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Primeira Impressão*

O poema novo é dos insurgentes. Surge, subterrâneo e somente eles o escutam. Não parece poema, parece que todos podem escrevê-lo mas não o escrevem nem o escreverão nunca. Não tem cabeça e pé princípio ou fim definidos mas não são sem pé nem cabeça. Tem peito, plexo solar, e dois dedos de prosa quebrados. Só vai ser poesia, depois. Quando muitos terão lido relido e estabelecido. *Armando Freitas Filho in " O Livro das Palavras ". Ed. Leya. SP. 2013. 

A fuga de si mesmo*

“Estou a caminho com a minha visão”                   Walt Whitman Ainda penso em fugir nadando, ir mais longe do mal que nos atinge, a pandemia da ignorância. A última previsão é o mar revolto, água límpida da dor,   A liberdade não me dá asas nem oferece um barco de outono. Tenho que ir sem olhar para trás, adentrar o mar, Águas frias, correntezas fortes a me levar a outra consciência. A visão daqui, ruas silenciosas, casas em suas luzes guardam tudo que se pode imaginar, Então, tenho que sair voando janela afora, até a primeira correnteza. Mergulhar que nem pelicano, afundar a fúria do cotidiano, Atravessar todos os lugares possíveis, sem ver a insanidade. O povo está quieto, só Dylan na essência noturna ouço, Os dias dissimulam, viver no país está sendo um desafio.   A única arma será o vômito escárnio contra os que marcham com seus hinos. Vou cerrar as janelas, usar a máscara invisível e rumar ao porto mais próximo. Abril está fechado. *Prof.

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"(...) Esses grandes escritores do século XIX eram frequentemente refratários, subversivos, em oposição a toda a sua época e todo o seu grupo, contra toda a mediocridade humana. Ibsen, Nietzsche e Tolstoi eram desses, e foi com meu pai, não obstante, que li os três" "Eu sei que penetro no inexplicável, quando afirmo que a realidade (...) o conhecimento mais detalhado possível dos seres é nossos ponto de contato e nossos meio de acesso às coisas que se encontram além da realidade" "Eu havia escolhido Píndaro como assunto sem imaginar que me teriam sido necessários vinte anos de reflexão e de estudo para compreender o que significa a imagem do mundo que um Píndaro podia ter" "(...) em seguida era preciso também ter refletido bastante sobre as condições da própria vida, essas condições que não sabemos se representam uma ordem estabelecida ou um caos. Aos vinte anos, ainda não aprofundamos nossa experiência. É preciso ter quarenta ou mais

Sócrates e a Filosofia Clínica*

A Filosofia Clínica é uma atividade eminentemente prática, terapêutica e filosófica. O fato de não adotar ou elaborar um construto teórico que explique o homem, a natureza, o mundo ou deus não a torna menos filosófica. O filósofo clínico lida com o mesmo homem que os demais filósofos, só que com um fim diferente. E é na finalidade que a filosofia clínica acaba por utilizar um método que explica cada homem particular enquanto muitas outras abordagens filosóficas tratam do universal. Enquanto muitos filósofos excluem as particularidades em busca do que perpassa todos a fim de pensar o homem em si, o filósofo clínico tem a noção do que seja o homem em si quando recebe um em seu consultório, mas seu interesse é pelo conjunto de particularidades que constituem aquele ser humano e o faz distinto dos demais. Mas como toda filosofia posterior ao primeiro filósofo, Tales de Mileto, nasce em diálogo com seus predecessores, um dos inspiradores do método da clínica filosófica é Sócrates.

Anotações e Percepções de um Pensador*

"A própria natureza é o 'médico interior' que palpita em cada criatura desde o seu nascimento e que, por isso, sabe sobre enfermidade mais do que qualquer especialista que tem de limitar-se ao exame dos sintomas externos" "(...) Com a sua absoluta fé na alma universal da natureza, baseia sua convicção no fato de que ela é mais sábia doutora e não necessita do homem senão como seu auxiliar. Da mesma maneira que o sangue, sem ter escutado a lição de nenhum químico, fabrica antitoxinas, assim também o organismo, sustentador e organizador de si próprio, sabe, a maior parte das vezes, dar fim a enfermidade que o aflige, valendo-se dos próprios recursos"  "(...) Visto de fora, o sistema é incompreensível, quase ridículo na sua simplicidade: médico e enfermo sentados amigavelmente frente a frente, limitando-se aparentemente a uma agradável palestra. Nada de raios X, nada de instrumentos registradores, nem de lâmpadas de quartzo, nem sequer um simp

