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Para quê ler tantos livros e participar de vários cursos se não for para mudar de ideia?*

Se ouvir algo parcial ou completamente divergente só o leva a reforçar suas próprias convicções a fim de combater o diferente, não perca seu tempo. Invista na manutenção da pequena bolha de seu saber. Mas, se quiser deixar seu confortável porto seguro e avançar para o alto mar, prepare-se. É uma aventura que dificilmente o levará a querer retornar a seu antigo refúgio. Caso volte, verá um local inóspito, pois você não será mais o mesmo. Isso vale para a filosofia, mas também para o âmbito da fé. Aliás, é paradoxal que um amigo (filo) da sabedoria (sofia) queira agir como um sábio e um religioso se coloque como portador do conhecimento do próprio mistério. Tomás de Aquino mandou queimar sua obra filosófico-teológica porque a viu como palha diante da experiência que havia tido. Curiosamente, hoje, alguns a tomam como a “bíblia” inerrante e oracular da filosofia e da teologia. Platão se valeu de recursos poéticos para falar sobre o Bem. E o que dizer de Heidegger que,

Fragmentos Filosóficos, Delirantes, Criativos*

"Em seu ser atual, as palavras, acumulando sonhos, fazem-se realidades" "(...) As belas palavras são já espécies de remédios" "Que benefícios nos proporcionam os novos livros! Gostaria que cada dia me caíssem do céu, a cântaros, os livros que exprimem a juventude das imagens. Esse desejo é natural. Esse prodígio, fácil. Pois lá em cima, no céu, não será o paraíso uma imensa biblioteca ?"   "O devaneio nos põe em estado de alma nascente (...) o devaneio nos dá o mundo de uma alma, que uma imagem poética testemunha uma alma que descobre o seu mundo, o mundo onde ela gostaria de viver (...)" "Uma leitura sempre no clímax das imagens, imbuída do desejo de ultrapassar os clímax, dará ao leitor exercícios bem definidos de fenomenologia. O leitor conhecerá a imaginação em sua essência, porque a viverá em seu excesso, no absoluto de uma imagem inacreditável, signo de um ser extraordinário" "(...) Como está próximos

Gaston Bachelard, a Ética e a Poesia*

Em 16 de outubro de 1962, Gaston Bachelard nos deixava. Bachelard nasceu em 1884 numa família de pequenos comerciantes no interior de Bar-sur-Aube, em Champagne. Passou a infância nos campos. Foi funcionário dos Correios. Esteve nas tricheiras por 38 meses durante a guerra, instalando e reparando cabos telegráficos, e recebeu a Croix de Guerre. Tornou-se pai em 1919 e viúvo em 1920. Entre 1919 e 1930, foi professor de física e química no liceu de sua cidade. Obteve seu doutorado em filosofia aos 42 anos, em 1927, quando também publicou seu primeiro livro e ingressou como professor na faculdade de letras de Bar-sur-Aube. Lecionou em sua cidade natal até 1940, ano em que se tornou professor na Sorbonne. Bachelard foi professor de uma geração notável de intelectuais - como Canguilhem, Foucault, Derrida, Althusser, Bourdieu. A despeito de ter vivido a guerra e de ter lecionado na Sorbonne sob o regime de Vichy, a sua filosofia não possui um caráter político ou ético - não,

Fragmentos Filosóficos, Literários, Criativos*

"Depois do trabalho, Kafka saía para caminhar pelas ruas da velha Praga (...) Era só mais um solitário entre tantos. Em meio à multidão, gozava o prazer do anonimato e da indiferença, que lhe davam a sensação, valiosa, de desaparecer. Quem levaria a sério aquele homem reservado e esquisito, que parecia sempre em fuga ? (...)"   "Toda literatura é estrangeira, mesmo para aquele que escreve. Não se pode dizer de onde ela vem, e nem mesmo o que ela pretende de quem escreve (...)" " Língua pessoal, intransferível, que só o próprio escritor pode decifrar - e a literatura é essa decifração, ou a esperança de decifração" "A literatura não tem chaves (se oferece chaves, não é literatura), nem traz soluções (se oferece soluções, é antiliteratura). Apresenta, apenas,  hipóteses provisórias, fantasias que nos ajudam a experimentar o mundo, a suportá-lo, e a dele tirar algum sentido e alguns momentos de prazer"  "Em um mundo obstruí

