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Singularidade *

"Preferir os 'miniconceitos' ou as noções às certezas estabelecidas, mesmo que isso possa chocar, parece-me o penhor de uma atitude mental que pretende permanecer o mais perto possível dos solavancos que são próprios dos caminhos de toda vida social."                                                 Michel Maffesoli Na contramão das terapias existenciais que lidam com conceitos maximizantes e, por isso, totalizadores e, que por isso, escondem a singularidade, Maffesoli propõe para uma leitura social aquilo que a Filosofia Clínica propõe para o indivíduo, para o singular. Tentar aplainar os solavancos da vida é partir de um a priori de como deve ser a vida, de um universal, de uma norma. As demarcações nas ciências da natureza, as divisões de seres e outras fronteiras, estão, muitas vezes, claras. No que concerne ao fenômeno humano e às suas complexidades, isso não acontece. Querer usar da mesma métrica de uma ciência natural para os fenômenos das rela

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) o ser de tudo aquilo que é mora na palavra. Nesse sentido, é válido afirmar: a linguagem é a casa do ser" "(...) é indispensável perdermos o hábito de só ouvir o que já compreendemos" "Não conseguiremos escutar nada sobre a saga do dizer poético enquanto formos ao seu encontro guiados pela busca surda de um sentido unívoco" "O delirante pensa e pensa mais do que qualquer um. Mas nisso ele fica sem o sentido dos outros. Ele é um outro sentido" "O desprendido é delirante porque está a caminho de outro lugar" "O estranho está em travessia. Sua errância não é porém de qualquer jeito, sem determinação, para lá e para cá. O estranho caminha em busca do lugar em que pode permanecer em travessia. O estranho segue, sem quase dar-se conta, um apelo, o apelo de se encaminhar e pôr-se a caminho do que lhe é próprio" "Lembra Humboldt: 'Apreendida em sua verdadeira essência, a linguagem é algo co

A palavra vertigem*

"O idioma está sempre em movimento, mas o homem, por ocupar o centro do redemoinho, poucas vezes percebe essa mudança incessante."                                                                           Octávio Paz Um ser irreconhecível se desdobra na expressividade fugaz. Seu aspecto de invasor ameaça o saber encastelado, seu ritmo alucinado de vivências subjetivas re_apresenta um devir quase esquecido. Ao pensar o impensável realiza uma excursão pela partícula de infinito desconsiderada. Sua ótica de incerteza desconstrói o mundo de uma só verdade.    Os sons murmurados nas entrelinhas apresentam o instante entre um e outro. Sua lógica de estorvo e o caráter de percepção excessiva denuncia espaços, alarga escutas, vislumbra imaterialidades. As associações desgovernadas esboçam um contato fugaz com o absurdo. Parece recordar que a vida não é definitiva. Sua estranha dialética é ser registro de uma ausência. Como um acesso de desrazão, seu teor de express

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Poder-se-ia dizer que um texto, depois de separado de seu autor (assim como da intenção do autor) e das circunstâncias concretas de sua criação, flutua no vácuo de um leque potencialmente infinito de interpretações possíveis" "Um texto é um universo aberto em que o intérprete pode descobrir infinitas interconexões" "O pensamento hermético afirma que nossa língua, quanto mais é ambígua e polivalente, e quanto mais usa símbolos e metáforas, tanto mais é particularmente adequada para nomear a Unidade onde ocorre a coincidência dos opostos"  "(...) é possível muitas coisas serem verdadeiras ao mesmo tempo, mesmo que se contradigam" "No mito de Hermes, encontramos a negação do princípio de identidade, de não-contradição, e do terceiro excluído, e as cadeias causais enrolam-se sobre si mesmas em espirais: o 'depois' precede o 'antes', o deus não conhece limites espaciais e pode, em diferentes formas, estar em

Doce Noturno*

“Você também me lembra a alvorada Quando chega iluminando Meus caminhos tão sem vida”              Cartola Vive-se a ironia desprovida de vida, ir lá no fundo, Escavar a alma, atracar com unhas e sede − O copo. O veneno da maldição, combinar morte com dinheiro, Esfregar mãos de felicidade, contar os feitos, Esconder os defeitos da dor, promover a vida, Escrever no face e se glorificar do intento. O poder de contrariar a ignorância do cérebro, A inteligência do berço, do embalar, enlatar e aprontar. Toda compota tem seu apodrecimento, Toda maldade é o que se redime Nem sempre é o perene o que se persegue, A caça é o que pode morrer engasgado. É o fim dos tempos logo ali, Atrás da noite vêm as luzes, O sol tardio é a dor infinita, De tanto ler o ver é insignificante. O que pode estar oculto, É como estar abrindo a cabeça, O dia é nos olhos unidos, O corpo, o prazer é o texto em cor. Depois deste dia, uma flor é como a dor, Desmancha

