Se existisse isso de ser saudável
e talvez a pessoa dissesse sempre aquilo mesmo que pensa, trabalharia em algo
que tem a ver com ela, teria amizades por afinidade, faria amor com quem ama.
Existisse mesmo a pessoa saudável
e Deus estaria com ela, os pássaros viriam ter com ela nas janelas e as janelas
se abririam para o mundo. As crianças teriam escola e cresceriam com esperança
- que não seria mais uma utopia. Os velhos seriam então apenas velhos e os
adolescentes teriam a descarga adequada para seus dez mil hormônios.
Haveria ainda solidão, tristeza,
medo, ansiedade, é claro, e por que não ? Mas apenas às vezes, e seriam
desejáveis porque ensinariam. A pessoa ficaria triste porque ocasionalmente
isso é parte da vida, mas não estaria costumeiramente triste.
Existisse a pessoa de fato
saudável e eu não precisaria escrever este artigo, não teríamos livros de auto-ajuda
nem de hetero-ajuda, as escolas de psicologia virariam respeitáveis museus e os
médicos tratariam de consertar somente ossos quebrados. Também toda uma
indústria de promessas e alienações viraria um grande estacionamento.
Mas provavelmente essa coisa de pessoa
equilibrada, normal, saudável, em harmonia, existe em filmes, lendas, em
marketing para vender livros e promover bulhufas.
Se existe algo de normal em
nossas vidas, talvez seja esta loucura de querermos tanto ser ou parecer
normais. Um sintoma de nossa época repleta de paradoxos. Talvez houvesse maior
equilíbrio se parássemos com essas bobagens, se permitíssemos mais contradição
em nossas vidas, já que isso, de qualquer modo, haverá mesmo.
De algum modo pode existir mais
perfeição na vida quando pararmos com esta mania absurda de tanta perfeição,
tanto antibiótico, tanta normalidade, tanta saúde.
*Lúcio Packter
**Pensador que iniciou a
Filosofia Clínica. Até o ano de 1995, quando das primeiras turmas no Instituto
Packter em Porto Alegre/RS, não se sabia de nenhuma iniciativa prática da
Filosofia como clínica. Ainda hoje, o que se tem: aconselhamentos, coaching,
cafés filosóficos..., todas bem-vindas, ainda que muito distantes da abordagem inaugurada
por Lúcio Packter nos anos 1990.
***A expressão "Filosofia
Clínica" é usada, inclusive, em outros sentidos, com significados e
aplicabilidade diversa da produção brasileira. Mesmo no Brasil, já existem
“escolas” distorcendo a matriz do novo paradigma.
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