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A ordem do discurso*

Eu deitado na rede. Que o médico disse para pescar todos os sentidos profundos.                                                     Rogério de Almeida         A labuta de Paul-Michel Foucault, filósofo, que nasceu em Poitiers, na França, na década de 20, tem influenciado o pensamento em muitos campos da teoria social, principalmente da educação. Um dos principais desafios foucaultianos é a visão de que verdade e poder estão mutuamente interligados, através de práticas contextualmente específicas, que por sua vez, estão intimamente intrincadas à produção do discurso. No magnífico texto, A Ordem do Discurso, Foucault ao se pronunciar, percebe uma voz sem nome, e com isso permite ser arrebatado pela palavra. Com sólidos conhecimentos acerca das diversas manifestações de poder através do discurso, Foucault nos leva a compreender as idéias básicas de sua linha filosófica sobre saber, poder e sujeito, bem como a descobrir o poder das palavras no discurso do indivíduo, que ora o exclui,
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A biblioteca e os livros*

Uma biblioteca não é simplesmente um lugar em que podemos ler livros. Cada biblioteca é uma praça de resistência. É uma das últimas instituições em que qualquer pessoa pode entrar e ter livre acesso a bens de alto valor econômico sem que ninguém queira cobrar-lhe alguma coisa. * * * Em "Fahrenheit 451", Ray Bradbury descreve uma distopia em que os livros são proibidos. Lá as telas, a televisão, o entretenimento interativo tomam todo o lugar da cultura literária. Conseqüentemente a população se torna mansa e estúpida - e passa a odiar os livros como se fossem “armas carregadas”: "Nada mais simples e fácil de explicar! Com a escola formando mais corredores, saltadores, remendadores, agarradores, detetives, aviadores e nadadores em lugar de examinadores, críticos, conhecedores e criadores imaginativos, a palavra 'intelectual', é claro, tornou-se o palavrão que merecia ser. Sempre se teme o que não é familiar. Por certo você se lembra do menino de sua sala na

A matemática simbólica e a singularidade*

A novidade da filosofia clínica é a afirmação da singularidade. Cada partilhante é critério de si, a partir de sua historicidade, fornecendo parâmetros à realização dos procedimentos clínicos ao terapeuta. Mas, alguns desdobramentos dessa abordagem terapêutica são questionáveis. Refiro-me a questões relativas à matemática simbólica. Para refletirmos, uso a filosofia clínica como o método para melhor explicá-la, corrigi-la e desenvolvê-la. As linhas seguintes demandam concisão. Considero a filosofia clínica capaz de compreender formulações complexas ao analisar suas composições estruturais. No início da “Filosofia Clínica: propedêutica”, Lúcio Packter destinou as primeiras linhas para explicar o contexto histórico que permeou sua vida no período no qual iniciava suas pesquisas para a sistematização daquilo que mais tarde receberia o nome de filosofia clínica. A categoria circunstância descrita pelo autor nos ajuda a suspeitar que como o mundo parece é um tópico determinante em sua estru

Sobre os deslizes das margens*

Um cotidiano inacreditável compartilha suas origens na contradição com o mundo normal. Seu viés, ao surpreender a lógica dos princípios de verdade, descreve um saber estrangeiro. Sua expressividade insinua uma pluralidade estética. Sua dialética existencial se apresenta nas escolhas, atitudes, alternância de papéis existenciais. Pressentindo seus deslocamentos e a linguagem por onde se diz, pode-se acolher e traduzir a pátria exilada em si mesma. Sua irrealização aprecia reescrever para além de uma vida acumulando raízes. Ao espírito de rebanho, normalizado pela drogaria psiquiátrica, ser singular é doença. Nesse imenso território de dúvidas, inseguranças, um sujeito ameaça surgir. Seu deslize pessoal, ao mencionar os labirintos da subjetividade, amplia o fenômeno humano desconsiderado. Esse rascunho permanece invisível ao olhar cotidiano. Manuscritos precursores em tratativas de libertação. Sua lógica delirante esboça uma poética da singularidade. Com o vislumbre desses instantes de d

