Percebe-se que em tempos atuais são de vozes
apressadas e ouvidos distraídos. A comunicação, que deveria ser ponte, muitas
vezes se torna ruído. E nesse cenário, escutar, verdadeiramente escutar, é um
gesto raro.
Mais do que captar sons, ouvir é acolher. É abrir
espaço para que o outro se revele, sem pressa, sem moldes, sem interrupções e
que isso aconteça em sua própria lógica, com seus ritmos, pausas e silêncios.
Porque há uma diferença profunda entre ouvir e escutar: a primeira é função dos
sentidos; a segunda, é função da alma.
Ser um bom ouvinte é estar presente. É suspender o
próprio mundo por instantes para que o mundo do outro possa emergir. É não
querer ocupar o lugar do outro, mas caminhar ao lado, com respeito e
curiosidade. E isso transforma a comunicação em cuidado, transforma o diálogo
em encontro.
Ruídos na comunicação não são apenas sons
indesejados. São interrupções, julgamentos, distrações, interpretações
precipitadas. São tudo aquilo que impede o outro de se sentir compreendido. E
quando isso acontece, os vínculos se fragilizam, os afetos se perdem, os
desencontros se multiplicam.
Quantas vezes falamos algo importante e sentimos
que não fomos realmente ouvidos? Essa ausência fere. Faz com que nos sintamos
invisíveis, desvalorizados. E isso pode corroer até os relacionamentos mais
sólidos.
Por outro lado, quando somos ouvidos com atenção,
algo muda. Sentimo-nos validados, respeitados, acolhidos. É como se o outro
dissesse, sem palavras: “Você importa.” E isso tem um efeito terapêutico
profundo. A escuta verdadeira organiza pensamentos, alivia tensões, promove
relaxamento emocional.
Ser um bom ouvinte é cultivar o silêncio fértil. É
saber que nem tudo precisa de resposta. Que, às vezes, o melhor que podemos
oferecer é presença. É entender que ouvir é também uma forma de amar, quem
sabe, a mais profunda de todas.
Escutar é como abrir uma clareira no meio da
floresta densa das palavras. É permitir que o outro caminhe por ali sem medo,
sem pressa, sem a obrigação de ser compreendido de imediato. É confiar que,
mesmo sem entender tudo, há valor em acompanhar o percurso.
Há uma poesia na escuta que não se encontra na
fala. Porque o silêncio que escuta não é vazio, é espaço. Espaço para o outro
respirar, existir e se descobrir. E nesse espaço, algo sutil acontece: o
vínculo se fortalece, a confiança se constrói, o afeto se manifesta.
Escutar é também um exercício de humildade. É
reconhecer que o outro tem algo a dizer que não cabe em nossas categorias
prontas. É aceitar que há mundos que não conhecemos, dores que não sentimos,
alegrias que não compreendemos, e que tudo isso merece ser acolhido com brandura.
Talvez seja isso que falte em muitos diálogos:
menos fala, mais escuta. Menos pressa, mais presença. Menos certezas, mais
abertura. Porque escutar é permitir que o outro aconteça, e isso, por si só, já
é um gesto de humanidade.
Em um mundo que valoriza respostas rápidas e
opiniões firmes, escutar é um ato de resistência. É escolher, desacelerar. É
optar por sentir antes de reagir. É permitir que o outro seja, sem tentar
moldá-lo, sem tentar explicá-lo, sem tentar consertá-lo.
A escuta é como segurar uma taça de cristal: exige
cuidado, atenção, leveza. Um movimento brusco pode quebrar o encanto. Uma
interrupção pode silenciar o essencial. Uma distração pode apagar o brilho do
que estava prestes a ser revelado.
Por isso, escutar é também uma arte. E como toda
arte, exige prática, sensibilidade e entrega. Não se trata de uma habilidade
técnica, mas de uma postura diante da vida. Uma postura que reconhece que cada
pessoa tem uma história, uma lógica, uma singularidade que merece ser recebida
com respeito.
Assim, escutar é permitir que o outro aconteça. E
quando isso ocorre, algo em nós também se transforma. Porque ao abrir espaço
para o outro, descobrimos novos caminhos dentro de nós e o diálogo deixa de ser
troca e se torna encontro, um encontro que cura, que fortalece, que humaniza.
*Valter da Silveira Machado
Filósofo Clínico
Juiz de Fora/MG

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