O paraíso mora dentro de uma caixa de brinquedos. A partir de qual idade crianças passam a ceder espaço em suas vidas despreocupadas, deixando de lado os brinquedos, para tentar entender a utilidade das coisas? O que acontece em suas cabeças que as faz virar a chave e abdicar de uma vida lúdica e prazerosa para começar a se interrogar sobre o funcionamento do mundo que as cerca?
Serão os adultos, preocupados com
a educação infantil, os responsáveis por lhes roubar o paraíso ou faz parte da
evolução natural da espécie humana a curiosidade e procura de respostas?
Inesperadamente, de supetão, crianças passam a fazer perguntas sobre tudo, mas
nem todas as respostas cabem num adulto.
Filósofos e cientistas estudam e
trabalham na busca das causas, efeitos, motivos, razões, porquês, respostas.
São mentes interrogativas, olham as coisas sempre com uma pergunta latente, uma
investigação, um estudo a ser realizado. Lógica e razão norteiam suas
pesquisas.
Necessariamente não fornecem nem
todas, nem mesmo as verdadeiras respostas. O conhecimento científico não é
atraente por ter todas as respostas, mas sim por querer decifrar um conjunto
cada vez maior de perguntas. A razão é totalitária, o que ela deseja é dominar
o objeto por meio da compreensão.
Algumas pessoas também funcionam
dessa maneira, precisam de um porquê para explicar as coisas que acontecem, são
obcecadas por perguntas. Para elas, o fato nem é tão importante quanto o
entendimento. O voo está atrasado quatro horas, a pessoa vai até o balcão da
companhia aérea e recebe a justificativa de que estão realizando manutenção
preventiva. Pronto, agora ela já tem algo que pacifique sua mente, já sabe o
que está acontecendo, já tem seu porquê.
Outras pessoas perguntam, mas não
querem escutar a resposta, trata-se apenas de um recurso verbal linguístico,
uma exclamação, uma forma de reclamar. Por que vocês não colocaram outro avião
no lugar deste que precisa da manutenção? Nosso voo já está atrasado mais de
quatro horas. Nessa situação, o
importante passa a ser o fato e não mais o porquê.
Às vezes quem pergunta já tem a
resposta e questiona apenas para confirmar sua suspeita ou versão. A esposa sabe que o marido saiu do escritório
mais cedo com a amante, pergunta onde ele estava apenas para depois confrontá-lo
com a mentira.
No entanto, existem porquês mais
complicados. Algumas pessoas perguntam, mas nem sempre estão preparadas para
lidar com as respostas. Existe o direito de sair perguntando? É preciso muito
cuidado para não machucar ou ser machucado existencialmente.
Para muitas perguntas não existem
respostas, não há explicação para tudo. Entender a pergunta já é metade da
resposta. É preciso aprender a conviver
com perguntas insolúveis. Algumas perguntas são tão ricas que não necessitam
mendigar por resolução. Enquanto não houver respostas, sempre haverá sonhos.
Respostas nos permitem andar sobre terra firme, mas somente perguntas nos
permitem entrar pelo mar desconhecido.
A célebre frase atribuída ao
filósofo grego Sócrates, “só sei que nada sei”, é um reconhecimento de sua
própria ignorância e ao mesmo tempo a base para o abandono do senso comum e da
opinião (doxa) na busca do conhecimento verdadeiro (epistéme), objetivo final
da filosofia.
Para Sócrates, era necessário
questionar as certezas, opiniões e os preconceitos para que as falsas certezas
caíssem por terra e houvesse a tomada de consciência do não saber, da própria
ignorância. A dúvida é o princípio da sabedoria. É triste ver como os tolos
pensam ter respostas enquanto os sábios aceitam que só conhecem as perguntas.
Os computadores podem nos dar cem mil respostas, no entanto são incapazes de
fazer uma única pergunta inteligente. Informação não é sinônimo de conhecimento
ou sabedoria.
Não temos controle da vida o
tempo todo, passaremos por hesitações, incertezas, inseguranças. Nem sempre
conseguiremos superar as surpresas do destino procurando respostas imediatas ou
soluções mágicas. Não obstante, são incríveis as respostas que surgem quando já
não as buscamos mais.
Dizem que é de Freud, o criador
da psicanálise, a pergunta que por si só já é uma resposta: “não é preciso
entender de água para se jogar no rio”.
Existem respostas submersas na dança, na música, nas artes, nos livros,
nos parques, num sorriso, num abraço, num sonho. O silêncio também pode se
converter em uma sábia resposta. Calados
não precisamos nem repetir, nem explicar. Meditar é parar de pensar, produzir o
vazio, a ausência de saberes e dar lugar a sabedoria do corpo e da alma.
A maturidade de um homem é
atingida quando ele encontra de novo a seriedade que tinha quando como criança
brincava. Quando o espírito de pureza, alegria e espontaneidade das crianças
assume o lugar da racionalidade adulta, tudo é possível, até mesmo esquecer a
pergunta.
*Ildo Meyer
Médico. Escritor. Palestrante. Mágico.
Filósofo Clínico. Em 2019, por indicação da direção e conselho da Casa da
Filosofia Clínica, recebeu o título de “Doutor Honoris Causa”.
Porto Alegre/RS
**Artigo publicado na edição de
verão (dezembro 2023) da Revista da Casa da Filosofia Clínica.
Comentários
Postar um comentário