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) com que largos intervalos aparecem as boas obras, e como são raras as publicações seladas por um talento verdadeiro" "Estabelecei a crítica, mas a crítica fecunda, e não a estéril, que nos aborrece e nos mata, que não reflete nem discute, que abate por capricho ou levanta por vaidade; estabelecei a crítica pensadora, sincera, perseverante, elevada"   "Para realizar tão multiplicadas obrigações, compreendo eu que não basta uma leitura superficial dos autores, nem a simples reprodução das impressões de um momento (...)" "O crítico deve ser independente - independente em tudo e de tudo - independente da vaidade dos autores e da vaidade própria" "(...) 'Flores e frutos' veio mostrar-me que o gênero e as qualidades (...) podiam aparecer nestas regiões com a mesma riqueza de graça, facilidade de rima e virgindade de ideias (...) os versos do Sr. B. Seabra respondem a diversos ecos do coração ou do espírito do po

"Na alma branda dos meus quintais"

Córregos de vida e infância ao redor da casa mãe caramanchões versejam remotos gracejos primeiros beijos e a vaga esperança... Pegadas na terra batida marcas de outras cirandas alegria de sujeira boa de espremer jabuticaba nas canções de vida à toa... Luzes por muro cercadas retidas nas atentas heras verdejantes gargalhadas sob austeros olhos maduros e vãos apuros de descobertas veras! Vidouro sonho cambaleante não de vinho ou ouro mas verde úmido musgo de outrora catando pedrinhas em pequeninos esconderijos manchados de amora... Mosaico entalhado de vidas chegadas ou recém partidas na asas do colibri que só quer uma flor mais na alma branda dos meus quintais... *Juliana Brasil Pesquisadora e roteirista na empresa Cine culte français. Mova-se (Movimento Artístico de Subversão e Estética). Musicista. Filósofa Clínica. Curitiba/PR

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) creio que o hábito precoce da solidão é um bem infinito. Ela ensina, até certo ponto, a dispensar as criaturas. Ela ensina também a amar ainda mais as criaturas (...) sou tocada por ela quando observo as crianças: vivem em um mundo que é delas. E tenho a impressão de que eu vivia em um mundo meu (...)" "(...) Ele gostava que se soubesse exatamente o que se sabia, gostava que se julgasse lentamente um livro: se líamos juntos não sei o quê, uma peça de Ibsen, por exemplo, ele queria que nos colocássemos exatamente no lugar dos personagens, que não envolvêssemos nosos próprios sentimentos" "Esses grandes escritores do século XIX eram frequentemente refratários, subversivos, em oposição a toda a sua época e todo o seu grupo, contra toda a mediocridade humana. Ibsen, Nietzsche e Tolstoi eram desses, e foi com meu pai, não obstante, que li os três" "Eu não imaginava nada, mas tinha a impressão de ser alguém importante porque eu exist

O intervalo e a duração*

Os silêncios só não dizem nada para quem ainda é analfabeto em sentir para ler uma alma através de um olhar profundo, de um sorriso sutil ou de um gesto capaz de contar histórias por conter mais de mil palavras. Nós somos feitos de histórias. Desde o átomo até a célula e os complexos organismos, tudo é feito de histórias. As descobertas e as comprovações são histórias que ora precisamos saber como ouvir, ora como contá-las, ora como vivê-las sentido na própria pele. E toda história é feita de intervalos e durações, pausas e emissões com prazo de validade e delimitações na pulsação porque toda a vida é musical demais. Mas há sempre o que fica e prossegue para muito além de nós mesmos. São os legados que não raro em silêncio tocam muitos outros corações seja para comover seja para doer pelo menos enquanto não se compreende mais uma história da qual tivemos participação. Afinal, em toda história há silêncios que podem dizer muito mais do que qualquer narrativa, sobretu

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Nossa língua reencontra no fundo das coisas a fala que as fez" "(...) Seja mítico ou inteligível, há um lugar em que tudo o que é ou que será prepara-se ao mesmo tempo para ser dito" "Na terra, já se fala há muito tempo, e a maior parte do que se diz passa despercebido" "Mas o livro não me interessaria tanto se me falasse apenas do que conheço. De tudo que eu trazia ele serviu-se para atrair-me para mais além. Graças aos signos sobre os quais o autor e eu concordamos, porque falamos a mesma língua, ele me fez justamente acreditar que estávamos no terreno já comum das significações adquiridas e disponíveis. Ele se instalou no meu mundo. Depois, imperceptivelmente, desviou os signos de seu sentido ordinário, e estes me arrastam como um turbilhão para um outro sentido que vou encontrar" "Entro na moral de Stendhal pelas palavras de todo o mundo, das quais ele se serve, mas essas palavras sofreram em suas mãos uma torção se

