Em filosofia clínica é possível a aproximação com a singularidade através dos relatos. Nesse sentido, à medida que os encontros acontecem, o tempo avança e o filósofo clínico consegue mais dados para entender e cuidar do assunto último. São os elementos da fala apreendidos durante a partilha que constituem o conhecimento do terapeuta sobre o assistido.
Os componentes da fala são
acatados e resguardados sobre a perspectiva de uma postura específica. Essa
postura é a escuta. Ela não é interpretativa, mas compreensiva. Se trata da
associação traçada entre a fenomenologia, a analítica da linguagem, a hermenêutica
compreensiva e o estruturalismo, para o filósofo clínico. Partes da filosofia
clínica que propiciam a compreensão. Qualquer estudo feito fora do parâmetro
descrito incorre em contaminação do discurso no sentido e significado original.
Quando alguém conversa sobre
determinada cidade, bairro ou estado faz descrições acerca de um exame
categorial. Enquanto a pessoa discorre mostra o evidente à sua singularidade.
Quando atribui impressões não aponta algo inerente a um “local geográfico”,
como se os pontos ressaltados fossem tópicos da estrutura de pensamento
indissociáveis e próprios do lugar. Na verdade, está evidenciando quais tópicos
troca na relação com o lugar.
Nesta investigação, são
ressaltadas perspectivas da intencionalidade dirigida de quem faz a análise,
logo ela está sujeita aos critérios usados pela pessoa para se relacionar com o
objeto analisado. Os elementos averiguados não são fenômenos recebidos frutos
de uma descrição, mas uma ida do sujeito em direção ao objeto. Por conseguinte,
há a influência da maneira como o indivíduo se relaciona com o objeto em sua própria
leitura íntima. Ainda que em seu relato entenda como fenômenos esse “relacionar-se”,
o processo está subordinado à singularidade executora do estudo.
Por exemplo, quando se diz: “No
Rio de Janeiro todas as pessoas com quem convivo atrasam para compromissos!”, a
pessoa emite seu ponto de vista sobre o lugar (Rio de Janeiro). Relacionando
através de termos universais (todas as pessoas) o tempo (atraso; tempo objetivo
versus tempo subjetivo) a interseções de estruturas de pensamento (com quem
convivo). Está criando em sua singularidade um pré-juízo em como o mundo parece
sobre o lugar.
Na postura do filósofo clínico a
proposta é receber e relacionar fenômenos relatados e não ir em direção a eles,
no sentido de buscar qualquer critério. Quando alguém reclama sobre os dias de
hoje onde as pessoas são frias e pouco receptivas está declarando o evidente
segundo sua representação de mundo. Não necessariamente uma verdade absoluta
sobre o tempo. Tão pouco sobre as pessoas. O que faz desta ideia um pré-juízo
sobre o tempo para ela.
Não é uma verdade absoluta, universal e
objetiva para todos os seres humanos. É um critério usado para revelar como ela
se relaciona com o tempo em sua intimidade. Em um relato ou quando indagado, um
indivíduo usa recursos próprios para se mostrar ou falar de si. Ele os busca
para transpor-se a outrem. Diferente do filósofo clínico que apreende os fenômenos
quando aparecem.
A filosofia clínica possui uma
linguagem técnica própria para o exercício em consultório. Ela não
necessariamente deve ser apresentada ao partilhante. Quem se apropria dela é
capaz de exercê-la. Para os que conhecem o método, ela é dotada de um sentido e
significado específico. Isso permite seu uso para dialogar acerca das impressões
sobre as coisas. Como as questões do tempo e lugar, já discutidas. Pois diante
da univocidade desta linguagem ambos participantes conseguem atribuir sentidos
e significados próximos na atividade de um diálogo. Não se trata da filosofia
clínica em exercício e sim da possibilidade de uso de uma linguagem
disponibilizada por ela.
Os princípios de verdade fazem
parte tanto da estrutura de pensamento quanto dos submodos. Enquanto tópico da
estrutura de pensamento seu uso possibilita entender, do ponto de vista da
organização interna, como funcionam os outros tópicos usados pelo partilhante
na interação com instituições ou outras pessoas. Para isso, existem duas
possibilidades de medida. A primeira, a partir das interseções de estruturas de
pensamento, verificando quais tópicos aparecem como pontos de interação entre
singularidades. A segunda, através da categoria relação sondando quais
elementos tópico-estruturais aparecem no lidar da pessoa com coisas ou instituições
(igreja, clube, bairro, faculdade, curso, obras de arte etc).
Enquanto submodo no uso formal é
o procedimento clínico adotado pelo terapeuta para produzir intervenção. Para
conduzir um movimento terapêutico momentâneo ou recorrente.
Portanto há a necessidade de
fazer valer os fundamentos da filosofia clínica em função de sua finalidade: a
terapia. O uso de sua linguagem fora do ambiente compreensivo da partilha pode
causar, a um ouvinte qualquer, interpretações errôneas em função da ausência de
familiaridade ou domínio da abordagem terapêutica. Abrindo possibilidade para
as generalizações, movimento antagônico ao método.
*Paulo Alves Filho
Filósofo. Filósofo Clínico.
Escritor.
Rio de Janeiro/RJ
**Texto originalmente publicado
na edição de Outono/2025 da Revista da Casa da Filosofia Clinica.
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