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Parâmetros de estudo***

Considerar a totalidade da estrutura de pensamento não significa o mesmo que conhecer tudo sobre o indivíduo. Tudo implica na noção de reconhecimento ou estudo de algo observável em repouso, um objeto inerte ou estático. Do não dotado da capacidade de transformação.

Encontrar a singularidade é entender estruturalmente o “como” do partilhante “sendo” na efetivação – submodos – de sua organização interna – estrutura de pensamento – possibilitadas por seu horizonte existencial – exames categoriais.

Dentre outros motivos, esse ladear inicia por um recorte chamado assunto imediato, pois antes de enxergar a estrutura interna e sua efetivação, a possibilidade de reconhecimento se dá a partir das categorias. É necessário entender a estrutura de pensamento relacionada aos demais elementos do método.

Na terapia, a proposta é uma aproximação ao como a pessoa está e não a busca de definir quem ela é. Isso traz ao filósofo clínico o desígnio de nunca baixar a guarda na relação traçada entre assunto último, dado padrão e dados atualizados. Imputa ao cuidador atenção constante ao devir do partilhante.

É o parâmetro metodológico para o terapeuta em função da necessidade de atenção aos movimentos autogênicos, onde cada mudança aponta para uma reorganização estrutural.

Em primeiro lugar, pode-se pensar a impossibilidade de conhecer tudo sobre alguém devido a determinados conteúdos condizentes ao assunto excluírem, momentaneamente, usos de tópicos ou submodos. Por este estudo estar condicionado a fala do beneficiado, o filósofo clínico reunirá os fenômenos ocasionalmente colhidos. Eles, por sua vez, possibilitarão a continuidade da averiguação. Mais adiante, todo apanhado metodológico será revertido para cuidar da singularidade.

Um filósofo clínico, durante, por exemplo, 51 encontros, pode não conhecer efeitos positivos do submodo em direção as sensações no seu partilhante. Como padrão, estes efeitos se manifestam nos conjuntos em que estão se relacionando circunstância, lugar, interseções de estruturas de pensamento, recíproca de inversão e quando relata somatizações diversas. Compreende, por repetição, a presença de abstração e ideias complexas como estruturantes, mas percebe este último em funcionamento não benéfico em algumas efetivações. Tão somente o filósofo sabe, no presente momento, pontos subjetivos negativos do sensorial e em direção às sensações na historicidade deste partilhante.

Até que no 52º encontro, no relato, aparece o conjunto: lugar, em direção as sensações em inversão fazendo epistemologia e ideias complexas ocorrerem de maneira positiva do ponto de vista subjetivo. Neste caso, o terapeuta nota o chamado dado atualizado. Abre-se, a partir daí, uma série de oportunidades de uso de submodos formais. Não só para entender essa conformidade em relação a estrutura de pensamento, mas para busca de outras viabilidades. Doravante, a “novidade” passa a ser condição de possibilidade investigativa.

Devido aos caminhos inerentes ao assunto, averiguar objetivamente todos os pontos da vida do partilhante está fora do campo de possibilidades do filósofo clínico. Em parte, aí se sustenta a ideia de trabalhar com historicidade.

Não se trata da compreensão do indivíduo cristalizado na própria história, mas tecnicamente o que está em jogo quando ela é contada. Por vezes, o importante frente ao objetivo terapêutico simplesmente não perpassa determinadas esquinas da singularidade.

Conforme descrito acima, na medida da interação com coisas, pessoas, mundo etc., existe a perpetuação da mobilidade na estrutura de pensamento. Ela pode ser ininteligível para o partilhante e consequentemente para o filósofo clínico. É inerente ao processo de reconhecimento, compreensão e análise dos jogos entre categorias, tópicos e submodos em constantes mutações.

As várias formas do partilhante se relacionar com o tempo subjetivo e a maneira como os conceitos se organizam na estrutura de pensamento influenciarão o relato. No tocante à expressão dos conceitos, existem perspectivas específicas. Em filosofia clínica, aquele que é cuidado, em seu tempo, com características próprias e em sua linguagem, consegue espaço para transpor-se.

Até que os fenômenos apareçam é a partir do apresentado sem necessária exatidão o terreno onde o filósofo clínico precisa se sentir metodologicamente confortável. Sabendo que o partilhante trará uma aproximação de sua representação de mundo e por isso o que o cuidador conseguirá vislumbrar é uma aproximação fruto da aproximação escutada.

A maneira como se constituem os processos internos podem não evidenciar nuances. Momentaneamente estas podem não aparecer, ou se apresentarem menos frequentes, em detrimento do assunto último e, por sua vez, não são necessariamente menores ou menos importantes.

O papel do terapeuta é observar e estudar como se movimentam os conjuntos das partes do método, quando aparecem, a partir de uma historicidade. Essa é a única via de acesso ao partilhante na filosofia clínica. É entendendo a organização estrutural da relação entre o horizonte existencial, malha intelectiva e, como efeito, modos de agir, que conseguimos alcançar a estrutura em atividade do beneficiado pela terapia.

Portanto, é justamente esse movimento de “vir a ser”, no partilhante, o implicante do mantenimento da concentração incessante na comparação entre: assunto último, dado padrão e dado atualizado. Entender a autogenia é conhecer a maneira como os elementos integram a historicidade. É o momento de estudar o entrelaçamento de como aparecem cada um dos componentes dos três pilares, a partir da escuta. Respeitar o método evidencia o surgimento gradativo da singularidade. O filósofo clínico deve saber respeitar o espaço para tais aparições.

*Paulo Alves Filho

Filósofo. Filósofo Clínico. Professor de Filosofia Clínica. Escritor.

pauloalvesfilhofc@gmail.com

Rio de Janeiro/RJ

**Texto - originalmente - publicado na edição inverno/2024 da revista da Casa da Filosofia Clínica.

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