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Uma tal senhora Beauvoir*

“É porque não aceito as fugas e as mentiras que me acusam de pessimista...” Simone de Beauvoir O que permanece escrito e não compreendido não é mais um hieróglifo, não participa mais do histórico lastro da lingüística que identificava os significados através da escrita. Hoje, podemos dizer que o não pressuposto ato de ver e não identificar é mais um sintoma viral do século XXI.  O que chamo de burrice proposital, ou então, do silêncio hipócrita das direitas e dos empedernidos esquerdistas, que acompanha o som dos imbecis. É uma mistura nonsense que anda solta nas páginas dos obsoletos jornais, das redes sociais, que percorre os planaltos, praias, palcos até moldar o conformismo da opinião pública. Ontem lendo um velho livro, velho, porque foi escrito por uma senhora que marcou demais a cultura ocidental com suas ideias inovadoras, libertadora e provocante em certo momento histórico. Para que agora seja relida, consigo perceber, a muitos é parte do esquecimento, sim,

O prazer da escrita*

Por que a palavra corça surge em meio a esse bosque escrito? Para bebericar água da primavera descrita cuja superfície copiará seu focinho mole? Por que ela levanta a cabeça; será que ouve alguma coisa? Debruçada sobre quatro pernas finas emprestadas da verdade, ela pica até as orelhas sob os meus dedos. Silêncio - esta palavra também se agita por toda a página e parte os ramos que surgiram a partir da palavra "bosque". De emboscada, definidas para atacar a página em branco, estão palavras não muito boas, garras de cláusulas tão subordinadas que nunca irão deixá-la ir embora. Cada gota de tinta contém um suprimento justo de caçadores, equipados com olhos apertados por trás de suas vistas, preparados para mergulhar a inclinada caneta a qualquer momento, cercar a corça e lentamente apontar as suas armas. Eles se esquecem de que o que está aqui não é vida. Outras leis, preto no branco, valem. O piscar de olhos vai demorar tanto quanto eu disser, e, se eu quiser,

A palavra horizonte*

Talvez sua maior virtude seja retratar o universo de eventos possíveis em cada um. O exercício de seus dons deriva das origens estruturais, da aplicabilidade, do teor discursivo a fundamentar novas vivências. Seu sentido pode ser cura, loucura, alento ou desilusão. Ao exibir uma estranha aptidão de transformar a pessoa naquilo que menciona, muitas vezes, ultrapassa o dado literal para traduzir-se. Ao dizer exilado de alguma coerência interna pode se desdobrar com a eficácia do agendamento bem colocado. As arquiteturas contraditórias reafirmam os deslizes de toda certeza. Parecem realizar escolhas ao ressoar dos movimentos da interioridade. Mesmo a competência narrativa não é capaz de aprisionar por inteiro esses desdobramentos da subjetividade no esboço da linguagem. A expressividade de cada pessoa, ao dizer para si mesma, menciona esse outro a se utilizar dela. Ao revezar a concepção de mundo entre o que é e como reaparece em cada olhar, faz acontecer um não-dito n

Fragmentos filosóficos, delirantes*

"(...) o cotidiano é o verdadeiro princípio de realidade, melhor ainda, da surrealidade." "A verdadeira vida está por toda parte, exceto nas instituições." "Para retomar a oposição modernidade/pós-modernidade, podemos dizer que, na primeira, a história se desenrola, enquanto que na segunda o acontecimento advém. Ele se intromete. Ele força e violenta. Daí o aspecto brutal, inesperado, sempre surpreendente que não deixa de ter." "Acrescentarei que o redobramento é a marca simbólica do plural. Por isso, cada um torna-se um outro. Comunga com o outro e com a alteridade em geral." "(...) nenhum problema é definitivamente resolvido, mas que encontramos, pontual e empiricamente, respostas aproximadas, pequenas verdades provisórias, postas em prática no cotidiano (...)" "(...) o excesso sobrevém como uma vibração que legitima e dá sentido à monotonia cotidiana. A transgressão e a anomia necessitam de limites, ainda

Matemática do Ser*

No compasso do tempo o círculo da vida se divide em partes que somam dores e multiplicam esperanças subtraem barreiras e constroem pontes nos centímetros de pequenas alegrias quilômetros são percorridos e no segundo que antecede a chegada da vitória a eternidade é memória do passado sempre presente no futuro das equações repleto de possibilidades incertas na soma final do hoje que se perde nos encontros dos segundos cronometrados no relógio da vida e no tempo de cada tempo que é o tempo que nos resta para a felicidade que se faz igual do resultado final da matemática existencial dos nossos contextos a raiz quadrada de nossas possibilidades Pe. Flávio Sobreiro Filósofo. Teólogo. Poeta. Estudante de Filosofia Clínica Cambuí/MG

