'Navegar é preciso; viver não é preciso'
(Fernando Pessoa)
Navegar e viver costumam ser
desafios ao sabor dos ventos e das marés, como uma flecha lançada ao vento, sem
rumo nem piedade, sem desculpas, sem destino, talvez só aquele que
obstinadamente julgamos traçar. Não há garantias e pode não haver volta... e a
cada movimento, entropicamente, detonamos o estoque de energia que nos foi
reservado, sem nos darmos conta de que alguma coisa se esvaiu, de que algo
precioso transmutou.
Sabemos que emergimos do ventre e
que vamos findar no ocaso da existência. O rio que corre entre essas duas
margens, que por alguma razão somos impelidos a saltar, é que costuma fazer a
diferença. Navegar é tão preciso quanto viver e viver é tão impreciso quanto
navegar... uns se debatem sem alcançar suas ilhas distantes; outros buscam âncoras
que os salvem daquilo que nem mesmo suspeitam, pois para ter qualquer migalha
de conhecimento, virtude, experiência, ainda é preciso insistir e navegar, seja
como e para onde for.
E há ainda alguns que apenas se
deixam levar, provavelmente num lampejo de sábia inércia e de refletida
presunção. Mas os rios que deságuam no mar, na origem de novos desafios, de
confrontos, de incertezas e na imprecisão de rumos sem rotas precisas, também
convidam a provarmos mudanças que inevitavelmente farão banquetes fartos e
recheados de vivências ímpares e insólitas...
Nas profundezas de qualquer mar
retomamos as essências que nos conformam às ondas que crescem na medida em que
surgem obstáculos. Elas tanto podem passar despercebidas, como provocar
tsunamis que abocanham, como feras apocalípticas, a razão de um momento, mas
que igualmente nos conferem toda a dimensão da intensidade que um mergulho nas
águas profundas da existência proporciona.
Na dúvida, muitos preferem a
segurança de suas âncoras a mantê-los em seus portos seguros, que redunda
naquilo que sempre será e na tranquilidade das mesmas paisagens monotonamente
repetitivas. A segurança pode ser o pior de todos os fantasmas, pois não
incentiva frios na barriga ou injeções de adrenalina, tão necessários em encantos
ou sobressaltos.
Âncoras até podem resguardar
integridades e garantir longevidade, mas provavelmente não são capazes de
permitir os riscos de uma imersão profunda ou que voos sejam alçados na direção
de um vazio que deve ser preenchido com experiências, ainda que impróprias ou
amargas.
Quem não se lança, não reconhece
em si suas potencialidades, não percebe que os medos permitem que novas e
surpreendentes forças sejam mobilizadas em prol do que ainda está por vir, do
que ainda pode surpreender e encantar. Tudo o que prende, seja em nome do que
for, impedindo o nado livre e o navegar necessário, nos afunda e nos entrega à
sombra triste da inércia e da estática, à mercê da passagem do tempo. Porém,
não o tempo que nos oferece a mão para o salto entre as margens, mas aquele que
desdenha o que veio presenciar.
*Luana Tavares
Filósofa. Mestre em Filosofia. Escritora.
Filósofa Clínica.
Niterói/RJ
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