Tempo*

“... de receber do tempo o sonho mais profundo.”                           e. e. cummings Deslocamento existencial. O caminho entre a juventude e a leitura, passando pela dor constante do tempo perdido, do amor, da guerra, da morte, o falso-dorso, entre páginas marcadas por cintilante tinta, o esquecido entre as estantes, livro empoeirado, leitura retomada, a lentidão do passo, o caminhar até a cozinha, o ir até a piscina, nadar para salvar a alma do cansaço, uma dose de esperança, coração, a mão e braços em movimento constante. O aprendizado da vida, retilíneo de uma margem a outro lado do rio, olhar em viagem constante, o remédio em dose, a pressão arterial em sinfonia com violinos, abatimentos ocultos, o corpo em sincronia com o tempo de viver, o acordar antes que o tempo se apresse, o café ao sol, a fruta seca à janela, o pássaro que canta na palmeira. O primeiro dia da semana, o copo de vinho depois do expediente, a leitura final no começo da noite. A eterna solidão deste lu

Ouvir e compreender*

Encontros e desencontros* Nós somos todos linhas tortas porque nos encontramos. Nós somos quase todo feitos de encontros e de desencontros também; somos um conglomerado de fragmentos de você. Sim, nós somos linhas tortas porque linhas retas jamais se encontram mesmo sendo curvas infinitas. E certamente, escrever certo por linhas tortas parece cada vez mais ser o melhor caminho. Pois muito do que eu sou agora deve-se em grande medida as contribuições dos encontros e dos desencontros que compuseram e impactaram a minha vida tão somente porque a minha vida toda foi feita de histórias repletas de fatos que transcenderam e muito a lógica comum e cotidiana imposta pelos mais superficiais e céticos. A verdade é que quando se toma consciência de tudo que os encontros e os desencontros nos causaram fica difícil não nutrir paz e uma gratidão gigante e crescente por tudo que nos fora doado nessa jornada existencial sempre tão significativa, desafiadora e dignificante. Musa! ______________________

Algumas considerações sobre terapias***

A revista SUPERINTERESSANTE, edição 254, trouxe como matéria de capa: Terapia Funciona? Dei um longo depoimento, depois troquei alguns e-mails com a jornalista responsável pela matéria, onde aparece uma citação minha e algumas linhas esperançosas sobre o meu trabalho. Segundo a jornalista Denize Guedes, que assina a matéria, as neuroimagens de pesquisas, como a realizada na Universidade de Leeds, Inglaterra, apontam para um parecer: talvez “a psicoterapia não funcione pelo motivo que os terapeutas apontam”. O que faria com que a psicoterapia funcionasse na opinião de muitos especialistas é o efeito placebo, a convicção da pessoa de estar sendo auxiliada, da sugestão, da vontade da pessoa em sair do conflito. Existe algum endereçamento na Filosofia Clínica sobre isso? Primeiro, algumas vezes a psicoterapia funciona pelos motivos nomeados pelos terapeutas. Exemplo: às vezes impulsos reprimidos, o trabalho direto com os conflitos, a identificação de crenças entortadas faz com que a pessoa

Antipsiquiatria e filosofia clínica***

  A psiquiatria biológica não é medicina, não é científica, seus medicamentos não são tratamentos e seu livro Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM em inglês) não diag-nostica nenhuma doença mental. Mas se tudo isso for uma verdade, o que tem a ver com a filosofia clínica? Sem entrar na questão ideológica que há por trás da psiquiatria biológica - a construção de conceitos de “doenças mentais, o jogo do lucro que promove, favorece e impulsiona a indústria farmacêutica e o grupo de elite dos criadores da medicalização da vida, a reengenharia social através dos poderes institucionais da própria psiquiatria e das instituições que a apoiam etc. - ela é o oposto contraditório da filosofia clínica na questão de como se percebe o fenômeno humano. Em primeiro lugar, a psiquiatria biológica usa do verniz da medicina e da ciência como formas de “investigar” o comportamento humano. Digo “verniz” porque não passa disso, pois, psiquiatria biológica não é medicina nem ciên

Percepções e reflexões em Filosofia Clínica**

A Filosofia Clínica tem um jeito próprio de pensar, diferente. Traz para a terapia o olhar, os modos de compreensão e de entendimento das tradições filosóficas ocidentais. A sua originalidade é colocar como central a ideia de singularidade, que cada pessoa é diferente de cada uma das outras. Não há uma noção de ser humano a priori, pré-estabelecida. Cada um virá do seu modo e será recebido com o que lhe é próprio, em suas tonalidades afetivas, com aquilo que tem feito em sua história, nas circunstâncias de sua vida. Com sua loucura, suas maneiras de lidar com o mundo, com a existência, com os outros, consigo. Não trabalha com a noção de doença, nem com tipologias psicopatológicas. O que não quer dizer que não reconheça e trate dos fenômenos da depressão ou de comportamentos tidos como bipolares. Ansiedade, angústias, tédio e tantas outras formas de viver, de sofrer, fazem parte daquilo que se cuida em Filosofia Clínica. Cada vida pode ser vista como um fluxo de emoções, afetos e pensam

