Em dezembro de 2024, Miguel Angelo Caruzo lança seu segundo livro, “Lições de Filosofia Clínica", publicado pela editora Sulina/RS, com prefácio de Dionéia Gaiardo e orelha de apresentação escrito por Paulo Alves Filho. Todos filósofos clínicos que pesquisam, escrevem, atendem e fazem parte do Conselho Editorial da Revista da Casa da Filosofia Clínica.
Com 142 páginas, as 50 lições de
Filosofia Clínica versam sobre temas variados, pautados pelo olhar clínico e crítico
do autor e por seu compromisso em pensar e difundir a Filosofia Clínica
original, ou seja, protegendo o fundamento da singularidade e as etapas da
metodologia, sem, no entanto, cristalizar ideias ou a prática de consultório. É
o que chamo de fidelidade e crítica em “Lições de Filosofia Clínica”. Após as
lições, o autor insere um breve glossário e um quadro do conteúdo base da
Filosofia Clínica, a fim de facilitar a familiaridade do leitor com a
estrutura, linguagem e significados do novo paradigma.
Além de oferecer um conteúdo de
estudos e atualização sobre o método, o livro estimula o leitor a percorrer um
espaço reflexivo, pois nossas referências pessoais vão preenchendo vírgulas e
espaços deixados pelo autor quando emite suas conclusões ou reflexões sobre
determinados temas como a matemática simbólica ou quando faz alertas sobre induções
que diagnósticos podem causar e sobre a ideia de alteridade que vem sendo
trabalhada por alguns colegas ao invés da recíproca de inversão. Alertas
importantes, pois alguns equívocos podem nos fazer percorrer um caminho contrário,
limitando a compreensão do singular em clínica.
Assim, o livro nos faz pensar
para além daquilo que o autor diz. Uma movimentação e um exercício filosófico
importantes para nosso papel existencial. Engessamento de conceitos ou
generalizações feitas “à priori” podem colocar nosso trabalho em risco e
resultar em classificações ou normatividades onde nosso olhar deveria voltar-se
ao fenômeno da singularidade.
Se em seu primeiro livro “Introdução
à Filosofia Clínica” (lançado em 2021 pela editora Vozes/RJ) Miguel nos ensinou
sobre o método e seus fundamentos, de modo didático e pedagógico, neste
segundo, o autor avança para ensinar o leitor a exercitar-se dentro do método,
pensando, cogitando e vislumbrando perspectivas que se tornam nossas, a partir
das suas. Um estímulo filosófico.
Concordar ou discordar fazem
parte do roteiro de leitura, porém, nesse caso, tão importante quanto isso ou
mais, talvez seja ouvir o que nos diz aquele que está exercendo a Filosofia Clínica
em seus diversos modos: escrevendo, atendendo, atuando como professor e
supervisor de estágio, pesquisando sobre a área. Para isso, cultivar uma mente
aprendiz pode colaborar como chave de leitura, especialmente em nosso
paradigma, que atua na contracultura das terapias tradicionais tipológicas.
Aliás, já no início do livro,
Miguel fala sobre o novo paradigma, explicando que o olhar de Lúcio Packter
estava mais interessado em como os filósofos pensavam, como funcionavam suas
estruturas de pensamento, do que em suas ideias e conteúdos propriamente ditos,
assim sabemos que em Filosofia Clínica iremos percorrer os caminhos do
pensamento de cada singularidade que nos visita, revelando uma representação de
mundo irrepetível.
Os temas apresentados debatem
sobre normalidade, diagnósticos, espanto filosófico, autonomia, incertezas e
planejamento clínico, desafios da epoché, rigor clínico, historicidades,
visão de mundo, idioma do partilhante, matemática simbólica, importância da
filosofia, loucura, formação do terapeuta, constante evolução do método,
preservação das bases originais, entre outros.
Em “Compreensão e interpretação”,
por exemplo, Miguel fala do tipo de leitura que fazemos na filosofia, buscando
uma interpretação dos textos lidos e como em Filosofia Clínica a atenção está
focada na compreensão dos textos vivos, pessoas e suas histórias de vida. Na lição
“Especialista em inéditos”, o autor explica por que apresentar-se como filósofo
clínico especialista no atendimento a um determinado segmento de pessoas, pode
tornar-se contraditório ao método.
Caruzo traz pensadores como
Foucault, Platão, Sócrates, Protágoras, Ockham, Marx e Engels, Schopenhauer,
Nietzsche e os brasileiros Mário Ferreira dos Santos e Machado de Assis, todos
entrelaçados nas reflexões de alguns textos, ajudando a afirmar, apresentar ou
questionar determinadas ideias.
É interessante a leitura integral
da obra, mas para os curiosos, Miguel tece críticas mais diretas aos atuais
rumos dos estudos do criador do método, Lúcio Packter, nas lições 28, 36, 37 e
41. Assim como, destaca nas lições 31 e 50, a relevância dos estudos e publicações
do filósofo clínico Hélio Strassburger que, a partir de seus atendimentos em
hospitais psiquiátricos, buscou a compreensão dos fenômenos existenciais das lógicas
dos excessos e lógicas do improvável, contribuindo com a expansão do método ao
acolher essas expressividades internadas e marginalizadas.
É um livro que ensina, mostra a
necessidade de lermos mais o que nos dizem os filósofos clínicos, de pensarmos
sobre o método a partir da prática clínica, e de nos aperfeiçoarmos com autores
da filosofia e da literatura, afinal, o papel existencial cuidador requer
constante aprendizado.
*Dionéia Gaiardo
Filósofa Clínica. Escritora. Mãe
do Gael.
Tapejara/RS
**Texto originalmente publicado
na edição outono/2025 da revista da Casa da Filosofia Clínica.

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