite da deficiência intelectual. * * * Esse fenômeno bizarro tem tudo a ver com o nosso modelo de (des)educação escolar. Nada a ver com Paulo Freire, amigos. A coisa vem de muito antes. Em 1915, Lima Barreto revelava a cultura das aparências no Brasil: ao saber que Policarpo Quaresma tinha uma biblioteca, o doutor Segadas pergunta para que tantos livros, se não era nem formado. Não ocorre ao doutor que Policarpo t

Objetividade parcial*

Não é raro ouvirmos dizer sobre ver algo de cima ou de fora. Como se o melhor procedimento para enxergar determinada situação, evento ou experiência seria a partir de um distanciamento. Uma pretensão de objetividade ou imparcialidade. Mudar a perspectiva, seja ela qual for, pode viabilizar um outro olhar. Talvez isso soe consensualmente. Mas, não garante a neutralidade do olhar de quem observa. Quem nos deixa cientes disso são filósofos como: Dilthey, Heidegger, Gadamer e outros ao mostrar o quanto nossa existência é inserida em uma história. Nossos horizontes são viabilizados por elementos culturais, históricos, pelas experiências pessoais. Desse modo, é inevitável um olhar carregado por uma “bagagem existencial”. A pretensão de objetividade cessa na escolha do que é observado. Pois este foi selecionado com parcialidade, vontade, interesse etc. Talvez o caminho para uma investigação honesta seja a aceitação da ausência de qualquer ponto de vista absolutamente neutro. Reconhece

Primavera Irracional*

“Eu fechei os olhos para lembrar com todos os meus votos a verdadeira noite, a noite liberta da sua máscara de horrores, ela, a suprema reguladora e consoladora...”                                                                     André Breton   Equinócio que esconde a verdadeira face do mal, os homens não descansam. Nunca descansam. A humanidade vive para atravessar todas as adversidades, alguns destroem a vida, queimam as ideias e deixam a Terra arder. No hemisfério dos sonhos, a vida é salva pela natureza, os homens são excluídos pela ganância, que só existe no cérebro dos que dizem ser racionais. Nada separa o que está em pleno movimento de viver da finitude. Existem os que creem no domínio das questões espirituais pelo simples fato de não conseguir compreender a própria vida, o que tem nome, o que é nomeado. A saída é se deixar levar pelos momentos meditativos. Nenhuma contrariedade à meditação, todo ato de pensar é um convite, mesmo para os que só sabem buscar o intangíve

Era uma vez...*

“Às vezes, eu acredito em seis coisas impossíveis antes do café da manhã” (Alice no País das Maravilhas, Tim Burton, 2010)   As singularidades adentram os espaços terapêuticos das mais improváveis formas. Alguns chegam indecisos sobre o porquê de estarem ali, afinal nem sempre existe obviedade; outros talvez não saibam que seja uma porta para descobertas tão incômodas quanto difíceis. Existe a probabilidade de que um turbilhão os perpasse, podendo arremessá-los até a mais insana possibilidade de ser. Na verdade, percorrer caminhos de encontros pode ser tão inusitado quanto permanecer inerte no estado catatônico em que a normalidade desavisada costuma nos mergulhar. Cada um tem sua estrada, suas histórias na bagagem, que muitas vezes arrastam melancólicos ou sem vontade, desgostosos do que mais desejam. Na verdade, as histórias se misturam em potes, cujo fundo nem sempre é visível. Falas entrecortadas de peculiaridades trazem à tona que um dia fui assim... há muito tempo não sei m

Inconsciente*

Em livro de sua tese de doutorado, Denise Maria de Oliveira Lima, Diálogo entre a Sociologia e a Psicanálise: o indivíduo e o sujeito, no capítulo 2 Sociologia e Psicanálise, ela escreve que a psicanálise representou segundo Freud – no texto Uma dificuldade da psicanálise – a terceira ferida narcísica da humanidade, sendo as outras duas uma provocada por Copérnico ao descobrir que a Terra não era o centro do universo e a outra por Darwin ao dizer que o homem/ser humano procede da escala zoológica e não de Deus. A psicanálise, com sua terceira ferida narcísica, derrubava a razão e a consciência do lugar inabalável em que se encontravam, ao fazer da consciência um mero efeito de superfície do inconsciente. A consciência, então, não é lugar da verdade, mas da mentira, do ocultamento, da ilusão, da distorção. […] A determinação do inconsciente quer dizer o seguinte: longe de sermos senhores do nosso pensamento, somos habitados por outro que pensa em e por nós. Nossas escolhas também são

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