Fiz cinquenta anos, e agora?*

A medicina diz que começamos a envelhecer a partir dos 30 anos de idade. Comigo não foi bem assim. Comecei a envelhecer quando meu filho nasceu. Por coincidência tinha justamente trinta anos. Achava que como pai tinha responsabilidade financeira e gastava todos meus dias trabalhando para sustentar a família. Chegava em casa tarde da noite, acabado de tanto cansaço, mal conseguindo aproveitar o calor de um lar. Voltei a ficar jovem quando nasceu meu neto. Brincamos juntos todas as manhãs na pracinha do bairro e me renovo todo dia.    Comecei a envelhecer quando me preocupei em esconder os primeiros fios de cabelo branco. Rejuvenesci quando deixei os grisalhos crescerem natural e desalinhadamente por cima das orelhas. Sentia-me um velho trabalhando sem prazer, amargurado, reclamando e só pensando no dia da minha aposentadoria. Depois de aposentado, virei criança. Esta conversa de envelhecer depois dos trinta começava a cair por terra. Pensava que depois de ficar viúvo, a vida

Fragmentos Filosóficos, Delirantes, Criativos*

"(...) uma concepção da matéria primitiva e da força original (...) um pequeno invólucro cultural para uma ideia primitiva, a qual também já impressionara os pré-socráticos, sem que Paracelso necessariamente a tivesse herdado deles. Estas imagens primitivas pertencem, na verdade, à humanidade em geral e podem reaparecer em qualquer cabeça de modo 'autóctone', independentes do tempo e do espaço. Para seu renascimento, necessitam apenas de circunstâncias propícias. O momento mais oportuno para isso é sempre quando uma visão do mundo desmorona e arrasta consigo todas aquelas formas e estruturas que outrora valiam como resposta definitiva (...)"  "Mesmo limitando-nos somente a descrever o 'médico' Paracelso, encontramos esse 'médico' em planos tão diversos e em tão múltiplas formas, que toda tentativa de descrevê-lo resultará em colcha de retalhos" "(...) Tudo nele tem grandes proporções ou, dito de outro modo, tudo nele é exage

Amplidão Mínima*

[...] seu crescimento é doloroso como o de um menino e triste como o começo da primavera.”                                                    Rainer Maria Rilke Eu não minto, não meto, Descubro linhas, acerto, perco o tempo, Encontro os pontos, absurdo na meta, Desconto a vida em linha reta. Sinuosidade da morte: Acho o lúdico, súbito, mordo língua, Nado a esmo, lá no fim águas, Olhos vivos nas algas da solidão, Enfio mãos, naufrago em Mar de Espanha. [1] Afundo sonhos, renovo ideias, conto histórias, Faço o cerco, prolongo a narrativa, escapo da morte, Invento mundos, amplio a visão, mato tempo em vão, Encontro espaços entre o Nada e o tempo de viver. Histórias forjadas, atos do pensamento, nada perdido, Livros lidos nunca escritos, sonho noutros lugares, Vivo distante do meu lugar, destino no acaso faz-me errante. Nunca saio do meu canto antes de olhar a fadiga das paredes. O ser não envelhece no tempo, é mais velho que a morte dos pensamen

