Quando vemos o filme 'Forrest Gump', tendemos a nos colocar no lugar de quem viu o que "realmente" aconteceu e a narrativa do personagem principal, que dá nome ao filme, como quem viu algo de modo limitado. É como se nós tivéssemos uma visão privilegiada e, o outro, uma percepção limitada.
A noção de que acessamos a
"realidade" com "objetividade" pode trazer uma noção do
outro como quem tem uma visão limitada pela inteligência, sentimentos, pontos
cegos etc. No entanto, de certo modo, somos como o Forrest Gump.
Nossa percepção do mundo é uma
perspectiva. Tendemos a acreditar piamente no que nossos olhos e lembranças nos
dizem sobre um acontecimento ou experiência. E não estamos errados. Pois é essa
percepção ou visão de mundo que norteia nossa vida.
Por isso, no consultório, não
buscamos necessariamente o que aconteceu, mas como a pessoa vivenciou,
interpretou, significou etc. o ocorrido. Pois não é a objetividade que marca a
experiência que direciona a vida da pessoa, mas sua experiência da mesma.
Por mais incômodo que possa ser
uma perspectiva do acontecido, os dados históricos "objetivos" têm
muito pouco a dizer sobre a experiência singular que dela fazemos. Por essa
razão, o contraste de Forrest Gump em relação aos acontecimentos é tão
importante.
Se fechamos os olhos e apenas ouvimos
o relato de Gump, temos a perspectiva do personagem em sua experiência. Por
mais que haja o anseio pela "objetividade", não é ela a condutora do
modo de vida do personagem. O trabalho terapêutico ocorre na perspectiva da
pessoa.
Ao mesmo tempo em que percebemos
uma história de vida editada e focalizada pela pessoa, entendemos a estrutura
interna que faz essa edição e foco. É nessa estrutura constitutiva da pessoa e
suas circunstâncias que o terapeuta trabalha.
O terapeuta é, em alguns
momentos, como a mãe de Forrest Gump que dizia de um jeito que ele conseguiria
entender. Trata-se de reconhecer o idioma existencial da pessoa e saber
auxiliá-la nesse processo.
Há uma ilusão de que todos os
expectadores do filme percebem a mesma coisa e o Gump não enxerga. Cada um dos
expectadores terá uma visão única do filme a partir de sua história de vida e
estrutura de pensamento. Assim como Forrest Gump, somos singulares e assim
existimos.
*Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo
Filósofo. Mestre e Doutor em Filosofia pela UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora/MG. Filósofo Clínico.
Escritor. Autor da obra: “Introdução à Filosofia Clínica”. Integrante da
coleção de Filosofia Clínica da Editora Vozes/Petrópolis/RJ.
Teresópolis/RJ
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