Reflexões de um Pensador*

Num momento de crise, como a situação de pandemia em que vivemos, muitos desejam uma orientação a respeito de como devem agir, mas não sabem em que confiar Nesse contexto, leio aqui e ali pessoas inteligentes nos exortando a "seguir a ciência". Desculpem, amigos, mas eu não sigo o que eu não sei o que é. * * * Foi o Rubem Alves que, no seu livro "Filosofia da Ciência", escreveu que "o cientista virou um mito" e que "todo mito é perigoso". De fato: a idéia de uma ciência objetivamente desinteressada, imune à política e ao mercado, é mitológica. O ethos científico - que, como descrito por Merton, corresponde aos valores do universalismo, da coletividade, do desinteresse e do ceticismo organizado - é uma meta mais ou menos inatingível. É imensa a bibliografia sobre a utilização das estruturas e pesquisas acadêmicas com a finalidade da obtenção de vantagens para empresas e para agentes políticos. "Confiar na ciência" correspon

Fragmentos Filosóficos, Antropológicos, e algo mais*

"(...) Donde bem bruscamente essa mobilidade inesperada das disposições epistemológicas, o desvio das positividades umas em relação ás outras, mais profundamente ainda a alteração de seu modo de ser ?" "A que acontecimento ou a que lei obedecem essas mutações que fazem com que de súbito as coisas não sejam mais percebidas, descritas, enunciadas, caracterizadas, classificadas e sabidas do mesmo modo e que, no interstício das palavras ou sob sua transparência, não sejam mais as riquezas, os seres vivos, o discurso que se oferecem ao saber, mas seres radicalmente diferentes ?" "O que erige a palavra como palavra e a ergue acima dos gritos e dos ruídos é a proposição nela oculta" "Os signos não tem, pois, outras leis, senão aquelas que podem reger seu conteúdo: toda análise de signos é, ao mesmo tempo e de pleno direito, decifração do que eles querem dizer" "(...) uma coisa pode ser absoluta sob certo aspecto e relativa sob

O deserto e o dilúvio*

Sonhava ficar em casa de pernas pro ar durante três meses enquanto é jovem e sadio? Pode comemorar. Seu pedido foi atendido. Você está livre do trabalho, da escola, da universidade. Agora tem tempo de sobra pra fazer o que quiser. Não está doente, tampouco aposentado e se tiver sorte ou for precavido, seus rendimentos ainda estão garantidos. Só que não. Você está doente, mas não sabe. Os sintomas estão saltando aos olhos e você não vê ou se nega a enxergar. Pensa que está saudável e assintomático, mas está enganado. Não estou falando do coronavirus, desta praga vamos nos salvar. A sua doença é mais grave, assumiu uma forma crônica e a única maneira de se curar talvez seja o confinamento obrigatório.   Hipócrates, o pai da medicina, dois mil anos atrás prescrevia que antes de curar alguém é preciso perguntar se a pessoa está disposta a desistir das coisas que a fizeram adoecer. Faz de conta que seu filho adora sorvete, mas precisa parar de comer porque está ficando obeso. Co

As seis cordas*

A guitarra faz soluçar os sonhos. O soluço das almas perdidas foge por sua boca redonda. E, assim como a tarântula, tece uma grande estrela para caçar suspiros que boiam no seu negro abismo de madeira. *Federico Garcia Lorca

As Poéticas da Singularidade e seus inimigos***

Um novo paradigma deverá conter, necessariamente, contradições com aquilo que busca superar. A nova abordagem, ao emancipar práticas de cuidado e atenção à vida, também redesenha o mapa das problemáticas existenciais. É o caso da Filosofia Clínica, a qual, se fossemos pensar numa história das terapias, seria um capítulo pós Psicanálise. Ao contrário do que afirmam alguns próceres do saber instituído, praticado como uma forma hegemônica de entendimento da questão humana, a Filosofia Clínica desvincula o fenômeno da singularidade das amarras da tipologia, da verdade dos psicofármacos, cuja mordaça limita e condiciona sua expressividade, submetendo seu devir existencial a lógica dos manuais (DSM’s).        Uma das questões essenciais a crítica desses métodos da classificação, é o fato de sua interpretação do fenômeno humano acontecer à distância de onde eles ocorrem, ou seja, o sujeito singular compreendido em sua originalidade, se expressando em linguagem própria.    Em