Fragmentos Filosóficos, Delirantes, Criativos*

"Um mapa é uma síntese da realidade, um espelho que nos guia na confusão da vida. É preciso saber ler entre as linhas para encontrar o caminho. (...) Se a pessoa estuda o mapa do lugar onde mora, primeiro tem de encontrar o lugar em que está ao olhar o mapa" "(...) Naquele momento compreendi o que já sabia: o que podemos imaginar sempre existe, em outra escala, em outro tempo, nítido e distante, como num sonho" "O 'Aleph', o objeto mágico do míope, o ponto de luz em que todo o universo se desorganiza e se reorganiza conforme a posição do corpo, é um exemplo dessa dinâmica do ver e do decifrar. Os signos na página, quase invisíveis, se abrem para universos múltiplos. Em Borges, a leitura é uma arte da distância e da escala" "(...) o romance - com Joyce e Cervantes em primeiro lugar - procura seus temas na realidade, mas encontra nos sonhos um modo de ler. Essa leitura noturna define um tipo particular de leitor, o visionário, o

Limitação e possibilidade*

“Com as grandes obras, os sentimentos profundos significam sempre mais do que têm consciência de dizer.”                                                                  (Albert Camus) Não se trata de inconsciente. O assunto aqui é o reconhecimento da limitação humana. Camus postula que o mundo é um absurdo. Este se dá com a incompatibilidade da razão em querer compreender a ordem e o todo do mundo, com o mundo e sua impossibilidade de ser completamente abarcado pela razão. Um filósofo clínico compartilha da limitação com que o filósofo do absurdo postula. Mas, essa concordância é referente à pessoa humana. Dado que esta não pode ser totalmente abarcada pela razão. O partilhante é um mundo a ser desvelado. Não mais em sua totalidade, mas no que for possível para auxiliá-lo em sua existência. Há ausência de verdade absoluta, talvez uma das afirmativas mais polêmicas da Filosofia Clínica. Há representação singular do mundo, mesmo que à primeira vista tente-se buscar

Fragmentos Filosóficos, Delirantes, Criativos*

"Pronunciar uma palavra é, por assim dizer, tocar uma tecla no piano da representação" "(...) e de uma maneira mais ou menos semelhante, que, um nome designa uma coisa, e que se dá um nome a uma coisa. Será sempre útil, quando filosofamos, dizermos a nós mesmos: dar nome a algo é semelhante a afixar uma etiqueta em uma coisa" "Podemos ver nossa linguagem como uma velha cidade: uma rede de ruelas e praças, casas velhas e novas, e casas com remendos de épocas diferentes; e isto tudo circundado por uma grande quantidade de novos bairros, com ruas retas e regulares e com casas uniformes"  "(...) representar uma linguagem equivale a representar uma forma de vida" "(...) E essa variedade não é algo fixo, dado de uma vez por todas; mas, podemos dizer, novos tipos de linguagem, novos jogos de linguagem surgem, outros envelhecem e são esquecidos" "A expressão 'jogos de linguagem' deve salientar aqui que fala

A palavra profecia*

                          Nas palavras do oráculo se vislumbra um rascunho de conjecturas: ‘encontrarás o paraíso ao descobrir a tua singularidade’. Essa afirmação contém mais do que se possa nomear. Ao ser despercebido pela ótica dos consensos e protocolos, seu teor se oferece num tempo subjetivo. Aqui se trata de aproximações com o inenarrável de qualquer coisa. Um desses eventos em busca de emancipar a percepção comum ao visar incomum. Ao antecipar algo ainda sem nome, um pouco antes das percepções consentidas, sua menção se encontra num presente a perseguir horizontes desconhecidos. Tendo acesso ao vocabulário das quimeras, propriedade de cada um, é possível compreender e dialogar com a vertigem desses instantes. A palavra profecia revela uma interseção muito íntima entre dizer e acontecer. Sua transcrição atualiza o passado num futuro de possibilidades. Esse lugar onde os presságios acontecem, reflete um olhar aproximativo com as terras distantes