Pretéritos imperfeitos*

“A experiência trivial do dia-a-dia sempre nos confirma alguma antiga profecia (...)”                                      Ralph Waldo Emerson Existem eventos que possuem um começo sem fim. Perseguem uma in_de_termin_ação futura na travessia pelas antigas pontes. Neles é possível vislumbrar uma sombra suspeita, como algo mais a perturbar a lógica bem ajustada das convicções. Assim a grafia parece se orientar por um ontem a perdurar.   Atitude rarefeita de olhares a perseguir buscas contaminadas. Esse contágio parece querer singularizar a pluralidade de cada um. Aprecia a menção de fatos acontecidos no prolongamento do instante. Aparecem como atuação simultânea de um em outro, seu paradoxo dilui-se numa dialética de integração.      Uma de suas características é realçar fatos no momento em que ocorriam. Essa incerteza quanto ao amanhã, parece coincidir com o desfecho provisório de seu inacabamento.   Nessa terra de ninguém uma infindável trama de acontecimentos se

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Não existem fenômenos morais, apenas uma interpretação moral dos fenômenos" "O sábio como astrônomo - Enquanto você sentir as estrelas como 'algo acima', falta-lhe ainda o olhar do conhecimento" "É preciso livrar-se do mau gosto de querer estar de acordo com muitos" "(...) as grandes coisas ficam para os grandes, os abismos para os profundos, as branduras e os tremores para os sutis e, em resumo, as coisas raras para os raros" "Todo homem seleto procura instintivamente seu castelo e seu retiro, onde esteja salvo do grande número, da maioria, da multidão (...)" "Um filósofo: é um homem que continuamente vê, vive, ouve, suspeita, espera e sonha coisas extraordinárias; que é colhido por seus próprios pensamentos, como se eles viessem de fora, de cima e de baixo, constituindo a sua espécie de acontecimentos e coriscos; que é talvez ele próprio um temporal, caminhando prenhe de novos raios; um homem fat

Breves reflexões e outros apontamentos*

A vida humana é dor, angústia, sofrimento; caminhamos, a cada dia, para o nosso último suspiro, e somente uma personalidade mimada e imatura exige, como se jamais fosse encontrar o seu fado, uma vida tranqüila e confortável todo o tempo. Mas os breves momentos em que, compartilhando o que há de mais elevado na humanidade, alcançamos a pura felicidade - ao participarmos da vida das pessoas amadas, ao lermos um bom livro, ouvirmos boa música ou contemplarmos o céu estrelado - compensam luminosamente todas as inevitáveis frustrações, impotências e amarguras da vida. É uma pena que tantos, em nosso tempo, substituam o que há de melhor na vida humana pela alegria efêmera dos remédios (servidos em copos gelados ou em comprimidos coloridos) e do consumo de reluzentes inutilidades: o arrependimento por ter desertado quando se era chamado a viver a tragédia da existência é inútil quando o que resta é a descoberta de que se está morrendo sem haver jamais vivido. *Prof. Dr. Gustav

Movimento(s) de Leitor*

“A arte só está próxima do absoluto no passado, e é apenas no Museu que ela ainda tem valor e poder.”                                                        Maurice Blanchot Meu grupo é tão seleto que não existe, vivo no limbo da desatenção, permaneço só. A multidão amordaça, é calada, dizimada que nem cauda da serpente explodindo por balas perdidas. Vejo no espelho o movimento do corpo, a luz difusa, a névoa de um domingo quase sol meio cinza. Corro louco, feito refugiado, do meu próprio país para ver o mar. Não olho para trás nunca mais é forte demais. Fuga dos sonhadores, minha alma dentro do casaco cinza que atravessa o frio sem se entregar. Depois, nado fundo para não mais voltar. Jamais. Sigo em braçadas até o fim do livro. Leitura voraz, audição do silêncio. A mesma cena que passa aos olhos é um filme autoral, a mesma cruz um sonho insistente de causar questionamentos. Ouço o tilintar do pensamento, notas dissonantes, ritmo das pernas, braços em sincronia ao ba

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"E nada há mais belo que o momento que antecede à viagem, o instante em que o horizonte de amanhã vem visitar-nos e contar as suas promessas" "(...) porque os versos de Jaromil pareciam-lhe ininteligíveis e pensou consigo mesma que havia nos seus versos mais do que seria capaz de compreender e que, consequentemente, era mãe de uma criança prodígio" "(...) as palavras comuns são feitas para se apagarem assim que tiverem sido pronunciadas, não têm outro objetivo senão o de servir ao instante da comunicação" "(...) o que há de mais belo nos sonhos, dizia ele, é o encontro improvável de seres e de coisas que não poderiam encontrar-se na vida real" "(...) lembremo-nos desta carta de Rimbaud -  'todos os poetas são irmãos e apenas um irmão pode reconhecer num outro irmão o sinal secreto da família'" "Delirem comigo!, exclama Vitezslav Nezval dirigindo-se ao seu leitor, e Baudelaire: 'É preciso estar é

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