O QI médio em praticamente todos os países do mundo cresceu muito nos últimos 100 anos.
Na Alemanha e nos EUA, o
crescimento do QI médio foi de mais de 30 pontos. No Quênia e na Argentina, foi
de cerca de 25 pontos. Na Estônia e no Sudão, foi cerca de 12 pontos.
Fonte:
https://ourworldindata.org/…/change-in-average-fullscale-iq…
No Brasil aconteceu justamente o
contrário. A queda do QI foi de quase 10 pontos nos últimos 100 anos. Talvez
esse emburrecimento generalizado seja único na história da humanidade. O nosso
QI médio é de 87, o que nos coloca, na média, no limite da deficiência
intelectual.
* * *
Esse fenômeno bizarro tem tudo a
ver com o nosso modelo de (des)educação escolar. Nada a ver com Paulo Freire,
amigos. A coisa vem de muito antes. Em 1915, Lima Barreto revelava a cultura
das aparências no Brasil: ao saber que Policarpo Quaresma tinha uma biblioteca,
o doutor Segadas pergunta para que tantos livros, se não era nem formado. Não
ocorre ao doutor que Policarpo tenha livros porque os leia: para ele, uma
biblioteca não passa de um adorno ao diploma. É assim há mais de cem anos: no
Brasil, quase sempre os livros servem não para ampliar o nosso mundo interior,
mas sim como sinal exterior de status.
Em 1951, o prêmio Nobel de física
Richard Feynman aceitou o convite para lecionar, no Rio de Janeiro, para uma
turma de pós-graduação. Em 05 de maio de 1952, no fim da sua experiência
docente no Rio, Feynman fez uma conferência que, quase setenta anos depois,
ainda repercute fundo na ciência brasileira. Nessa conferência, expôs o nosso
sistema educacional: ele descreveu uma educação na qual os alunos não aprendem
nada senão a decorar textos e fórmulas, e não imaginam o que fazer depois com
isso. Feynman diz na sua autobiografia que aparentemente havia no Rio de Janeiro
uma Universidade, com uma lista de cursos, com descrições desses cursos; mas
que essa aparência não passava de uma ilusão, e que surpreendentemente no
Brasil não existia, de fato, nem Universidade, nem ciência.
Paulo Freire, que a direita, sem
o ler, adotou como o novo vilão da educação nacional, só publicou a sua
"Pedagogia do Oprimido" em 1968 - cinqüenta e três anos após
"Triste fim de Policarpo Quaresma" e dezesseis anos depois do
diagnóstico demolidor de Feyman. Se o Paulo Freire é responsável pela situação
deplorável da educação e da inteligência brasileira, então estamos diante de um
extraordinário caso de efeito anterior à própria causa.
O fato é que a educação
brasileira é muito ruim há pelo menos cem anos, amigos.
* * *
E a educação brasileira tem sido
muito ruim porque nunca houve, em nosso país, um projeto de educação. Jamais -
jamais! - os nossos governantes e gestores do primeiro escalão se perguntaram
por que educar. Nunca se puseram a questão: "quem nós queremos que as
nossas crianças sejam aos dezoito anos? o que queremos que elas saibam, o que
queremos que elas saibam fazer?".
O resultado é que o nosso
currículo escolar é uma colcha de retalhos sem nenhum propósito, um currículo
que macaqueia desastradamente os currículos de outros países.
Daí vem uma surreal conseqüência:
a única meta de todo o ensino básico se torna o vestibular, um vestibular com
um programa duas vezes absurdo - absurdo por sua extensão alucinada e absurdo
por sua desconexão com a vida do espírito e da sociedade.
* * *
O nosso modelo de ingresso no
ensino superior - por meio de provas que abrangem uma quantidade sobre-humana
de conhecimentos - não mede nada além da capacidade de concentração,
memorização e repetição. Não é por acaso que os professores mais reputados nos
cursinhos preparatórios são justamente os especialistas em mnemotécnica: são
aqueles que criam os poemas mais picantes para se decorar a Tabela Periódica,
que inventam as melhores melodias para se guardar várias fórmulas de física e
que adestram os alunos com esquemas pré-fabricados de redação para qualquer
tema.
Neste nosso modelo, o bom
candidato ao ensino superior se torna profundo conhecedor... de métodos de
realizar provas. E, por não ter compreendido realmente nada, no dia seguinte ao
vestibular se esquece de tudo o que passou dez anos estudando.
Surge daí a tradição -
identificada, com assombro, por Feynman - do "estudar para a prova",
das musiquinhas de decoreba, dos cursinhos preparatórios: saber os macetes para
tirar boas notas nas avaliações importa mais do que verdadeiramente saber
aquilo que se estuda. A nossa escola nada ensina - a não ser a tirar boas
notas. O nosso currículo oculto é o da valorização dos diplomas - e o da
desvalorização do conhecimento.
Ora, amigos, Platão já ensinava:
é impossível existir uma sociedade sã sem um sistema educacional saudável. O
nosso sistema educacional, com um currículo inacreditavelmente extenso, mas
absolutamente sem propósito, é justamente o oposto disso. Como querer que o
Brasil seja um país com bons cidadãos, se o nosso currículo oculto parece ter sido
elaborado com a finalidade de formar indivíduos frívolos, vaidosos e
ignorantes?
* * *
Isso explica um fenômeno
brasileiro contemporâneo: a enorme quantidade de academias de ginástica,
fenômeno sem par no mundo, e a ínfima quantidade de livrarias nas nossas
cidades.
