“(...) Graças as sombras, a região intermediária que separa o homem e o mundo é uma região plena, de uma plenitude de densidade ligeira. Essa região intermediária amortece a dialética do ser e do não ser".
Gaston Bachelard
Uma crença muito antiga aprecia atualizar-se desse enigmático hoje que um dia foi amanhã. Poderia ser o pretérito imperfeito de uma busca ou aquele quase nada onde tudo acontece. Atualização de um dialeto nem sempre dizível, a se alimentar nas fontes inenarráveis, nos paradoxos, nas desleituras criativas.
Seu visar inédito sugere desvãos
ao mundo que se queria definitivo. Costuma ser abrigo do acaso na versão do
avesso das coisas. Ao referir o encantamento das pequenas devoções, parece
traduzir esse texto interminável, por onde a vida escoa seus segredos. Realiza
um esboço sobre as tentativas de decifrar um mundo que é mistério por natureza.
A característica de ser
imprevisível seria insuportável, não fosse a poesia ressignificada em lógica
delirante. No submundo dos outros é possível reconhecer parte do nosso, isso
pode acontecer no elogio, censura, crítica. Essa contradição parece fundamentar
uma distância aproximada de cara metade. Assim, ódio e paixão podem se
reconhecer no mesmo objeto de desejo.
O transbordamento discursivo
relata a vida num desses lugares onde os sonhos acontecem. A recriação estética
imprecisa sua matéria-prima nas gavetas desmerecidas, na via marginal, no
rastro dos rituais exóticos. Ao primeiro olhar, a inexatidão dos rascunhos
aponta manuscritos ilegíveis. Há que se conviver em meio às brumas para
aprender sua dialética, a trama significativa de um existir absurdo.
Talvez os papéis existenciais de
cada um se ofereçam na percepção de consciência alterada, oferecendo vislumbres
sobre os fenômenos ao seu redor, como ousadia retórica a testar o limite das
palavras.
Nesse universo subjetivo,
inconformado com a definição refém de si mesma, ao deixar entrever sua fonte de
originais, alimenta-se nas ressonâncias dos ensaios irrefletidos. As poéticas
do indizível se associam em código próprio. Para desvendar sua arquitetura
irreal, reivindicam uma interseção nem sempre cabível à verdade dos consensos.
Ao se colocar numa ótica de devaneio e invenção, sua decifração percorre os
instantes de um discurso que silencia.
*Hélio Strassburger in “A
palavra fora de si – Anotações de Filosofia Clínica e Linguagem”. Ed.
Multifoco. RJ. 2017. Pág. 21.
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