Rolando dados de Semiose
Onde oralidade e escrita
silenciam, o corpo grita!
O repertório que angariamos em
nossa trajetória existencial nos auxilia a qualificar nossas interseções, sejam
pessoais ou profissionais. Quando essa bagagem brota de uma trajetória
analisada, meio caminho andado...
Percepcionar a nós mesmos,
navegando espacialidades, pode nos colocar tanto diante de jardins secretos
vicejantes quanto diante de terrenos baldios espinhosos. Passado o assombro
inicial, ambos guardam lições preciosas a partilhar e sinalizam autogenias
capazes de dirimir embates internos. E com isso, suavizar e/ou eliminar choques
externos. Talvez quanto mais parturientes de nós mesmos sejamos, mais
habilitados para acolher e dialogar com outros estejamos. Sócrates, com a
maiêutica, e Platão, com a dialética, que o digam!
A maiêutica (arte de parir a
alma) nos leva além, nos aproxima do cerne da questão, nos coloca diante do
novo enquanto arquétipo. Mas como dar a luz sem a dilatação necessária?! Momento da dialética (diálogo que acolhe o
contraditório), em um exercício constante de abstração aprofunda os porquês,
cada resposta colhida gera nova e mais profunda pergunta de modo que,
paulatinamente, transladamos da doxa (opinião) para episteme (conhecimento).
Mentes expandidas, universos ampliados: essência humana parida.
De abstrações em abstrações, não
é de hoje que faço correlações entre Vida e Teatro. O descortinar dos fenômenos
no palco da existência há muito me inquieta e encanta. Condicionantes
trabalhadas para fazer propício o Tempo...
Diante de tantas caras e bocas, a
verborragia dos perfis cala. O ator por elas tragado é cuspido. Expulso pelo
calor e brilho sufocantes dos holofotes que encena, foragido. Caem os adereços,
rasgam-se as vestes. Regurgitado sobre si mesmo, no escuro, ilumina EM CENA (de
Setembro de 2009):
Em um momento dado / A cortina se
abre... / Ator ofuscado / Pela luz do sentimento / Pulsa a cada fala e gesto
projetados / Pelo próprio deslumbramento / Percebe-se apaixonado
Já te sentistes / Querendo
desnudar um personagem / Vestido / Com tua própria imagem? Reparastes a cena /
Que teu peito procura ocultar / Mas em cena / Não há como o corpo não revelar?
/Até que ponto emoções contidas / Ali se mostram escancaradas / Refletidas?
Na coxia / Instintos aprisionados
/ Pura rebeldia... / Falseiam liberdade / No palco / Assombrados / É tanta a
fidelidade...
Sensações brotam / Aos borbulhões
/ Sentimentos içados / Já não mais se sentem / Atados
Cada cena imprime / Novo
renascimento / O tom vem da musicalidade do texto / Brilhas em eterno momento /
O ritmo quem confere és tu ator... / Carregas teu indelével contexto / Como um
andor...
Mantida a fidelidade / Do
movimento / Marcados os atos / Em cada elemento / A cortina se fecha... / Novo
encerramento
Como enclausurar? / O ator
transborda... / Tu não cabes em qualquer lugar
Mascarado... / Teus olhos ficam à
mostra / Ludibriado... / Percebes-te maior e melhor / Confundes-te com quem és
/
Entorpecido... / Pela ilusão do
encantamento
Teatro... / Profusão de emoções /
Em cada ato
Ator e Plateia... / Negando
obliterações / Com a força de uma ideia
Vida... / Fluxo e refluxo /
Também acolhida / Lança, recolhe / Em um novo direcionamento / Acolhe
Atenuada a euforia / Por vezes /
Quase eudaimonia / Tu pairas no ar...
E lá vamos nós / Acompanhados / E
a sós / Na conquista de equilíbrios / Sempre querendo chegar...
Maravilhosamente perdidos /
Mascarados / E iludidos... / Nus, e nos julgando / Completamente vestidos...
Ainda que o movimento soe e de
fato seja familiar, a posição que agora ocupo sofreu leve ajuste (da plateia
para o palco), reverberando na qualidade da interseção. Esse mergulho no
teatro, por dentro, também tem se mostrado libertador. Onde oralidade e escrita
silenciam, o corpo grita! O que o move e o modo com que se move produz
destamponamentos... Revisita caminhos, redesenha outros, ajusta a caminhada,
descortina horizontes, potencializa e amplia canalizações.
Visceral. No tablado o momento é
chegado: NASCENÇA. O espaço acolhe. A egrégora possibilita e sustenta, expressão.
O sentir, o pensar recolhe. Em autogenia, pelo fazer, a vazão. No interno.
Multiplicidade tensionada libera unicidade. Raso e profundo. No externo.
Suspensão materializada: PRESENÇA. Espectral.
Esses tempos pandêmicos - de
ódio, intolerância, estupidez, vírus, guerra e fome – cobram seu preço...
Muitas vezes sentido cotidianamente na fadiga, falta de perspectivas e
descrédito na humanidade. Importante e urgente viabilizarmos e cuidarmos do nós
a partir do acolhimento do eu e do outro, para que renasçamos enquanto
indivíduos e comunidades.
A Filosofia Clínica pode nos
auxiliar nesse processo... Por meio de uma aproximação respeitosa, ela abraça a
singularidade humana, oportuniza o autoconhecimento, possibilita o eu
alimentar-se com o que lhe condiz e o habilita a encontrar o outro. Como já
dizia o poetinha: “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro
pela vida” (Vinícius de Moraes). Se no
processo de autodescoberta - que transcende a clínica - teu corpo solicitar e
teu coração consentir: permita-se e teatralize-se!
*Ana Rita de Calazans Perine
Filósofa Clínica, Pesquisadora, Educadora, Mobilizadora Social e Empresarial. Cofundadora do Instituto ORIOR. Formação em Ciências Jurídicas e Sociais, Filosofia Prática e Filosofia Clínica (IMFIC / Instituto Packter – ANFIC / Casa da Filosofia Clínica). Trinta anos dedicados a pesquisas, aplicação e difusão de ciências humanas e afins. Atua na área de Desenvolvimento Humano e Transformação Cultural, fortalecendo partilhas e redes transdisciplinares de aprendizado. www.orior.com.br/ana-rita
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