Dentro da formação em filosofia clínica, a questão sobre conhecimento teórico é de pouca monta, pois não há teorias sobre o ser humano, sua natureza, o bem ou mal viver, a “normalidade” ou doenças mentais ou o que quer que seja.
Mas então, o que se estuda na
formação em filosofia clínica? Duas coisas: 1) a metodologia, que é composta de
três eixos, sendo exames categoriais, estrutura de pensamento e submodos. Esses
eixos têm termos técnicos para a compreensão da singularidade que se apresenta
na terapia com a filosofia clínica, mas essa compreensão não é valorativa,
normativa ou prescritiva.
É uma compreensão descritiva
daquilo que aparece, e o que aparece, é. Portanto, fora os termos técnicos de
cada eixo, que cada um deles pode ser resumido, para uma boa compreensão em
duas ou três linhas, o que mais se estuda na formação? Aí vem o 2) ser
terapeuta. Este, como certeza, um tema infindável a partir do momento que o
postulante à formação quer ser terapeuta em filosofia clínica. Não é
propriamente um “estudo” sobre o ser terapeuta, mas a compreensão de uma
postura terapêutica que vai contra o fluxo daquilo que temos de postura no cotidiano.
Edmund Husserl já salientava a
diferença entre a postura natural e a artificial no que tange à fenomenologia.
A natural é aquela do mundo da vida, do dia a dia, de nossos afazeres nos
vários papeis existenciais que temos. Nesta postura controlamos (ou tentamos
controlar), julgamos, decidimos, influenciamos diretamente ou indiretamente as
pessoas e coisas, valoramos, normatizamos etc. Nesta orientação, a natural, essa
é uma atitude necessária. Mas quando nos orientamos para uma postura
fenomenológica, nos diz Husserl, ela está fora da postura natural, é, portanto,
artificial. E por isso, temos que nos esforçar para sermos diferentes e não
confundirmos o natural com o artificial.
Nesta mesma linha, a filosofia
clínica nos convida a ser terapeuta: em uma postura fora e até contrária ao que
temos em nossa vida natural. O ser terapeuta em filosofia clínica nos convida a
fluir, a deixar acontecer, a abrir mão dos controles epistemológicos e fáticos
do processo terapêutico e a seguir sempre a partilhante. É ela que dá o
trajeto, o caminho, o fluxo, o tempo, as buscas, as paradas e todas as
referências das quais, como terapeutas, teremos que seguir. Como diziam os
estoicos, “seguir o fluxo da natureza”, sendo esta “natureza”, para nós
terapeutas da filosofia clínica, a nossa partilhante.
*Fernando Fontoura
Filósofo. Mestre e Doutor em
Filosofia. Escritor. Filósofo Clínico. Palestrante. Em 2019, por indicação do
conselho e direção da Casa da Filosofia Clínica, recebeu o título de Doutor
Honoris Causa.
Málaga/Espanha.
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