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Palavras ao vento*

"Embora os jovens possam tornar-se geômetras, matemáticos e conhecedores de matérias semelhantes, não acredito que exista um jovem dotado de sabedoria prática. O motivo é que essa espécie de sabedoria diz respeito não só aos universais mas também aos particulares – que são conhecidos pela experiência. Ora, um jovem carece de experiência, que só o tempo pode dar. Por que um menino pode tornar-se matemático, porém não filósofo? É porque os objetos da matemática existem por abstração, enquanto os primeiros princípios das outras matérias provêm da experiência; e também porque os jovens não têm convicção sobre esses primeiros princípios, contentando-se em utilizar a linguagem apropriada, ao passo que a essência dos objetos da matemática lhes é bastante clara" (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, livro VI). É por isso que eu confio no trabalho de jovens tecnocientistas fazendo "ciência normal", mas desconfio de jovens políticos, magistrados e filósofos. * * * Uma cultu

Pretéritos Imperfeitos*

“A experiência trivial do dia a dia sempre nos confirma alguma antiga profecia (...)”                                              Ralph Waldo Emerson   Existem eventos que possuem um começo sem fim. Perseguem uma in_de_termin_ação futura na travessia pelas antigas pontes. Neles é possível vislumbrar uma sombra suspeita, como algo mais a perturbar a lógica bem ajustada das convicções. Assim a grafia parece se orientar por um ontem a perdurar. Atitude rarefeita de olhares a perseguir buscas contaminadas. Esse contágio parece querer singularizar a pluralidade de cada um. Aprecia a menção de fatos acontecidos no prolongamento do instante. Aparecem como atuação simultânea de um em outro, seu paradoxo dilui-se numa dialética de integração.    Uma de suas características é realçar fatos no momento em que ocorriam. Essa incerteza quanto ao amanhã, parece coincidir com o desfecho provisório de seu inacabamento.    Nessa terra de ninguém uma infindável trama de acontecimentos se refugia. Parece

A experiência como uma forma de estagnação*

  Alguns de nós tiveram um lado cientista desde criança: abrir lagartixas, jogar um brinquedo no ar, pular de alturas perigosas, colocar o dedo na tomada etc. foram algumas das atividades que nos abriam para novos mundos. Não éramos os mesmos depois de quebrar um braço pulando de uma escada pensando que conseguiríamos voar como o Superman. Neste caso, nem a maçã de Newton teria sido tão convincente para nos provar a existência de uma gravidade. No entanto, a noção de que diversas experiências ao longo da vida podem nos tornar abertos ao novo nem sempre se realiza. Isso pode ocorrer por diversas razões dentre as quais está a confirmação de uma ideia solidificada. Na ciência da nutrição (da qual me aproximo como um amador) isso é bastante comum. Ao isolar determinadas (muitas) variáveis é possível dizer que comer carne pode gerar ou prevenir um câncer, que o jejum é benéfico ou maléfico etc. Pensar em ciência exata construída por seres humanos não tão exatos é algo bastante ambíguo.

Sobre o belo perigo*

Um dia, por acasos lindos da vida, aparece em minhas mãos um livro interessantíssimo, eu estava no Guion Cinemas na Cidade Baixa e isso é importante que seja dito, já que ali tem algumas das coisas mais interessantes que acontecem em Porto Alegre. Lugar de cultura, selecionadas demonstrações de cinema, além de livros, CDs, discos, obras de arte e café. Coisas palpáveis, com cores, cheiro e sabor. E que livro é esse, que tem um título aparentemente controverso? “O Belo Perigo”. Esse livro trata de uma conversa entre Claude Bonnefoy, crítico literário e o filósofo Michel Foucault. Na entrevista o filósofo fala como iniciou seu processo de escrita, fala sobre a história e os desdobramentos dessa atividade e o momento em que a assume como fundamental para sua vida, passando a refletir “(...) sobre a produção e o controle da escrita – suas potencialidades, limitações e perigos”. Foucault revela que “(...) Gostaria de fazer aparecer o que está próximo demais de nosso olhar para que possamos

El instante aprendiz*

  *Traducción:    Prof. Dra. Arantxa Serantes (La Coruña/Espanha) Al esbozar apuntes sobre una lógica de la locura, un envés del absurdo se desvela en astillas de múltiples caras. Frontera donde la normalidad se reconoce en sus paradojas. Una de las características de la expresividad delirante es ensimismarse en desacuerdo con el mundo alrededor. Crea dialectos de difícil acceso para proteger sus versiones de mayor intimidad. El papel de la Filosofía Clínica en la intersección con la crisis inmediata también es presentación indeterminada en un proceso caracterizado por la exageración de la manifestación del que comparte. Un no saber vehicula provisionales verdades en el compartir deconstructivo de las sesiones. Representaciones existenciales difusas se alternan en narrativas del tiempo de la persona. El lenguaje de la locura se constituye en un conjunto de convivencias estúpidas. El punto de partida es la extraordinaria lengua de la persona estructurada en alguna forma caótica. Ernst C