Um olhar para a singularidade***

  Pensar a singularidade é um exercício de ver que “A vida insinua-se de um jeito único na subjetividade de cada pessoa, lugar privilegiado para decifrar os enigmas da natureza (...)”, os enigmas de sua própria natureza, da natureza das coisas e do mundo. Aí, no fenômeno da singularidade, há espaço para o “exótico aparecimento”, quem sabe por esses caminhos possamos acessar alguma identidade, alguma integridade sobre quem somos, um pouco mais leves das bagagens impostas. Há quem busque comparações e generalizações ao longo da vida, há quem se adapte bem a esse modo de ser e ver as coisas, de ler o mundo através de termos gerais. Há quem se sinta completa ou parcialmente preso por essas tipologias, classificações e diagnósticos e, no entanto, careça de um outro tipo de olhar, o singular, ainda ofuscado, escondido em algum recanto seu ou do mundo, e sabe que algo em si fica sem espaço para transbordar diante de uma sociedade viciada em padrões, muitas vezes camuflados em discursos sobr

Anotações e reflexões de um filósofo clínico*

  Gosto da ideia apresentada pelo filósofo espanhol Julian Marías segundo a qual cada filósofo acerta na medida em que discorre sobre o que vê e, consequentemente, erra quando tenta falar sobre o que não alcançou.   Assim, é possível dizer que, sob certo aspecto, todo filósofo tem uma contribuição para o pensamento. Desse modo, seria inútil pensar a filosofia do “nós contra eles”, reduzindo tudo a uma dicotomia quase maniqueísta. Pode-se tecer críticas aos erros de uma obra, mas deve-se abrir os olhos para acolher acertos nela apresentados. Pressupor sinceridade na busca de anos de pensamento de um autor exposto em seus textos pode ser um bom ponto de partida. Além disso, julgar a vida de quem pensou para mensurar a validade de seu pensamento é um critério sofismático, nada filosófico. *************** A filosofia não está desvinculada de sua história. Por isso, é imprescindível o contexto filosófico no qual a obra de um autor está inserida. Os filósofos dialogam com sua tradi

Criticidade e Literatura***

Nem a gripe que me pegou de jeito esses dias abalou a vontade de dividir com vocês um pouco da relíquia que tenho em mãos... Ganhei de um amigo recente, o jornalista e escritor Celso Viola, um dos editores da Revista, a Edição 1, Maio de 2012, da ALEF, Revista de Literatura Ibero-americana, que traz esse nome em homenagem ao escritor argentino Jorge Luis Borges. Já no Editorial (ALEF ao leitor), deixa claro a que veio: para aproximar produtores culturais, de línguas e culturas diversas, irmanados pela resistência ao predomínio monetário, cultural e ideológico.     Minha alegria não poderia ser maior ao saber que foi gestada em minha cidade natal, Gramado / RS.     Mesmo enfermo, o pensamento crítico ainda vive e no que depender de mim e de outros tantos que tenho encontrado pelo caminho, seguirá pulsando...   Tem um artigo interessantíssimo sobre as bases do modernismo em Portugal, que faz integrar dois brasileiros à Geração Orpheu, citados pelo próprio Fernando Pessoa: o gaúcho Eduard

O caminho do meio*

  Só o meu é o caminho do meio. Já que só a mim me vejo ali.   Nem a direita, ou a esquerda, ou ao alto, ou abaixo, outrem vejo eu... O caminho do meio é ermo. Nem o tabaco de Buko, nem o legado de Buda.   É caminho que não se trilha trilha que não se abriu... nem os bebês cor de rosa nem as rosas do tango cálido!   Melancólico até é e não... Já que aporta minha alegria caduca  de quem está cabeluda de saber  que não se tem mais a se tirar do mundo,  por ninguém que esteja vivo, pisando sobre o planeta... É solitário, mas não é só - ou o contrário, sei lá...   Tem a sombra amiga e perigosa das minhas convicções nada inflexíveis,  no entanto fartas de conhecer que não há grande margem pra mudar segundo se pensa  dos outros lados onde transitam os demasiado crédulos, que se dão ao desfrute da demasiada ilusão!   O verdadeiro caminho do meio, não aporta o equilíbrio dos buscadores, nem a descompensação dos viciados... Distingue-se diametralmente desse outro de

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