Em algum momento da minha vida as coisas não caminhavam bem. Os assuntos imediatos eram, principalmente, os conflitos éticos que rolavam no meu trabalho, relacionados aos colegas e clientes, as dificuldades de aceitar o mundo como ele é, e entender para onde eu iria me direcionar dalí pra diante. Pois bem, fui pra terapia. Meu plano de saúde dispõe de psicólogo. E assim, fui buscar ajuda.
Era uma boa psicóloga e tínhamos
uma interseção que habilitava o trabalho, embora desde o início houvesse alguns
conflitos na nossa troca, pois era perceptível um ponto de vista divergente
sobre questões que pra mim eram fundamentais. Trabalhando minha flexibilidade
em relação a isso, pude percorrer um bom caminho por algumas sessões.
Mas confesso que desde o início
as consultas eram, em sua maioria, difíceis. Não havia um zelo com assuntos
desconfortáveis, e o tratamento era aplicado de maneira repentina, gerando
dificuldade de absorver as questões que acompanhavam as sessões e o tratamento
dado a elas.
Transitamos relativamente bem nas
minhas buscas daquele momento. Lembro quando decidi construir minha casa, onde
tinha dificuldade em assumir aquele compromisso, pois envolvia a relação com
minha namorada, a questão financeira e outras coisas. Alí tive um apoio
incondicional de que este desejo era possível, e assim foi, logo mais tarde
colocado em prática.
Mas com o passar das sessões
começou a ficar mais claro a limitação do método no tratamento das demandas
surgidas. Quanto a querer aprofundar o mesmo assunto da minha dificuldade de
aceitar o mundo e suas mazelas, do egoísmo cada vez mais impregnado na sociedade.
E isso se estendia ao meu trabalho: metas, clientes sendo tratados como números
e não como pessoas, colegas a deriva de um discurso de plano de carreira -
“vende bastante que tu sobe de cargo” -. Isso me machucava.
Nestes assuntos a clínica travou.
Meu remédio existencial, segundo a psicóloga, era pensar mais em mim. O
tratamento era que eu não deveria me importar tanto com os outros e com o que
acontece “lá fora”. Para ela, dentro do seu método, minha felicidade dependia
do distanciamento destes conflitos.
Ora bolas! Sou rebelde por
natureza, militante de causa, filho de assentados da reforma agrária. Me
recordo de ir pra linha de frente lutar desde criança. Agora eu tenho que
pensar em mim somente? A partir desse momento todos meus valores e minha visão
de mundo não faziam mais sentido?
Como consequência a tristeza foi
tomando conta. Meu mundo estava esquisito. A terapeuta construiu outro e queria
que eu me mudasse para lá.
Próximo passo. 'Se a tristeza
tomou conta, tem depressão'. Mas depressão o psicólogo não trata. E como é de
se imaginar, após relutar com a ideia, lá estava eu de frente para a
psiquiatra. Após 40 minutos e 500 reais a menos saí de lá com uma amostra grátis
de um tal Luvox (antidepressivo), um diagnóstico de depressão hereditária e um
calhamaço de receitas.
Pois bem... Foram tempos
difíceis... O antidepressivo anestesiou minhas emoções. Só não conseguiu fazer
a cabeça parar de borbulhar em ideias complexas. Ou seja, nada do que tratei
com terapia e com fármacos resolveu minhas questões existenciais. Serviram
somente para embaralhar minha estrutura de pensamento e colocar os conflitos
ainda mais em evidência.
Salvo pelo gongo! Minha irmã
havia me apresentado a Filosofia Clínica há algum tempo e através dela, eu
conseguia trazer à luz o sentimento de que talvez boa parte do que foi
trabalhado na terapia não fazia sentido para mim, pro meu mundo. Isto foi fundamental,
pois cumpriu uma função de me manter crítico do que recebi como diagnóstico e
tratamento.
E após um período afastado da
psicóloga voltei a trabalhar novamente. Agora com um filósofo clínico.
E logo de cara fui surpreendido
por uma leveza terapêutica que antes não existia. O acolhimento objetivou uma
arrancada de descobertas e libertação, agora sem nenhum diagnóstico. Uma
construção onde, guiado pelo filósofo clínico, me tornei protagonista. Aprendi
comigo a lidar com as questões que me incomodavam. Desenvolvi habilidades,
mudei meu padrão autogênico e passei a valorizar minha singularidade, antes
deixada de lado em prol de algo que posso chamar de visão universalizada de
felicidade. Parei de fumar, curei minha "depressão hereditária",
organizei minha vida profissional. Aprendi a lidar melhor com as frustrações e
amadureci nas minhas relações, principalmente familiares.
No fim das contas, descobri que
posso ser quem eu quiser, e que posso mudar a cada instante. O que me move é
algo como Raul escreveu e cantou na clássica Metamorfose Ambulante, pois “eu
prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada
sobre tudo”. É uma contagiante condição humana de se viver que só foi possível
com a Filosofia Clínica. Sempre com a ciência de que a caminhada é contínua e
os obstáculos vão continuar existindo.
Tenho a certeza de que nunca fui
tão eu quanto sou hoje.
*Daniel Gaiardo
Aluno da especialização na Casa
da Filosofia Clínica
Passo Fundo/RS
**Artigo originalmente publicado na edição primavera/2025 da Revista da Casa da Filosofia Clínica.
Comentários
Postar um comentário