Pular para o conteúdo principal

Postagens

O sexo começa muito antes da cama*

Antes há de acontecer delicadezas dentro dos olhares Antes há de entrelaçarem-se corações, almas afins em muitos sins para um caminho aonde a alegria seja o fim de um desejo compartilhado, esperado, sonhado, enfim. Antes há de acontecer delicadezas dentro dos olhares que vislumbram com clareza e comunicam com certeza, antes, ainda na mesa, que a hora da beleza vem chegando, trazendo de mansinho por meio de elogios sinceros e, ao mesmo tempo, temperados com o ensejo acobertado que apetece os sentidos em busca de momentos, suprimentos, alimentos, alentos para os corpos sedentos. Antes, haverão beijos em meio ao nada das bocas caladas que não justificarão e nem tão pouco se defenderão do amor que querem sentir com o doce nos lábios molhados do outro, tanto amado, desbravado, despido de todo medo. Antes, haverá respeito e gosto sincero por um jeito que mesmo parecendo ser defeito, desfeito será, inexplicavelmente, aos olhos do mundo que julga e compõe

O Ofício*

Escrevo para sentir nas veias o voo da pedra. Antecipação da paz neste país de granadas moldadas no silêncio dos frutos. Escrevo como quem escava no bojo da sombra um mar de claridade. Pedras vivas de possibilidade as palavras levantam o crime, os pássaros do pântano Escrevo no grande espaço obscuro que somos e nos inunda. Casimiro de Brito

Desejos*

Há muito, muito tempo começamos a gestar o micróbio da realidade que temos agora. Os anos calcificaram tanto a percepção até não mais lembrarmos que as agruras enfrentadas são justamente os males um dia pensados, materializados nas condições físicas e materiais do entorno ora vil. Um ditado para isso: “cuidado com o que desejas, pois pode se realizar”. Naquele tempo, não se sabia do “Segredo”, essa geração espontânea a partir do pensamento. E foi-se, dia após dia, não podendo mudar as circunstâncias nem a si mesmo, elaborando pragas e perjúrios, fornecendo substância para o que seria, no meio da jornada, uma pedra oca a guardar a escuridão. Numa estrada de terra no meio do quase nada, o motorista diz: “Olhe como são as coisas. Quando eu era menino, ficava andando nas estrada no Ceará, andava muito mesmo; de vez em quando, pegava carona e eu pensava – ainda vou dirigir um carro por essa terra toda. E hoje to aqui, sou motorista”. Por isso a gente precisa planejar o que quer

Este é o Prólogo*

Deixaria neste livro toda minha alma. Este livro que viu as paisagens comigo e viveu horas santas. Que compaixão dos livros que nos enchem as mãos de rosas e de estrelas e lentamente passam! Que tristeza tão funda é mirar os retábulos de dores e de penas que um coração levanta! Ver passar os espectros de vidas que se apagam, ver o homem despido em Pégaso sem asas. Ver a vida e a morte, a síntese do mundo, que em espaços profundos se miram e se abraçam. Um livro de poemas é o outono morto: os versos são as folhas negras em terras brancas, e a voz que os lê é o sopro do vento que lhes mete nos peitos — entranháveis distâncias. — O poeta é uma árvore com frutos de tristeza e com folhas murchadas de chorar o que ama. O poeta é o médium da Natureza-mãe que explica sua grandeza por meio das palavras. O poeta compreende todo o incompreensível, e as coisas que se odeiam, ele, amigas as chama.

A palavra devaneio*

É incomum notar a existência de algo que restaria silenciado, não fora um olhar absorto, indeterminado, sentir improvável de um sonhar acordado. Esse lugar de refúgio aos desatinos da criação, concede uma estética de acolhimento ao viajante das quimeras.   Nessa região, onde eventos sem nome rascunham invisibilidades, é possível intuir vias de acesso de essência não epistemológica. Seu teor, ao pluralizar versões desconsideradas, faz acordar aquilo que dormia. Ao desalojar esses fenômenos, desconstrói o aspecto irrealizável das promessas. Seus rastros reivindicam a singularidade alterada para se mostrar. Assim a pessoa, deslocando-se por esses refúgios, ao ser ela mesma, já é outra. Uma estética do devaneio, ao convidar para o exercício da ficção, oferece achados imprevisíveis. Inicialmente desconfortável nesse chão desconhecido, o sujeito pode vivenciar insegurança, dúvida, receio. No entanto, ao persistir as visitas por esse ambiente especulativo, pode desvendar-se em proj