Um povo que coloca a preocupação
com a "barriga tanquinho" em primeiro lugar na sua vida revela, com
isso, qual é o seu horizonte existencial e que marca pretende deixar na
História.
Amigos, o Brasil é o país com
maior número de cirurgias plásticas por habitante no mundo inteiro. Os EUA
fizeram cerca de 300 mil cirurgias a mais do que as 1.224.300 realizadas no
Brasil em 2017, mas têm uma população 60% maior do que a brasileira.
Por outro lado, povo brasileiro
está entre aqueles com menor quantidade de livrarias per capita em todo o
planeta. São Paulo, sozinha, tem o dobro da quantidade de automóveis da
Argentina inteira. Mas Buenos Aires, sozinha, tem o dobro da quantidade de
livrarias de São Paulo.
O brasileiro acha muito caro
pagar cinqüenta reais por um livro, mas faz dívidas astronômicas para comprar
um automóvel. Isso ilustra o nosso problema civilizacional: somos o país da
pose inculta. Somos o exemplo acabado da síndrome socrática de Dunning-Kruger:
tão abissalmente ignorantes que não sabemos nem que somos o povo mais ignorante
do mundo.
* * *
A conseqüência disso é evidente.
Nestes anos, tenho ouvido e lido profissionais liberais, magistrados,
jornalistas e - pasmem - professores universitários com uma nítida dificuldade
de descrever as suas intuições e percepções ou com uma evidente incapacidade de
efetuar as operações lógicas mais simples numa discussão.
É fácil atestar essa decadência:
basta visitar uma livraria - se você encontrar alguma, é claro - e buscar um
romance de qualquer escritor brasileiro contemporâneo. Raríssimos serão os
livros que não apresentarão uma vulgaridade estrutural, sintática, vocabular
desoladora.
Ou seja: ter recebido a educação
escolar e universitária no Brasil nas últimas décadas é praticamente uma condenação
à impotência discursiva.
* * *
E o que a literatura de um povo
têm a ver com o QI? Tudo, amigos, tudo.
É por meio da linguagem que nós
pensamos o mundo. Por meio da estrutura sintática da língua intuímos a
estrutura lógica do Cosmos. Sartre nos diz que "nosso pensamento não vale
mais do que a nossa linguagem e deve-se julgá-lo pela forma com que a
utiliza". Se não lemos boa literatura, falamos e escrevemos mal; se
falamos e escrevemos mal, pensamos mal; se pensamos mal, saímo-nos mal nos
testes de QI. Para tornarmo-nos mais inteligentes, é preciso desenvolver uma
faculdade comunicativa que vá além dos grunhidos mais ou menos elaborados com
os quais expressamos os desejos, as sensações e as opiniões imediatas.
Geralmente, é na escola que
tomamos contato, pela primeira vez, com a estruturação formal da nossa língua -
não somente por meio das aulas de Gramática, mas, principalmente, por meio dos
contos, romances e poemas que somos obrigados a ler.
E o que somos obrigados a ler,
amigos?
Em meio a alguns tesouros da
língua portuguesa, como Pe. Vieira, Machado, Euclydes, Lima Barreto e Guimarães
Rosa, somos forçados a encarar estorvos como os de um Joaquim Manuel de Macedo
("A moreninha"), de um José de Alencar ("O guarani"), de um
Raul Pompéia ("O ateneu"), de um Aluísio Azevedo ("O
cortiço").
Entre uns e outros, uma ausência
salta aos olhos: a ausência da grande literatura mundial.
Amigos, eu acho inconcebível que
os alunos brasileiros não leiam Cervantes na escola. Que não leiam Shakespeare.
Que não recebam livros de Dostoiévski, de Hemingway, de Borges. Que, ao lado
dos necessários poemas de Pessoa, de Cecília Meireles, de Drummond, não leiam
também Blake, Whitman, García Lorca, Neruda.
Como podemos ombrear com os
outros povos do mundo se não conhecemos o fundo cultural no qual os debates
civilizacionais são travados? Amigos, as trocas civilizacionais profundas não
se dão no plano da conversa do taxista de aeroporto, não se dão em termos de
cantores da moda e jogadores de futebol.
A não ser que deliberadamente
queiramos nos posicionar como a nação do QI médio 87, a nação dos
bobos-felizes.
* * *
O nosso sistema educacional é, na
verdade, um sistema inteiramente deseducacional. Ele não aumenta a nossa
inteligência: ele a reduz.
Se o nosso sistema educacional
continuar centrado na prova, não haverá saída para a nossa civilização:
acabaremos por desaparecer não por conseqüência de uma invasão estrangeira ou
de uma guerra civil, mas por pura inaptidão para a existência.
Para salvarmos a civilização
brasileira, precisamos salvar a escola. E a escola somente será salva se ela
passar a fazer o que nunca fez: se ela passar a educar. Se ela, em primeiro
lugar, começar a ensinar a pensar, o que somente é possível se ela começar a
ensinar a ler, a escrever e a falar.
Finalmente, amigos, para ler,
para escrever, para falar bem, só há um caminho: o caminho da boa literatura e
da prática da escrita e do debate. Justamente o que mais falta nas nossas
escolas, tão ocupadas com todo o resto.
*Prof. Dr. Gustavo Bertoche
Filósofo. Mestre e Doutor em
Filosofia. Escritor. Musicista. Filósofo Clínico. Em 2019, por indicação do
conselho e direção da Casa da Filosofia Clínica, recebeu o título de “Doutor
Honoris Causa”. Livre Pensador.
Teresópolis/RJ
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