As recepções de hospitais
costumam exibir um cartaz que informa o nível de prioridade no atendimento aos
pacientes. É uma espécie de tabela de risco, com cinco níveis, desde
‘emergência’ até ‘pouco urgente’. O
atendimento imediato, por exemplo, contempla pacientes com parada
cardiorrespiratória, em estado de choque ou com perfurações e hemorragia. O
nível mais brando de risco (não urgente) contempla pacientes com dor leve,
escoriações e pode levar horas e horas até um enfermeiro ou médico se ocupar do
problema… Já complicações de saúde como crise de asma, dor de cabeça intensa,
taquicardia e dor abdominal correspondem aos níveis intermediários: muito
urgente, pouco urgente e urgente.
Já pensou se as dores e
desconfortos emocionais também pudessem ser medidos com uma régua tão objetiva?
Dor de amor: emergência. Dor de saudade: muito urgente. Dor de decepção:
urgente. Dor de tédio: pouco urgente. Dor de reprovação: pouco urgente. Outro
sujeito poderia apresentar tabela diversa. Dor de solidão: emergência. Dor de
tristeza: muito urgente. Dor de nostalgia: urgente. Dor de vazio existencial:
pouco urgente. Ainda um terceiro sujeito poderia citar outras graduações. Dor
de desencaixe social: emergência. Dor de falta de autoestima: muito urgente.
Dor pela perda de um amigo: urgente. Dor por ir mal na entrevista de emprego:
pouco urgente.
O fato é que, no
cotidiano, as coisas não são tão simples e matematizáveis. Para o sujeito A,
uma dor de amor pode comprometer a qualidade de semanas inteiras de trabalho.
Para outro, uma noite de choro intenso será suficiente para desaguar todas suas
dores. Para o sujeito A, ser demitido pode significar um tempo significativo em
terapia até conseguir organizar-se emocionalmente, enquanto para o sujeito B
será suficiente uma recolocação para não pensar mais no assunto e nem sofrer
com ele. E assim sucessivamente…
Nisso reside a
complexidade do trabalho de autoconhecimento e também dos profissionais que se
dedicam a compreender e tratar o comportamento humano em todas suas facetas, como
é a filosofia clínica, por exemplo, que leva muito a sério a singularidade de
cada sujeito. Nisso também reside o perigo em aplicar etiquetas que estabelecem
padrões ou proporções para as dores e inquietações subjetivas do ser humano.
Quem poderá dizer que a minha dor de solidão e o desconforto diante da
incerteza, por exemplo, se equivalem aos seus?
Vivemos tempos em que as
classificações atendem a um desejo prático (ou preguiçoso) de compreensão e
entendimento do outro e – mais perigoso ainda – de nós mesmos. ‘Perigoso’
porque os rótulos podem gerar análises repletas de pré-conceitos e pré-juízos,
nem sempre condizentes com a verdade. Exemplos disso são etiquetas como
Gerações Boomers, Y, e Z… Não raro ouvimos pessoas dizendo ‘sou depressivo’,
‘sou compulsivo’, ‘sou doidinha’. Que imagem você constrói a partir de
afirmações tão categóricas? Muito provavelmente a imagem que você constrói é a
mesma que eu construo, repleta de senso comum – o que é um disparate,
considerando a diversidade existencial e simbólica humana.
Nesse contexto, tenho uma
boa e uma má notícia. A má notícia é que o bem-estar subjetivo gerado a partir
da saúde e do equilíbrio emocional raramente se encontra no senso comum, nas
camadas superficiais. Via de regra, ele está mais para um diamante bruto a ser
lapidado do que para uma pílula mágica capaz de resolver ou abrandar todos os
problemas emocionais da noite para o dia. A boa notícia é que, aos que assim
desejam, é possível buscar a compreensão de si mesmo, nos aspectos emocionais,
independente de tabelas, rótulos, e viver melhor. Pense:
Que importância têm as
emoções em sua vida? Quais sentimentos são mais comuns nos seus dias? Suas
experiências emocionais dependem de outras pessoas? O seu nível de
autoconhecimento permitiria responder rapidamente quais são as emoções mais
comuns vividas por você, desde que nasceu e tem lembrança? E a mais importante
de todas: é chegada a hora de se ocupar um pouco mais com a qualidade de suas
emoções?
*Sandra Veroneze
Jornalista. Editora.
Escritora. Filósofa Clínica
Sandra.veroneze@pragmatha.com.br
São Paulo/SP
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