Pensar a singularidade é um exercício de ver que “A vida insinua-se de um jeito único na subjetividade de cada pessoa, lugar privilegiado para decifrar os enigmas da natureza (...)”, os enigmas de sua própria natureza, da natureza das coisas e do mundo. Aí, no fenômeno da singularidade, há espaço para o “exótico aparecimento”, quem sabe por esses caminhos possamos acessar alguma identidade, alguma integridade sobre quem somos, um pouco mais leves das bagagens impostas.
Há quem busque comparações e
generalizações ao longo da vida, há quem se adapte bem a esse modo de ser e ver
as coisas, de ler o mundo através de termos gerais. Há quem se sinta completa
ou parcialmente preso por essas tipologias, classificações e diagnósticos e, no
entanto, careça de um outro tipo de olhar, o singular, ainda ofuscado,
escondido em algum recanto seu ou do mundo, e sabe que algo em si fica sem
espaço para transbordar diante de uma sociedade viciada em padrões, muitas
vezes camuflados em discursos sobre valorizar a diversidade ou afirmações como
“devemos ser diferentes”. Não devemos ser diferentes, já o somos e sempre
seremos. Por mais que possamos compartilhar, ainda assim, as circunstâncias e
significações são únicas.
Se não nos damos conta disso, o risco é nos tornarmos reféns da produção do igual imposta pelos padrões de normatividade que gera também a necessidade de sermos diferentes. E “essa vida” que nos joga de um lado a outro, que nos suprime em padrões convencionados/impostos é a mesma que nos obriga a sermos diferentes para que possamos, enfim, sermos reconhecidos. Antes ser um desconhecido na multidão, mas que conhece, ao menos um pouco, a si mesmo. Antes perceber que a produção do igual e do diferente está a serviço de mercados extremamente lucrativos. O mercado humano, da mente humana, do corpo humano...
Nesse sentido, a Filosofia Clínica evidencia que “As
coisas podem adquirir propriedades diversas no vislumbre das singularidades”.
Assim, a carência, o que nos falta me parece que é justamente o exercício da
singularidade. O olhar extraordinário, surpreso, suspenso, desacomodado,
incerto, investigativo, descontente, absurdo, instigante, mágico, ingênuo, a
admiração como diria Gerd Bornheim: “Na admiração, verifica-se um simpatizar,
no sentido etimológico da palavra, um sentir unido ao real como uma presença
(...) longe de impor-lhe o que quer que seja, o deixa ser em toda a sua
dimensão, como plenitude de presença.”
Referências:
BORNHEIM, Gerd A. Introdução
ao filosofar: o pensamento filosófico em bases existenciais. 9. ed. São
Paulo: Globo, 1998. p. 39.
STRASSBURGER, Hélio. Pérolas
imperfeitas: apontamentos sobre as lógicas do improvável. Porto Alegre:
Sulina, 2012. p.55.
STRASSBURGER, Hélio. Filosofia
Clínica: poéticas da singularidade. Rio de Janeiro: E-papers, 2007. p.19.
*Dionéia Gaiardo
Filósofa. Administradora de
Empresas. Escritora. Filósofa Clínica. Mãe do Gael.
Passo Fundo/RS
**Texto publicado na edição
piloto da Revista da Casa da Filosofia Clínica. Disponível no blog da Casa.
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