Esquizofrenia?*

O que quero enfatizar agora, desde o início, é que a alegação de que algumas pessoas têm uma doença chamada esquizofrenia (enquanto outras supostamente não têm) foi baseada apenas na autoridade médica e não em qualquer descoberta médica; que foi, em outras palavras, resultado de uma decisão política e ética e não de um trabalho empírico ou científico.  Thomas Szasz; Mercedes Benet. Esquizofrenia: el símbolo sagrado de la psiquiatria. p. 13. Os comportamentos humanos podem ser considerados normais ou anormais somente em referência a algum padrão. E isso não é novo. Os primeiros estabelecimentos de reclusão ou confinamento de pessoas “anormais” vêm antes do século XV e essa prática de avaliação de anormalidade muito antes desse tempo.  No entanto, as explicações sobre esses comportamentos podem ser de várias áreas tais como sociais, antropológicas, éticas, políticas etc., mas não médica. A não ser que esta pessoa tenha uma lesão no cérebro onde diretamente esteja afetada suas condições

Porta-retratos*

“Quando não chega carta planejo arrancar o calendário da parede, na sessão de dor.”                                                  Ana Cristina Cesar                                                    Andas beijando meninas e meninos, claro, não na mesma ordem. Eu beijei por última vez uma parede, aquele velho porta-retratos, enquanto voltavas de viagem, anos 1980 dos velhos amores. Estou pronto ao novo tempo, o distanciamento trouxe na bagagem a solidão, o passado das outras vidas que vivi se aproxima na mesma intensidade viral da poesia em movimento. Foi como um tsunami, a força das águas levou meus sentimentos para além desta cidade. O vírus espalha sombras do esquecido, ele não consegue entrar no que se fecha, cerrado, o peito fortalecido pelo respeito, a solidariedade, não o medo, este já existe em todos os cantos deste país. Janelas abertas, sol que entra junto com a lua, invasora dos acontecimentos.   Ando relendo os meus amores, as amizades, os que já partiram antes m

A escuta e o mundo*

As vezes contamos histórias para esquecê-las enquanto quem ouve se comove e as leva consigo para partilhá-las noutros lugares. Os desabafos podem nos deixar mais leves ao mesmo tempo em que complementa lacunas de quem já aprendeu a ouvir. A escuta pode libertar ao ponto de aprendermos a desapegar do que passou, deixando partir em paz o que não faz mais sentido. Pois, só é dolorosa qualquer partida quando ainda não se compreendeu que nada é para sempre, sobretudo, quando se trata do efêmero. Ou seja, se podemos tocar, lembrar ou sentir significa que é finito e que durará somente o suficiente para ecoar e seguir adiante se transformando. Por isso, as histórias sempre serão tão importantes seja para quem as esqueceu seja para quem as recebeu para aprender mais uma nova forma de enxergar o seu mundo ou de lidar com as próprias emoções. Enfim, as vezes a palavra é o nosso melhor remédio, outras vezes é o único. Musa! *Prof. Dr. Pablo Mendes Filósofo. Mestre e Doutor em Filosofia. Ed

Uma clínica da não-palavra*

  " (...) não há qualquer embarcação de lazer nesse rio. Atraídos por uma irresistível corrente, chegam das tempestades e calmarias do mar, do seu silêncio e solidão, para o ponto de ancoragem que lhes é atribuído (...)”                                                                                Virginia Woolf   Existem múltiplos refúgios na expressividade de um não dizer. As poéticas do indizível buscam expandir o conceito para reinventar a ideia. Seus relatos se oferecem entre parênteses, como uma saga sem nome ao olhar. Nesse texto indefinido, sua menção aparece em rascunhos de feição indeterminada. Ao não ser verbalizado, sua redação caótica, um pouco antes de ser ajustada pela compreensão, deixa entrever a estrutura de onde partiu. Assim, uma inédita zona se anuncia em rastros de originalidade. Sua feição inaudita pode ser descoberta no silêncio porta-voz, assemelha-se à transgressão das miragens nos apontamentos de luz e sombra. Essa nascente possui uma lógica pró

