Na tentativa da comunicação verbal, nem sempre o que um fala é o que o outro escuta, e o mesmo pode ocorrer na forma escrita, quando o que se apresenta pode ser lido e entendido de maneiras diferentes.
A origem desta falta de sintonia
pode partir tanto de quem envia como de quem recebe a mensagem, pois uma série
de interferências internas e externas estão em jogo.
Nem sempre é fácil exprimir em
palavras pensamentos e emoções, ou, em outros termos, é difícil transmitir com
clareza um sentimento ou uma emoção, e talvez o motivo desta dificuldade seja a
própria emoção, mas isto é um outro assunto...
Se por um lado existe a
dificuldade em transmitir, receber também tem suas peculiaridades. Pessoas
escutam, leem, veem e depois interpretam a mensagem de acordo com suas visões
de mundo. Distorções também podem acontecer por desatenção, expectativa e
ansiedade em assimilar de imediato o conteúdo da mensagem recebida. Um velho
ditado popular já dizia “cada um escuta o que quer ouvir”.
Arthur Schopenhauer, filósofo
alemão, dizia que o mundo não é mais do que “representação”, tendo de um lado o
objeto constituído a partir de espaço e tempo e de outro a consciência
subjetiva acerca do mundo, sem a qual este não existiria. O objeto, a coisa em
si, passaria a ser representada por símbolos, ideias, valores, utilidade, de
acordo com as visões de mundo de quem os estivesse utilizando.
Desacertos, brigas,
mal-entendidos, quebras de contrato, divórcios podem vir a acontecer por
descompasso no relacionamento, na comunicação ou em ambos. A literalidade das
palavras poderia ser uma tentativa válida de sintonia na comunicação?
O ser humano é essencialmente
verbal, utiliza palavras tanto para explicar como também para enganar, iludir,
persuadir.
A linguagem verbal pode utilizar
meios complementares, tais como gestos e expressões corporais, (“o corpo
fala”), sem falar em recursos da própria palavra, trazidos pelas diferentes
culturas, tais como gírias, metáforas, simbologias, etc.
Experimente literalizar a
explicação de um pensamento ou sentimento sem o uso de metáforas, simbologias e
você terá ideia da dificuldade. Todos esses recursos utilizados podem ser
eficientes para prender a atenção do receptor, mas não necessariamente ao
conteúdo da mensagem. Podem inclusive, ter efeito contrário ao desejado,
desviando a atenção e dificultando o processo de compreensão.
Mesmo quando do uso de uma
mentira, isto nem sempre é um sinal de hipocrisia, pois às vezes acredita-se
tão firmemente na versão ou visão criada, que a mentira está sendo contada
inicialmente para o próprio criador e a palavra emitida já sai distorcida da
realidade.
Há que se considerar que palavras
nem sempre acompanham a velocidade do pensamento, e a diversidade humana
representada por vivências, crenças, expectativas, bagagem cultural torna o
processo de comunicação eficaz uma missão praticamente impossível. Assim,
palavras, emitidas ou recebidas em plena literalidade, não seriam confiáveis e
seriam incompletas em seu significado.
Talvez uma alternativa menos
sujeita a falhas fosse prestar mais atenção aos atos, ao comportamento do que
as palavras e promessas. Confúcio já dizia: “Atue antes de falar, e, portanto,
fale de acordo com seus atos”. A distância entre o que as pessoas dizem e fazem
muitas vezes não é percebida nem por quem fala nem por quem ouve.
Quando alguém nos dá a entender
determinada situação, dizendo as palavras que queríamos ouvir, nossa reação
natural é encaixar as palavras em nossa visão de mundo e acreditar no que
ouvimos, muitas vezes ignorando o comportamento e funcionamento incoerente do
prometido. Nossa escolha foi prestar atenção somente no que nos interessa e nos
iludir com as palavras, ignorando o objeto, a situação ou a conduta de quem
promete.
Sob esta ótica, a palavra seria
uma forma de manipular a representação de mundo das pessoas. Uma ferramenta
poderosa, que dependendo do uso, pode criar, levantar ou destruir visões de
mundo. E esta ferramenta pode ser ou vem sendo utilizada por políticos,
publicitários, professores, artistas, terapeutas e formadores de opinião muitas
vezes de maneira irresponsável, sem medida de suas consequências. Uma palavra
mal interpretada, uma virgula fora do lugar, uma informação recebida sem
reflexão, podem destruir pessoas, relacionamentos e até mesmo países.
Passemos a um exemplo prático: ao
se anunciar um shampoo como o melhor para cabelos crespos, o que significa a
palavra melhor? Qual a sua dimensão? Um político ao prometer um melhor
tratamento a saúde pública, um terapeuta ao dizer que assim será melhor a seu
paciente, um parceiro ao prometer melhor empenho, um professor ao indicar o
melhor livro, estão pensando e transmitindo o quê? E o que foi captado pelo
interlocutor terá alguma relação com o que foi pensado ou dito? Tudo depende de
valores, elementos essencialmente subjetivos, que podem divergir completamente
na concepção dos interlocutores.
Cuidado com as palavras. Palavras
são anões. Exemplos são gigantes. Um verdadeiro intelectual não é medido pelo
que lê, escreve ou fala, e sim por uma vida comprometida com suas ideias.
O critério de escolha de um
político, terapeuta, companheiro, produto ou serviço ao se basear em palavras,
titulações ou estética pode ser falho e gerar desilusões. A observância do
comportamento, comprometimento e coerência entre o falar e o fazer são condutas
mais apropriadas tanto para quem fala como para quem ouve, não esquecendo de
que o silêncio pode falar mais do que mil palavras.
*Ildo Meyer
Médico. Escritor. Palestrante.
Mágico. Filósofo Clínico. Em 2019, por indicação do conselho e direção da Casa
da Filosofia Clínica, recebeu o título de “Doutor Honoris Causa”.
Porto Alegre/RS
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