A estranha efemeridade do ser*

“Não há fatos eternos como não há verdades absolutas”. (Friedrich Nietzsche)   Quanto mais as eras se acumulam, mais a humanidade se esforça para permanecer fantasticamente bizarra. Não importa em que raio do planeta sua representação esteja, ela caminha insondável em praticamente todos os seus aspectos. Ao mesmo tempo em que fascina, surpreende, envolve... também insiste em escapar por entre os véus de uma estranheza que parece não ter fim. E não é interessante que se explique ou se justifique no que quer que seja. O (des)encanto de sua natureza exige que continue obscuro. Talvez em troca da garantia de que permanecerá incompreensível – tanto pela insanidade que cultiva perenemente quanto pela insistência em perseguir a trilha oposta à simplicidade que a faria melhor – aos olhos dos mortais que abriga.     Cabe questionar se a entidade criadora presente no caldo primordial previu todas as diversidades, incongruências, incertezas e improbabilidades presentes na dimensão

Duplo*

Olho-me adentro sem cessar e no silêncio e na penumbra de mim mesmo não me exprimo nesse mim que se esconde e se retrai no vago espaço de uma célula e vai construindo outro mim de mim, disposto em gêmeos compassos, e não aparece ao olho, ao espelho, à imagem casualmente em máscara, fechado à curio- sidade de meus olhos lacerados, cegos de tanta luz enganosa, nem se derrama sobre a superfície polida e indiferente, enquanto cresce em mim a presença de estranho ser não eu, de irrevelada e própria pessoa, que domina esse meu corpo, casca de angústia e contradições simétricas envolventes, e me explora e me assimila; mas sou eu só a me percorrer e nele me vejo e sinto, como de dois corpos iguais matéria viva, e me faço e refaço e me desfaço sempre e recomeço e junto a mim eu mesmo, gêmeo, nada acabo e tudo abandono, dividido entre mim e mim na batalha interminável... *Fernando Py

Guga...*

Não há o que fazer. Acontece, assim, sem querer, o apaixonamento. Num movimento. Vem e fica. Toma conta e tudo significa. Pelo tempo que precisar. Com a intensidade necessária. Pois é, devo confessar. Estou me apaixonando por um homem!! Um menino. Meu neto. Encontramo-nos, então, olhando um para o outro. Por instantes. Que se prolongam por minutos. E por meias horas. Olhares que tranquilizam. E falam tanto. Brilham os olhinhos dele. E fazem brilhar os meus. O que se passa nesta cabecinha? Não se precisa de respostas.... O tempo para. Diante de um olhar assim puro e inocente. Está aprendendo a sentar. A descobrir o mundo. Tudo ao redor. Construindo suas primeiras palavrinhas. Ainda em forma de sons. Que já podem ser entendidos. Ou imaginados.... Sinto-me assim: netinhos e avôs constroem mundos que somente eles entendem. Pelo olhar. Percebo-me voltando a ser criança outra vez. Faz muito sentido nesta etapa da vida. Assim me vejo, imaginando, que nos entendemos. E nos enten

Eu não Quero o Presente, Quero a Realidade*

Vive, dizes, no presente, Vive só no presente. Mas eu não quero o presente, quero a realidade; Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede. O que é o presente? É uma cousa relativa ao passado e ao futuro. É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem. Eu quero só a realidade, as cousas sem presente. Não quero incluir o tempo no meu esquema. Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas                          como cousas. Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes. Eu nem por reais as devia tratar. Eu não as devia tratar por nada. Eu devia vê-las, apenas vê-las; Vê-las até não poder pensar nelas, Vê-las sem tempo, nem espaço, Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê. É esta a ciência de ver, que não é nenhuma. *Fernando Pessoa in versão Alberto Caeiro