Como quem ouve uma sinfonia*

Um grande e verdadeiro amor pode ser sutil, encabulado, assustado e no fundo encantado. Esconder um sentimento pode ser um ato de caridade, de compaixão e mesmo de verdadeiro amor. Não dizer eu te amo, mesmo diante de uma certeza inexorável, pode ser muito sábio. É possível que o ser amado não esteja passando pelo melhor momento em sua vida e que isto transmita a ele uma responsabilidade difícil de assumir no momento. Muitas vezes ele te ama muito mais do que você ou ele possam imaginar, mas não consegue ou tem medo de expressar. Pode estar traumatizado, pode ter sido golpeado recentemente, pode estar sendo vítima de uma pessoa doente que o persegue. Talvez ele não te ame mesmo, mas existem várias maneiras de sentir isso. E isto é um direito. Talvez ele ainda não tenha descoberto o que sente ou mesmo não queira admitir e é importante respeitar. Entender que existe o tempo de cada um, o tempo que se leva para aceitar que estamos amando alguém. Às vezes, as pessoas têm muita ansi

Visão de mundo e representação*

Vivemos num tempo de crise. Todavia, a crise de nosso tempo não tem quatro anos, nem onze, nem vinte e três ou sessenta: tem quatro séculos. Consideramos a crise deste momento mais séria e mais urgente que muitas outras não porque ela seja realmente mais séria e mais urgente, mas porque ela é 𝘯𝘰𝘴𝘴𝘢 . A nossa crise é a conseqüência mais evidente de um processo de transformação da visão de mundo na Modernidade: antes a realidade, concebida como um Cosmos, multiplicava-se em diversos campos ontológicos – reunidos na compreensão humana por meio dos símbolos. Assim, todos os objetos do mundo eram ontologicamente complexos: participavam de vários campos do real, e por isso não podiam ser compreendidos a partir de uma única perspectiva. É esta a razão pela qual o ideal de sabedoria não era a super-especialização do intelecto, mas a síntese de vários campos numa única inteligência. Contudo, os filósofos modernos – e os cientistas, e depois quase todas as pessoas – passaram a enxergar

Uma perspectiva prática da recíproca***

  A metodologia da Filosofia Clínica contempla elementos que constituem a estrutura de pensamento e os modos de agir de cada pessoa. Alguns elementos, como a inversão e a recíproca, podem estar tanto na espacialidade intelectiva quanto nas ações do indivíduo. Simplificadamente, inversão é o movimento de trazer o outro ao seu próprio mundo, enquanto a recíproca é ir em direção ao outro. No espaço terapêutico, a recíproca pode fazer parte da qualificação da relação terapeuta/partilhante, sendo utilizada pelo terapeuta que escuta, acolhe e, principalmente, se isenta de suas perspectivas do mundo e das relações diante do discurso existencial do partilhante. Assim, considera essencialmente o outro para possibilitar o espaço da construção compartilhada. Em um esboço preliminar, através do discurso existencial do partilhante, a recíproca pode aparecer como tópico importante da estrutura de pensamento. Com a evolução do tempo terapêutico, através do acesso à historicidade, às circunstâncias, à

Antes de morrer, viva!*

  Atenção! Este artigo pode ser lido por pessoas de todas as idades, mas dependendo da faixa etária, despertará interesses diversos e quem sabe até antagônicos. Jovens não têm ideia e nem imaginam como será sua velhice, muito menos a morte. Já os velhos, mais sábios e experientes, convivem com a proximidade da morte mais realisticamente. Embora possa parecer paradoxal, este artigo é dedicado a todos aqueles que não querem envelhecer. Jovens, meia-idade e idosos, leiam enquanto é tempo. Um dos grandes sonhos da humanidade é a descoberta da fonte da juventude. Fortunas e vidas foram e continuam sendo gastas nesta procura. Milhões de pessoas foram enganadas com promessas de retardar, parar ou reverter o envelhecimento e a ilusão da vida eterna. Nas bases científicas atuais, imortalidade ainda é uma impossibilidade. Mesmo eliminando todas as causas de morte relacionadas ao envelhecimento que aparecem nos atestados de óbito, ainda assim ocorreriam acidentes, homicídios, suicídios e os p

Silêncio que acolhe*

Gostaria de relatar uma ida minha ao Teatro, quando a noite terminou com forte emoção e muitas reflexões. Era uma noite fresca em São Paulo, dia 26 de fevereiro de 2011, o Teatro Tucarena. A peça, Dueto Para Um, uma adaptação de um dos textos mais conhecidos do inglês Tom Kempinski, inclusive virou filme em 1986 dirigido por Andei Konchalorsky e roteirizado pelo próprio Tom Kempinski, no Brasil foi batizado de Sede de Amar tendo a atriz Julie Andrews no papel do personagem Stephanie. Texto bem escrito, diálogos fortes, a história verídica conta a trajetória da renomada violoncelista inglesa Jacqueline Dupré, que no auge da sua carreira profissional, vê-se impedida de exercer sua vocação por adquirir uma doença degenerativa. A violoncelista vivia em Londres, concertista de renome internacional, era um dos gênios da arte interpretativa do séc. XX segundo João Carlos Martins. Casada com o pianista e maestro Daniel Baremboim é por ele incentivada a procurar uma ajuda terapêutica para cuida