“Às vezes, eu acredito em seis coisas impossíveis antes do café da manhã”
(Alice no País das Maravilhas, Tim Burton, 2010)
As singularidades adentram os
espaços terapêuticos das mais improváveis formas. Alguns chegam indecisos sobre
o porquê de estarem ali, afinal nem sempre existe obviedade; outros talvez não
saibam que seja uma porta para descobertas tão incômodas quanto difíceis.
Existe a probabilidade de que um turbilhão os perpasse, podendo arremessá-los
até a mais insana possibilidade de ser. Na verdade, percorrer caminhos de
encontros pode ser tão inusitado quanto permanecer inerte no estado catatônico
em que a normalidade desavisada costuma nos mergulhar.
Cada um tem sua estrada, suas
histórias na bagagem, que muitas vezes arrastam melancólicos ou sem vontade,
desgostosos do que mais desejam. Na verdade, as histórias se misturam em potes,
cujo fundo nem sempre é visível. Falas entrecortadas de peculiaridades trazem à
tona que um dia fui assim... há muito tempo não sei mais quem sou... não sei se
percebi o tempo que passou nem mesmo sei se me terei de volta... em tese, é a
mesma pessoa; mas na versão real, pode ser qualquer outro alguém. É como um
mistério e um desafio, uma nota dissonante de uma canção que não se acaba. Não
há réquiem para os corações que pulsam.
A dádiva de penetrar mundos e se
colocar disponível a compreender historicidades, preencher lacunas e reunir pontos
nem sempre visíveis requer uma disponibilidade que se pretende única e que se
traduz através da escuta e da presença, onde o jogo de olhares e silêncios
torna-se cúmplice de atitudes que se preparam para uma de suas mais belas
facetas: abrir-se ao seu papel existencial do ser cuidador.
Em alguns momentos, essa escuta
apenas se faz presente, e observa, antevendo possíveis suspiros ou brilhos
molhados que pendem de olhares suplicantes por se fazer ouvir. Parece tarefa
árdua, mas apenas para quem não se importa. Na verdade, é como perceber
universos inteiros em seus maravilhosos contos de fadas reais, onde mocinhos e
vilões dançam abraçados no decorrer das páginas.
Hora de ler nas entrelinhas e nas
literalidades, plantando atalhos e promovendo os dados divisórios e os
enraizamentos que permitirão a compreensão do quebra-cabeça existencial. O que torna a escuta capaz é saber que
participamos e coexistimos da mesma matéria daqueles que ouvimos e somos tão
imortais quanto os sonhos e as vicissitudes que alimentam a todos. Então, é
preciso buscar forças e bases e convocar a alteridade latente que nos permite
navegar em mares tanto rasos quanto profundos.
Nos antigos e etéreos reinos
distantes dos contos de fadas era fácil acreditar que os destinos se desdobravam,
suspensos por mágicos eventos, revelando realidades que se confundiam e se
tornavam o que quer que se desejasse. Lá, tudo (ou nada) fazia sentido e
acreditar em coisas impossíveis era tão banal quanto admirar os mistérios da
vida ou se colocar na condição e na ordem de um universo imaginário, sem nexo,
sem limites...
Em nossos tempos existenciais nem
sempre os instantes se sucedem como a lógica da vida parece querer demandar.
Cada história singular se confunde com si mesma, agarrando-se à fugacidade do
instante presente, numa tentativa desesperada de se fazer existir. Então, só
fará sentido o que estiver impresso na alma e ressignificar os caminhos
percorridos.
Assim, desde que se acredite, não
há limites para a os desdobramentos de qualquer relato. É papel de quem ouve
estabelecer, em tácito e firmado acordo, filtros para que as essências (ou o
que de fato importa) se revelem, o mais claro e limpidamente que se possa
observar nas bordas cristalinas da autenticidade permitida. Porque as histórias
nem sempre têm começo, meio e fim como parâmetro.
Ao contrário, são capazes de ir,
vir e se reproduzir a cada segundo, como centelhas inesgotáveis de
matéria-prima que compõem os versos da estrada que as conduz. Histórias saltam,
retrocedem, vislumbram, se alternam, coexistem e não se esgotam... como flashes
existenciais que se propagam na infinitude de tudo o que poderiam ser.
Entretanto, há uma chance de não
sermos pegos de surpresa pelo jaguadarte que generosamente deixamos que nos
fira. Se abrirmos as portas da imaginação e simplesmente nos soltarmos,
lançando nossa alma no turbilhão, talvez nos seja permitido acreditar em algo
impossível: que somos capazes de fazer valer o que realmente desejamos, seja lá
o que for. De preferência, antes do café da manhã.
*Luana Tavares
Filósofa, Graduada e Mestre em
Filosofia, Escritora, Filósofa Clínica
Niterói/RJ
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