O Auto-Retrato*

No retrato que me faço - traço a traço - às vezes me pinto nuvem, às vezes me pinto árvore... às vezes me pinto coisas de que nem há mais lembrança... ou coisas que não existem mas que um dia existirão... e, desta lida, em que busco - pouco a pouco - minha eterna semelhança, no final, que restará? Um desenho de criança... Corrigido por um louco! *Mário Quintana

Renascimentos*

Porque temos.... Rebeldia Natureza Sonhos Brincadeiras Transgressões... Porque temos... Coragem Determinação Porque somos queimadas Pela liberdade Criatividade e Donas de nossos narizes Celebremos A irreverência As palavras bem ditas A força viva Renascemos apesar de... *Rosângela Rossi Psicoterapeuta. Filósofa Clínica. Escritora. Juiz de Fora/MG

Vita Nuova*

Se ao mesmo gozo antigo me convidas, Com esses mesmos olhos abrasados, Mata a recordação das horas idas, Das horas que vivemos apartados! Não me fales das lágrimas perdidas, Não me fales dos beijos dissipados! Há numa vida humana cem mil vidas, Cabem num coração cem mil pecados! Amo-te! A febre, que supunhas morta, Revive. Esquece o meu passado, louca! Que importa a vida que passou? Que importa, Se inda te amo, depois de amores tantos, E inda tenho, nos olhos e na boca, Novas fontes de beijos e de prantos?! *Olavo Bilac

E foi o segundo dia....*

Às vezes o pensamento se nega a pensar. O pensamento anda devagar algumas vezes. Flutua. Se arrasta. É que na Feira do Livro tudo deve estar guardado na memória. Livreiros verdadeiros se conhecem, mesmo, na Feira do Livro. Você precisa ter uma livraria inteira na memória. Isto não me preocupa. Sei que não faz mal. Pelo contrário, faz bem. Sei, sem consulta médica, que não sofrerei de Alzheimer... Mas. às vezes, o cansaço físico e mental se juntam. E você se sente lento como uma lesma. A coisa anda a passos de tartaruga. Ou se nega a andar... Atendo uma senhora simpática. Na hora de alcançar-lhe o livro e o troco um senhor se apresenta para receber a sacola e o troco. E sai caminhando.  E a senhora continua parada a uns três metros de distância. S into-me acometido de algum erro e quase entro em desespero. Não sei se vou atrás do senhor. Ou se vou abraçar a senhora.  Olho para a senhora, ela percebe meu inocente desespero, sorri e fala: "Fique tranqui

Estão Todas as Verdades à Espera em Todas as Coisas*

Estão todas as verdades à espera em todas as coisas: não apressam o próprio nascimento nem a ele se opõem, não carecem do fórceps do obstetra, e para mim a menos significante é grande como todas. (Que pode haver de maior ou menor que um toque?) Sermões e lógicas jamais convencem o peso da noite cala bem mais fundo em minha alma. (...) *Walt Whitman
O que torna uma pessoa feliz jamais dependerá da quantidade e da qualidade das coisas que ela possui ou acumula; felicidade de fato não depende de ter o melhor de tudo. Fundamentalmente, ser feliz depende de poder ser o melhor que pudermos agora. E quanto mais despertarmos a capacidade de ser, mais plenos de paz e amor seremos. Em outras palavras, a grande sacada mesmo consiste em aprender cada vez mais a fazer o melhor que pudermos com tudo aquilo que temos nas mãos. Ou seja, felicidade é diretamente proporcional à sabedoria e nem mesmo desenhando didaticamente conseguiremos conscientizar pessoas ainda indispostas a transcender. Mas é preciso seguir com ternura tentando até conseguirmos fazer a nossa luz crescer ao ponto de iluminar também escuridões alheias. Até mesmo os solos mais férteis precisam de gestos de cuidado para fecundar qualquer semente. Afinal, felicidade e paz dependem demais de escolha própria, amor e autoconhecimento. Musa! *Prof. Dr. Pablo Mendes

Valéry angustiado*

Leio em "Monsieur Teste", livro do genial Paul Valéry relançado, em edição ampliada, no ano de 1946, um ano após a morte do escritor: "Enfastiado de ter razão, de fazer o que tem sucesso, da eficiência dos procedimentos, tentar outra coisa". Na metade do século passado, Valéry ataca, assim, alguns dos valores mais divinizados em nosso século 21: o império da razão, a necessidade do sucesso a qualquer preço, o endeusamento da eficiência e do desempenho. A idolatria da vitória. Não vacila: diz. Não se poupa: expõe-se. Foi também um crítico de grande coragem intelectual. Em "Monsieur Teste", um dos livros mais importantes de Valéry (1871-1945), o filósofo se dedica a pensar o pensamento. Seu objeto não é o mundo, não está interessado em refletir a respeito das coisas a seu redor. Interessa-se, apenas, por sua própria maneira de pensar. Na edição ampliada que tenho nas mãos, estão incluídos fragmentos e anotações que Valéry pretendia acrescentar a seu