A medicina diz que
começamos a envelhecer a partir dos 30 anos de idade. Comigo não foi bem assim.
Comecei a envelhecer quando meu filho nasceu. Por coincidência tinha justamente
trinta anos. Achava que como pai tinha responsabilidade financeira e gastava todos
meus dias trabalhando para sustentar a família. Chegava em casa tarde da noite,
acabado de tanto cansaço, mal conseguindo aproveitar o calor de um lar. Voltei
a ficar jovem quando nasceu meu neto. Brincamos juntos todas as manhãs na
pracinha do bairro e me renovo todo dia.
Comecei a envelhecer
quando me preocupei em esconder os primeiros fios de cabelo branco. Rejuvenesci
quando deixei os grisalhos crescerem natural e desalinhadamente por cima das
orelhas. Sentia-me um velho trabalhando sem prazer, amargurado, reclamando e só
pensando no dia da minha aposentadoria. Depois de aposentado, virei criança.
Esta conversa de envelhecer depois dos trinta começava a cair por terra.
Pensava que depois de
ficar viúvo, a vida não seria mais a mesma e jamais seria feliz de novo.
Sobrevivia de saudade e recordações. Um dia encontrei a Juliana, ela me
devolveu o amor e a juventude. Dizem que o homem tem a idade da mulher que está
a seu lado. E vice versa. Achava-me muito velho para mexer nestas coisas de
computador e internet, hoje tenho amigos nas mídias sociais de todas as idades.
Sentia-me cansado e
velho. Antes de anoitecer já colocava o pijama e sentava em frente a televisão.
Dormia assistindo o noticiário e as novelas.
Hoje, ao invés da rotina TV e cama, fico acordado com meus sonhos.
Envelhecer faz parte do
ciclo da vida. Somos programados geneticamente para que nosso corpo atinja a
fase reprodutiva no máximo de sua capacidade física. Depois de produzir os
descendentes, o objetivo da natureza já foi
alcançado e o corpo começa a decair.
E isto acontece por volta dos trinta anos. Não existe um gen específico
para o envelhecimento, o que acontece é que começam a surgir defeitos no organismo,
as peças deixam de funcionar direito.
O corpo parte na frente
da alma em termos de envelhecimento. Alma não se restringe a tempo nem a
números. A idade que aparece no documento de identidade é a do corpo, não da
alma. Nem do conhecimento, sequer dos sonhos, tampouco das emoções ou dos
afetos. Por isso acontece o paradoxo, olhamos a imagem no espelho e não
acreditamos que aquele corpo velho somos nós. Então temos duas escolhas: ou nos
adaptamos ou passamos a reformar o corpo para que se pareça com aquilo que
nossa alma sente. A maioria das pessoas nega o envelhecimento e opta pela
reforma.
O sonho da humanidade
sempre foi a imortalidade. Quando o barco de Ulisses naufragou, só ele
sobreviveu. Foi parar na ilha de Ogigia e lá encontrou a bela ninfa Calipso,
que o seduziu oferecendo dois presentes únicos para que aceitasse ficar com ela
para sempre: imortalidade e eterna juventude. Quem de nós resistiria em aceitar
esta oferta? Pois Ulisses chorava dia após dia junto ao mar.
Sonhava em regressar
para Itaca, não esquecia sua pátria, sua fiel esposa Penélope, seu filho
Telêmaco, seu pai Laertes...Ulisses queria estar de novo com seus amigos, sua
família, sua terra. Depois de sete anos preso e amargurado por vontade dos
Deuses, foi libertado e conseguiu retornar, trocou a eterna juventude pela
volta ao lar.
Estamos conseguindo
reformar nossos corpos e viver mais. A tecnologia e a medicina possibilitaram
retardar o envelhecimento. A expectativa de vida aumenta a cada ano. Num futuro
não muito distante, seremos saudáveis fisicamente até os cento e vinte anos. Ou
talvez mais. Caberá então a nós, buscarmos o que Ulisses escolheu fazer em sua
Odisséia: ser feliz.
*Ildo Meyer
Médico. Escritor.
Palestrante. Filósofo Clínico.
Porto Alegre/RS
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