Há momentos em que o silêncio se torna verbo. Em que o corpo, sem pedir licença, fala por meio das lágrimas. Elas escorrem como cartas escritas pela alma, revelando o que não pode ser dito com palavras. São confissões líquidas, desabafos silenciosos, súplicas que se derramam no rosto como se buscassem abrigo em quem as vê.
As lágrimas têm uma gramática
própria. Não seguem regras sintáticas, não precisam de pontuação. Elas se
expressam em pausas, em soluços entrecortados, em respirações ofegantes que
interrompem a fala. Às vezes, dizem mais no intervalo entre um soluço e outro
do que qualquer discurso bem articulado. Há um tipo de verdade que só se revela
quando o corpo já não consegue sustentar o peso do que sente.
Chorar é, muitas vezes, um ato de
coragem. É permitir que o mundo veja o que há por dentro, mesmo que por
instantes. É abrir uma fresta na armadura que se veste todos os dias para
enfrentar a vida. As lágrimas não pedem permissão para cair. Elas simplesmente
vêm, como se fossem convocadas por uma dor que não cabe mais no peito, por uma
saudade que transborda, por uma alegria que não encontra outro modo de se
manifestar.
Há quem tente esconder o choro,
como se fosse sinal de fraqueza. Mas há uma força imensa em quem se permite
sentir. As lágrimas não são apenas expressão de dor, são também testemunhas de
amor, de empatia, de compaixão. Já se chorou por um filme, por uma música, por
uma lembrança. Já se chorou ao ver alguém chorar. Porque as lágrimas têm esse
poder de atravessar fronteiras, de tocar o outro, de comunicar o que é
universal.
O silêncio que vem depois do
choro é outro tipo de linguagem. É um espaço sagrado, onde o corpo repousa
depois de ter falado tudo o que precisava. É como se, após o turbilhão,
houvesse uma trégua. Um momento em que o mundo parece suspenso, em que o tempo
desacelera. Nesse silêncio, há escuta. Há acolhimento. Há compreensão sem
necessidade de explicação.
Os olhos que choram também falam.
Há olhares que imploram, que agradecem, que se despedem. Há lágrimas que
escorrem devagar, como se hesitassem em partir. Outras caem com força, como se
quisessem romper barreiras. Cada lágrima carrega uma história, uma memória, uma
emoção. E mesmo que não saibamos exatamente o que ela diz, sentimos o que ela
comunica.
A linguagem das lágrimas é
ancestral. Antes mesmo de aprendermos a falar, já sabíamos chorar. É uma forma
primitiva de dizer: “estou aqui”, “preciso de você”, “algo me dói”. E, ao longo
da vida, essa linguagem se refina, se transforma, mas nunca perde sua potência.
Em momentos de perda, de reencontro, de superação, as lágrimas continuam sendo
nossas aliadas.
Existe também as lágrimas que não
caem. Que ficam represadas, esperando um momento seguro para se libertarem.
Essas são as mais pesadas. Carregam o peso do não-dito, do reprimido, do que
foi engolido por medo ou vergonha. Quando finalmente encontram espaço para
existir, vêm acompanhadas de alívio. Como se, ao escorrerem, levassem consigo
parte da dor.
A linguagem das lágrimas não
precisa ser traduzida. Ela é compreendida por quem está disposto a escutar com
o coração. É uma linguagem que atravessa idiomas, culturas, crenças. É humana.
Profundamente humana. E, por isso mesmo, tão poderosa.
Em um mundo que valoriza tanto a
racionalidade, permitir-se chorar é um gesto de resistência. É afirmar que
sentir importa. Que há coisas que não podem ser resolvidas com lógica, mas que
precisam ser vividas, atravessadas, choradas. As lágrimas não resolvem tudo,
mas muitas vezes são o primeiro passo para a cura.
Por isso, quando alguém chorar
diante de você, não tente interromper. Não diga “não chore”. Em vez disso,
esteja presente. Ofereça silêncio, escuta, acolhimento. Porque naquele momento,
a pessoa está falando. E merece ser ouvida.
As lágrimas são palavras
líquidas. São poesia que escorre. São a alma dizendo: “aqui estou, inteira,
vulnerável, verdadeira”. E isso, por si só, já é um milagre.
*Valter da Silveira Machado
Filósofo. Filósofo Clínico. Tecnólogo Ambiental. Pós-graduado em Gestão Ambiental.
Juiz de Fora/MG

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