A crescente onda de diagnósticos
e da busca pela conscientização da ideia da presença de inúmeros
"atípicos" na sociedade tem mostrado algo a se refletir: talvez,
ninguém seja realmente "normal".
Os diagnósticos de "transtornos", "síndromes" ou "doenças" mentais ou físicas têm servido para justificar a dificuldade de pessoas para se "enquadrar" entre os "normais".
O problema consiste em justamente não haver a percepção de que essa "normalidade" não está em lugar ou em pessoa nenhuma. Trata-se de critérios abstratos, noções ideais sobre características de alguém "normal".
Se quase metade da população possui alguma característica que a distingue desse ideal de normalidade, não seriam esses aspectos "normais" na humanidade? Não no sentido de uma normalidade "etérea", descolada da vida. Trata-se, antes, da constatação de que, no fundo (e nem tão fundo assim), cada pessoa é singular, é única.
Quando alguém fica aliviado após perceber que seu "diagnóstico" justifica características que antes o afastavam de uma convivência entre os "normais", esses traços podem ser o que constitui a singularidade da pessoa. Além disso, o esforço por se adaptar à vida em sociedade pode estar presente em maior ou menor grau nos indivíduos que a compõem.
Para a adaptação, há quem recorra aos fármacos. Assim, tornam-se dóceis para conviver entre os "normais" que, por sua vez, também podem não estar tão confortáveis para essa vida em comum. Um jogo de cena no qual as expressividades podem ficar contidas a ponto de pessoas passarem a vida sem saber e, muito menos, ser quem são...
A busca pela saúde mental ou pelo corpo saudável levanta as questões: Qual é o critério? Quem o formulou? Baseado em quê? Há outras perspectivas? De onde vem a legitimação? Precisamos seguir essa "cartilha" ou há outras alternativas?
* Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo
Filósofo. Filósofo Clínico. Escritor. Mestre e Doutor em Filosofia. Autor da obra: "Introdução à Filosofia Clínica". Ed. Vozes/RJ, dentre outras. Em 2019, por indicação do conselho e da direção da Casa da Filosofia Clínica, recebeu o título de Doutor Honoris Causa.
Teresópolis/RJ
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