Vocês já se depararam com profissionais que, de tão padronizadamente mergulhados no papel que representam, se pasteurizam tanto a ponto de encapsularem sua humanidade?!
Há muito os tenho encontrado, nas
mais diversas áreas. Percebo-os muito próximos, invadindo territórios
esquecidos, não cultivados, abandonados.
O assombroso é que o mercado não
só ainda anseia como replica esses perfis, não raro fruto de linha de montagens
do tipo: transforme-se em oito passos e seja você o sucesso! Sucesso que se
traduz comumente no endosso do mesmo, ainda que travestido de diferente.
Por um certo momento eu de fato
pensei que essa Pandemia fosse suavizar o arrogante rompante de tudo conhecer e
dominar. De reduzir visões de mundo ao enquadramento de nossos gostos e preferências,
hermeticamente vedados e selados como se verdade fossem. A mais pura e
absoluta. O resto é resto e que se dane, melhor ignorar…
Nesse abissal individualismo o
outro é aceito como igual, desde que reitere caminhos e não questione rotas.
Caso contrário se converte em ameaça e como tal deve ser, quando não
completamente aniquilado: contido, tolhido, inibido.
Com a proliferação massiva de eus
somada a escassez de outros o singular se perde e o plural é esquecido.
Deixamos tão opacos os espelhos que nada refletem além da mecanicidade da
repetição sem presença, que já nasce moribunda.
Da hiperestimulação rasteira, o
anestesiamento que inviabiliza sutilezas e obstrui rotas de fuga,
possibilidades de deter o fastio e prospectar cenários outros. Nem mesmo com os
gritantes adereços que repetidamente falseiam mobilidade, damos conta da
paralisia detectar.
Na esteira que fere e fragmenta o
humano, a dissociação é processada: se elimina o sentir como pulsar de
interseção, deixando minguar o pensar à deriva no violento colidir de mundos.
Feito isso, marionetes armadas, basta governar o fazer para onde convier.
Debilitado o humano não mais
percebe suas fome e sede. Se fosse capaz de percebê-las talvez acionasse a
força visceral para encarar arrebentação e buscar além do choque das ondas a
integralidade capturada. Junto dela, o poder de autogoverno.
Abraçar o contraditório em nós
reabilita o sentir, dá polimento aos espelhos, permite enxergar e ponderar.
Possibilita a confiança da entrega enquanto fazer empático sustentado no
repertório que se carrega, uma composição entre força e vulnerabilidade que nos
humaniza e nos capacita a encontrar o outro, construir e crescer junto, tanto
na vida quanto na clínica. Como seres humanos que somos e terapeutas que
estamos.
Em quantas andam as profissões
nas nossas sociedades… Servem a humanidade, viabilizadas pelo capital? Ou
servem ao capital, viabilizadas pela humanidade?!
*Ana Rita de Calazans Perine.
Filósofa Clínica, Pesquisadora, Educadora, Mobilizadora Social e Empresarial.
Cofundadora do Instituto ORIOR. Formação em Ciências Jurídicas e Sociais,
Filosofia Prática e Filosofia Clínica (IMFIC / Instituto Packter – ANFIC / Casa
da Filosofia Clínica). Trinta anos dedicados a pesquisas, aplicação e difusão
de ciências humanas e afins. Atua na área de Desenvolvimento Humano e
Transformação Cultural, fortalecendo partilhas e redes transdisciplinares de
aprendizado. www.orior.com.br/ana-rita
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