Fragmentos Filosóficos, Antropológicos, e algo mais*

"(...) a linguagem é conhecida, em sua expressão através do homem, como uma realidade material, e atirar uma palavra é um ato tão transformador quanto lançar uma flecha ou uma pedra" "(...) partimos do princípio de que a realidade é desconhecida. Utilizando sem restrições os conhecimentos que se acham à nossa disposição; estabelecendo entre os mesmos relações inesperadas; prestando aos fatos uma acolhida isenta de preconceitos antigos ou modernos; numa palavra, comportando-nos em meio aos produtos do saber como um espírito estrangeiro, ignorante dos costumes consagrados, e que se esforça por compreender, estaríamos aptos a ver, a cada instante, o aparecimento simultâneo do fantástico e da realidade" "A ciência é tudo aquilo que pode representar um objeto de prospecção para nosso espírito, tanto no exterior quanto no interior de nós mesmos, sem menosprezar o insólito nem excluir o que parece fugir às normas" "(...) os seres vivos se tran

Entropia da Calêndula*

“Mas não tenho nenhuma certeza de que o porvir de vocês coexistia assim com o seu presente.”                                                       Henri Bergson A ordem é a desordem. Havia um tempo que a desordem era o momento em que as coisas começavam a tomar um ponto a seguir, que as direções se distribuíam conforme os seguimentos da existência pediam passagem. Hoje, o caos não é mais dessa proposição, ou seja, a expressão verbal dos conceitos deixa de ter legitimidade diante dos fatos que atropelam o uso da linguagem. Se o juízo de algo é mais do que uma verdade, se ele passa a ser um acontecimento destruidor, a proposição do que estou aqui a pensar não tem importância alguma de sua veracidade de enunciado. Esse pequeno esforço recreativo, quase um jogo do pensamento, é porque ando a refletir sobre os efeitos benéficos e maléficos das Verdades seculares, sejam elas de ordem das ideias, dos grandes movimentos e correntes do pensamento, ou da heresia quase suicida de af

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"(...) Não se escreve só com palavras: antes que elas se fixem no papel, algo anterior - a existência - se inscreve no espírito" "Emily Dickinson: 'Não há melhor fragata que um livro para levar-nos a terras distantes'" "Os escritores se assemelham mais aos espelhos deformantes que encontramos nos parques de diversões, que, em vez de reproduzir ponto a ponto quem neles se admira, o deformam, traem e recriam" "(...) na escrita de Marina Colasanti: a da parteira que, com suas delicadas manobras e seu fino bisturi, dá à luz novas criaturas, descerrando assim faixas do real que antes eram inacessíveis" "(...) ela concebe sua escrita: como um bordado. (...) Talvez no centro da literatura de Marina Colasanti, ainda mais sutil que um fio, esteja uma palavra que nunca poderá ser dita. Palavra secreta que o fio delicado da linguagem se limita a sublinhar" "Marina nos lembra, ciente de que é através da literat

Reflexões de uma Pensadora*

Os pássaros não pararam de cantar A chuva criadeira lavou a noite. Nuvens protegeram o Sol, Teceram um tapete de recolhimento. Os pássaros não pararam de cantar. Os cães latiam ao longe. Quaresmeiras e ipês pintavam a paisagem de doce beleza. Nem mais sons de carros, as ruas vazias... Silêncio e tristeza na alma. Relógios parados sem “ter quê”, A memória do passado é livro e tela de museu. As memórias, apenas tempo que se foi. O depois, uma grande interrogação. Os pássaros não pararam de cantar. O cheiro da grama e das flores intensificaram. Haverá outros mundos aqui? E Deus? Deus está além do bem e do mal. Cabe ao homem responder por seus atos. *Rosângela Rossi Psicoterapeuta. Escritora. Filósofa Clínica. Livre Pensadora. Juiz de Fora/MG

Fragmentos Filosóficos, Literários, Delirantes, e algo mais*

"Transeuntes eternos por nós mesmos, não há paisagem senão o que somos. Nada possuímos, porque nem a nós possuímos. Nada temos porque nada somos. Que mãos estenderei para que universo? O universo não é meu: sou eu" "Qualquer coisa, conforme se considera, é um assombro ou um estorvo, um tudo ou um nada, um caminho ou uma preocupação. Considerá-la cada vez de um modo diferente é renová-la, multiplicá-la por si mesma. É por isso que o espírito contemplativo que nunca saiu da sua aldeia tem contudo à sua ordem o universo inteiro. Numa cela ou num deserto está o infinito. |Numa pedra dorme-se cosmicamente" "Há metáforas que são mais reais do que a gente que anda na rua. Há imagens nos recantos de livros que vivem mais nitidamente que muito homem e muita mulher" "Posso imaginar-me tudo, porque não sou nada. Se fosse alguma coisa, não poderia imaginar. O ajudante de guarda-livros pode sonhar-se imperador romano; o Rei de Inglaterra não o pod

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