As palavras*

As palavras têm asas Voam para o mundo Levam e trazem sonhos Constroem ninhos De poesias e prosas Nos livros e escritos Cantam e encantam Pousam na alma dos escritores E se transformam em pássaros Hoje é nosso dia! Amém a todos que se encontraram E, nas palavras levantaram voo. *Rosângela Rossi Psicoterapeuta, Escritora, Filósofa Clínica Juiz de Fora/JF 

Do que nada se sabe*

A lua ignora que é tranquila e clara E não pode sequer saber que é lua; A areia, que é a areia. Não há uma Coisa que saiba que sua forma é rara. As peças de marfim são tão alheias Ao abstrato xadrez como essa mão Que as rege. Talvez o destino humano, Breve alegria e longas odisseias, Seja instrumento de Outro. Ignoramos; Dar-lhe o nome de Deus não nos conforta. Em vão também o medo, a angústia, a absorta E truncada oração que iniciamos. Que arco terá então lançado a seta Que eu sou? Que cume pode ser a meta? *Jorge Luis Borges

Literatura anônima*

Escrita, pichada, falada. Nos muros, nos lares, nos bares, nos mundos. De direita, de esquerda, pelega, reacionária. De amor, de dor, de horror, de flor. Inventada, copiada, esculpida e aclamada. De ninguém, de todo mundo. Pra ninguém, pra alguém. Direta ou indireta, clara ou obscura. Que fala de algo, que não fala de nada. Que escuta, que sussurra, que apanha, que esmurra. Com uma palavra só, com palavras sem dó. Musicada ou palavreada. Com licença fonética. Nos ônibus, trens, metrôs, barcas, aviões. Nas paradas, nas estações, nos embarques e desembarques. Sem graça, engraçada, politizada, despreocupada. Sobre sexo, maconha, rock ’n’ roll. Em uma imagem fotografada, pensada, sonhada, pintada. Literatura não é só palavra. Literatura não é só conto, poema, verso ou prosa. Ela está em lugar-nenhum e está em todos os lugares. Assinada ou não ela sempre será literata. *Vinicius Fontes Filósofo Clínico Rio de Janeiro/RJ

As memórias do eterno*

Porque escrevo ? Escrevo por dentro por não ser alma por fora Não compreendo, sinto apenas. Pensamentos são veios: poetas, filósofos. Troco o amargo pelo agrado. Mentiras por falsas verdades... É preciso escrever mesmo em maltratadas palavras! Sentir, olhar, andar... Trincar o cambalear de incertezas. Por isso escrevo! Para que as memorias do eterno estendam sobre o cotidiano a luz do frescor e os ruídos da lógica. *Djandre Rolim Poeta Cigano Campo Grande/MS

A ousadia de ser si próprio*

Para sermos autênticos pagamos um preço. A sociedade não “perdoa” aquele que a renega. Somos incitados à falta. Nossas necessidades são forjadas pela lei do similium. Temos que obter tudo aquilo que o outro possui, não importando a que preço. Necessitamos adquirir. Somos estimulados a não pensar e a não decidir. Para isso existe uma infinidade de profissionais como a nutricionista, que nos diz o que devemos ingerir (nosso gosto, onde fica?); o terapeuta, que nos “esclarece” sobre determinada emoção ou comportamento; o estilista, que sentencia a cor da moda, ao infinitum. Desde pequenos somos direcionados a não confiar em nós mesmos, a não compactuar com nossa verdade interna, a negar nossas vontades e desejos. Em 1784, Emanuel Kant discorreu sobre esse tema, em uma revista berlinense. Seu célebre artigo O que é o Iluminismo, (nesses tempos de padronização de comportamentos e atitudes) nos conduz à reflexão. Sapere aude! Atreve-te a saber! Essa é sua máxima. Kant no

Canção do dia de sempre*

Tão bom viver dia a dia... A vida assim, jamais cansa... Viver tão só de momentos Como estas nuvens no céu... E só ganhar, toda a vida, Inexperiência... esperança... E a rosa louca dos ventos Presa à copa do chapéu. Nunca dês um nome a um rio: Sempre é outro rio a passar. Nada jamais continua, Tudo vai recomeçar! E sem nenhuma lembrança Das outras vezes perdidas, Atiro a rosa do sonho Nas tuas mãos distraídas... *Mário Quintana

Visitas