Amigos, não existe “a posição da ciência”. Como mostraram Bachelard, Kuhn, Feyerabend e muitos outros depois deles, a idéia de uma posição unitária da ciência não passa de uma idealização, de uma sinédoque, de uma personificação.
"A ciência" não afirma
nada; "a ciência" não sustenta posição nenhuma. Quem afirma, quem
sustenta as suas posições, são "os cientistas" e "os grupos de
pesquisa". E eles não afirmam nada em uníssono, eles não pensam em bloco:
não existe unanimidade em nenhum campo científico.
Como diz Feyerabend em
"Ambiguità e armonia: lezioni trentine", "o monstro 'ciência'
que fala com uma única voz é uma colagem feita por propagandistas,
reducionistas e educadores. Dizer que 'somos obrigados a tomar a ciência como
guia em questões relacionadas à realidade' não é só errado – é um conselho que
não faz sentido". Afinal, em todos os ramos da investigação científica –
na física, na biologia, na sociologia, na psiquiatria, na economia, na
climatologia, na epidemiologia... – há os cientistas que adotam a posição
padrão naquela época e naquele lugar, e há os que nadam contra a corrente.
Quando tomamos a voz de um
cientista como a voz da própria ciência, simplesmente adentramos o domínio
poético do pensamento metonímico: tomamos uma voz concreta e particular como se
fosse a posição de todos os cientistas de todas as regiões científicas.
Em outras palavras: quem quer que
advogue alguma “unanimidade científica” é ou ignorante, ou manipulador.
* * *
Isso significa que devemos
abandonar as ciências? É claro que não. O que precisamos é compreender o seu
processo de produção, para que possamos valorizar, apoiar e financiar o
trabalho científico – e para que aprendamos a ter precaução contra a utilização
do discurso científico em benefício de grupos cujos interesses econômicos e
políticos não visam ao bem comum.
*Prof. Dr. Gustavo Bertoche
Filósofo. Mestre e Doutor em Filosofia. Professor. Filósofo Clínico. Escritor. Musicista. Autor da obra: "A dialética do real na epistemologia de Bachelard", dentre outros. Em 2019, por indicação do conselho e direção da Casa da Filosofia Clínica, recebeu o título de 'Doutor honoris causa'.
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