Fragmentos Filosóficos, Delirantes, Criativos*

"(...) Assim, a relação entre as coisas e meu corpo é decididamente singular; é ela a responsável de que, às vezes, eu permaneça na aparência, e outras, atinja as próprias coisas; ela produz o zumbir das aparências, é ainda ela quem o emudece e me lança em pleno mundo" "(...) como se minha própria visão do mundo se fizesse de certo ponto do mundo (...) a cada movimento de meus olhos varrendo o espaço diante de mim, as coisas sofrem breve torção, que também atribuo a mim mesmo" "A criança compreende muito além do que sabe dizer, responde muito além do que poderia definir, e, aliás, com o adulto, as coisas não passam de modo diferente" "Um mundo percebido, certamente, não apareceria a um homem se não se dessem condições para isso em seu corpo: mas não são elas que o explicam" "(...) a este saber que eu sou, o mundo não pode apresentar-se a não ser oferecendo-lhe um sentido, a não ser sob a forma de pensamento do mundo. O s

Sobre leituras aprofundadas*

Não é possível ler com profundidade todos os livros que desejamos conhecer. Acho até complicado seguir o método de leitura proposto por Mortimer Adler para ler satisfatoriamente todos os livros indicados por ele e mais outros que nós escolheremos para nossa própria pesquisa. Essa dificuldade se agrava se tomamos conhecimento dessa obra e/ou inicia sua vida intelectual depois de certa idade. Uma orientação adequada na adolescência é diferente de quando é adquirida na vida adulta. Basta observar nossa educação básica, para constatarmos que essa é a realidade da maioria dos brasileiros. Não há uma fórmula mágica para solucionar esses limites. Então, o jeito é nos esforçar para superar a precária educação recebida e buscar progredir diariamente. Outro ponto importante é saber escolher o que vamos ler e, entre estes escolhidos, distinguir o que leremos minuciosamente e o que será lido de modo mais panorâmico em busca de elementos específicos na obra. Ainda dentro desse a

Fragmentos Filosóficos, Delirantes, Criativos*

"Passamos à poesia; passamos à vida. E a vida, tenho certeza, é feita de poesia. A poesia não é alheia - a poesia, como veremos, está logo ali, à espreita. Pode saltar sobre nós a qualquer instante" "Creio que Emerson escreveu em algum lugar que uma biblioteca é um tipo de caverna mágica cheia de mortos. E aqueles mortos podem ser ressuscitados, podem ser trazidos de volta à vida quando se abrem as suas páginas"  "(...) ele escreveu que o gosto da maçã não estava na própria maçã - a maçã não pode ter gosto por si mesma - nem na boca de quem come. É preciso um contato entre elas" "Gostaria de dizer que cometemos um erro bastante comum ao pensar que ignoramos algo por sermos incapazes de defini-lo" "O filósofo chinês Chuan Tzu, ele sonhou que era uma borboleta e, ao acordar, não sabia se era um homem que sonhara ser uma borboleta ou uma borboleta que agora sonhava ser um homem" "As palavras, diz Stevenson, sã

Anotações e reflexões de um pensador*

O domínio da língua não se esgota na leitura e na escrita proficiente. A língua é composta por muitas linguagens que se inscrevem em diferentes regiões hermenêuticas. Ao transitar por um texto escrito numa região hermenêutica desconhecida, um leitor se encontra numa situação de analfabetismo simbólico – ele não interpreta corretamente o texto porque desconhece os complexos nos quais os seus símbolos se inscrevem. Esse leitor está como que diante de um texto escrito noutra língua, uma língua ignorada. Todavia – e aí está o problema –, ao ler o texto que escapa ao seu horizonte simbólico, ele acredita compreender o que está escrito. O exercício intelectual mais difícil é o reconhecimento da própria ignorância: se eu conheço todas as palavras de um texto, como chegarei à conclusão de que a ordem em que elas são dispostas pode fazer emergir um nível hermenêutico de cuja existência não suspeito, um nível hermenêutico que eventualmente conferirá às palavras lidas um significado c

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