Certamente, você já se
deparou com um interlocutor que encerra a discussão com a violenta afirmação:
"É assim pra mim!", fechando a possibilidade de qualquer diálogo.
Interessantemente, muitos de tais interlocutores defendem sua postura "democrática",
afirmando que "é assim para ele", e se não "é assim para
você", ele respeita. Em nome do respeito e da democracia, esse
interlocutor encerra violenta e autoritariamente a conversa, sem que os
argumentos existentes para a aceitação ou recusa de uma determinada ideia ou
proposta venham a ser expostos e examinados.
Alguns filósofos
clínicos têm defendido esta forma como a "verdadeira filosofia",
professando um relativismo deturpado e abandonando a postura filosófica de
suspensão de juízos e investigação. Parece que tal incompreensão do que venha a
ser filosofia é derivada de uma leitura equivocada e descontextualizada de
trechos de citações de alguns filósofos.
Alerto o leitor que
esta deturpação do conceito de filosofia pode trazer sérias consequências,
verdadeiras mazelas, não apenas para a existência cotidiana - o que já seria de
grandissíssimo impacto e poderia trazer muitos prejuízos à pessoa - mas para a
própria construção da vida em sociedade, o que em alguns contextos pode ser
criminoso.
Imaginemo-nos, por
exemplo, assumindo a postura do relativismo deturpado "É assim pra
mim!" em todos os contextos de nosso existir. Nas situações em que nos
enganamos - e nos enganamos muitas vezes, pois o erro é sempre possível em
nossos processos de conhecimento - ao aceitarmos a ideia de que "É assim
para mim", deixaríamos de pesquisar, investigar os conteúdos e fatos que
justificariam nossas escolhas. Nossas escolhas e ações, então, seriam
repetições irrefletidas e não fundamentadas que perpetuariam um erro. Tendo ou
não consciência de nossos erros, as consequências de nossas ações existem de
fato, e influenciam não somente em nossas vidas, mas vidas de muitas outras
pessoas que convivem conosco ou, simplesmente, são atingidas pelas
consequências de nossas ações.
Em se tratando de
escolhas ou ações cujas consequências tragam um impacto social mais amplo,
nossa recusa em pesquisar e refletir, em pensar junto com o outro, poderá
trazer consequências nefastas para uma grande parcela da população.
A filosofia, desde suas
origens, consiste em pesquisar os motivos que temos para aceitar ou não
determinada ideia, para escolher este ou aquele caminho. Ela é, também, um
pensar junto com o outro, um diálogo, no qual cada um expõe os motivos para
pensar da forma como pensa, e todos examinam os diferentes modos de pensar e
motivos expostos, a partir de critérios rigorosos, com base na lógica e nos
dados da realidade.
O que é a realidade?
Perguntam alguns filósofos. E embora de modo distinto, todos respondem ser algo
que independe de minhas crenças, que independe de ser "assim pra
mim", embora, muitas vezes, eu possa ler de uma maneira muito própria.
Como saber se a maneira
como lemos é um erro ou aproxima-se mais daquilo que se apresenta a nós, dos
dados que independem de nós? Não há outra forma senão a investigação. E para
que nossa pesquisa não seja conduzida por nossas concepções prévias, por nossas
paixões, os critérios de investigação se fazem necessários.
Os diferentes métodos
filosóficos estabelecem critérios para a pesquisa, e tais critérios precisam
ser claros e compartilhados. Eu posso pensar de modo diferente, mas devo ser
capaz de demonstrar a outros o que me faz pensar desta maneira, de onde parti e
como cheguei a minhas conclusões.
Quando nos deparamos
com alguém que pensa muito diferente de nós e fazemos o exercício de apresentar
ao outro o que nos faz pensar como pensamos, este exercício nos provoca a
revisitar nossos processos de pensamento e, consequentemente, poderá gerar uma
avaliação.
Você já se viu numa
situação em que, na tentativa de explicar ao outro os motivos pelos quais
chegou a uma conclusão, identificou um erro em seu próprio raciocínio? A
correção do erro levou a uma mudança de posição? E se não tivesse corrigido tal
erro, quais poderiam ter sido as consequências de suas ações?
O mesmo pode se dar
quando o outro explica a nós os motivos pelos quais pensa como pensa. Ao
acompanharmos seus motivos, é possível observarmos dados que não possuíamos
acerca de uma situação. Tais dados poderão modificar nosso posicionamento.
Postura muito limitada
Desta forma, afirmar
"é assim pra mim", e com isso recusar-se a pensar em outras
possibilidades, pode ser uma postura muito limitada, geradora de erros,
preconceitos e prejuízos não somente para quem assume esta postura, mas para
muitos outros.
Voltando à tarefa do
filósofo clínico, quando afirmamos o respeito à singularidade, à representação,
não nos referimos à aceitação cega e irrefletida de "verdades" que
"são assim para o partilhante (paciente)". Referimo-nos a uma postura
filosófica de investigação junto com o outro.
A pessoa que procura um filósofo
clínico não encontrará alguém para simplesmente concordar com seus pensamentos
e ações. Encontrará alguém para dialogar, alguém que utilizará métodos e
critérios filosóficos, construídos no decorrer da história da humanidade, para
investigar a pertinência ou não de suas ideias, para provocar a pensar nas
consequências dos desdobramentos de suas ações, alguém para partilhar a
pesquisa sobre novos e possíveis caminhos para o existir. Neste processo, é
comum encontrarmos dados que não possuíamos, vermos perspectivas pelas quais
não estávamos observando, ratificarmos ou retificarmos nossos pensamentos e
ações.
Recusar-se a pensar
afirmando "é assim pra mim" é um relativismo deturpado porque o
próprio relativismo diz respeito a um posicionamento relativo a um contexto, e
não à ausência do pensar, a recusa ao diálogo.
Infelizmente, esta
postura equivocada tem se tornado padrão em muitos contextos de nossa
sociedade, levando, cada vez mais, a um individualismo exacerbado e à
impossibilidade do pensar. Entre suas consequências, as posturas inflexíveis e
irrefletidas, a perpetuação dos erros, a discriminação, a violência contra o
diferente são apenas algumas de suas mazelas.
Podemos evitá-las com
um exercício que nos é próprio: o diálogo, a abertura para pensar junto com o
outro.
*Prof. Dra. Monica Aiub
Pesquisadora. Escritora.
Filósofa Clínica.
São Paulo/SP
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