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Do que nada se sabe*

A lua ignora que é tranquila e clara E não pode sequer saber que é lua; A areia, que é a areia. Não há uma Coisa que saiba que sua forma é rara. As peças de marfim são tão alheias Ao abstrato xadrez como essa mão Que as rege. Talvez o destino humano, Breve alegria e longas odisseias, Seja instrumento de Outro. Ignoramos; Dar-lhe o nome de Deus não nos conforta. Em vão também o medo, a angústia, a absorta E truncada oração que iniciamos. Que arco terá então lançado a seta Que eu sou? Que cume pode ser a meta? *Jorge Luis Borges

Literatura anônima*

Escrita, pichada, falada. Nos muros, nos lares, nos bares, nos mundos. De direita, de esquerda, pelega, reacionária. De amor, de dor, de horror, de flor. Inventada, copiada, esculpida e aclamada. De ninguém, de todo mundo. Pra ninguém, pra alguém. Direta ou indireta, clara ou obscura. Que fala de algo, que não fala de nada. Que escuta, que sussurra, que apanha, que esmurra. Com uma palavra só, com palavras sem dó. Musicada ou palavreada. Com licença fonética. Nos ônibus, trens, metrôs, barcas, aviões. Nas paradas, nas estações, nos embarques e desembarques. Sem graça, engraçada, politizada, despreocupada. Sobre sexo, maconha, rock ’n’ roll. Em uma imagem fotografada, pensada, sonhada, pintada. Literatura não é só palavra. Literatura não é só conto, poema, verso ou prosa. Ela está em lugar-nenhum e está em todos os lugares. Assinada ou não ela sempre será literata. *Vinicius Fontes Filósofo Clínico Rio de Janeiro/RJ

As memórias do eterno*

Porque escrevo ? Escrevo por dentro por não ser alma por fora Não compreendo, sinto apenas. Pensamentos são veios: poetas, filósofos. Troco o amargo pelo agrado. Mentiras por falsas verdades... É preciso escrever mesmo em maltratadas palavras! Sentir, olhar, andar... Trincar o cambalear de incertezas. Por isso escrevo! Para que as memorias do eterno estendam sobre o cotidiano a luz do frescor e os ruídos da lógica. *Djandre Rolim Poeta Cigano Campo Grande/MS

A ousadia de ser si próprio*

Para sermos autênticos pagamos um preço. A sociedade não “perdoa” aquele que a renega. Somos incitados à falta. Nossas necessidades são forjadas pela lei do similium. Temos que obter tudo aquilo que o outro possui, não importando a que preço. Necessitamos adquirir. Somos estimulados a não pensar e a não decidir. Para isso existe uma infinidade de profissionais como a nutricionista, que nos diz o que devemos ingerir (nosso gosto, onde fica?); o terapeuta, que nos “esclarece” sobre determinada emoção ou comportamento; o estilista, que sentencia a cor da moda, ao infinitum. Desde pequenos somos direcionados a não confiar em nós mesmos, a não compactuar com nossa verdade interna, a negar nossas vontades e desejos. Em 1784, Emanuel Kant discorreu sobre esse tema, em uma revista berlinense. Seu célebre artigo O que é o Iluminismo, (nesses tempos de padronização de comportamentos e atitudes) nos conduz à reflexão. Sapere aude! Atreve-te a saber! Essa é sua máxima. Kant no

Canção do dia de sempre*

Tão bom viver dia a dia... A vida assim, jamais cansa... Viver tão só de momentos Como estas nuvens no céu... E só ganhar, toda a vida, Inexperiência... esperança... E a rosa louca dos ventos Presa à copa do chapéu. Nunca dês um nome a um rio: Sempre é outro rio a passar. Nada jamais continua, Tudo vai recomeçar! E sem nenhuma lembrança Das outras vezes perdidas, Atiro a rosa do sonho Nas tuas mãos distraídas... *Mário Quintana

Quem me diz*

"Da estrada que não cabe onde termina Da luz que cega quando te ilumina Da pergunta que emudece o coração Quantas são As dores e alegrias de uma vida Jogadas na explosão de tantas vidas Vezes tudo que não cabe no querer Vai saber Se olhando bem no rosto do impossível O véu, o vento o alvo invisível Se desvenda o que nos une ainda assim A gente é feito pra acabar A gente é feito pra dizer Que sim A gente é feito pra caber No mar E isso nunca vai ter fim" Karina Siess Estudante de Filosofia da UFRJ Estudante de Filosofia Clínica na Casa da Filosofia Clínica em  Petrópolis/RJ

Corte Transversal do Poema*

A música do espaço pára, a noite se divide em dois [pedaços. Uma menina grande, morena, que andava na minha [cabeça, fica com um braço de fora. Alguém anda a construir uma escada pros meus [sonhos. Um anjo cinzento bate as asas em torno da lâmpada. Meu pensamento desloca uma perna, o ouvido esquerdo do céu não ouve a queixa dos [namorados. Eu sou o olho dum marinheiro morto na Índia, um olho andando, com duas pernas. O sexo da vizinha espera a noite se dilatar, a força [do homem. A outra metade da noite foge do mundo, empinando [os seios. Só tenho o outro lado da energia, me dissolvem no tempo que virá, não me lembro mais [quem sou. *Murilo Mendes