Caligrafia.
Arte do desenho manual
das letras e palavras.
Território híbrido
entre os códigos verbal e visual.
— O que se vê contagia
o que se lê.
Das inscrições
rupestres pré-históricas às vanguardas artísticas do século XX.
Sofisticadamente
desenvolvida durante milênios pelas tradições chinesa, japonesa, egípcia,
árabe.
Com lápis, pena,
pincel, caneta, mouse ou raio laser.
— O que se vê
transforma o que se lê.
A caligrafia está para
a escrita como a voz está para a fala.
A cor, o comprimento e
espessura das linhas, a curvatura, a disposição espacial, a velocidade, o
ângulo de inclinação dos traços da escrita correspondem a timbre, ritmo, tom,
cadência, melodia do discurso falado.
Entonação gráfica.
Tais recursos
constituem uma linguagem que associa características construtivistas
(organização gráfica das palavras na página) a uma intuição orgânica, orientada
pelos impulsos do corpo que a produz.
Assim como a voz
apresenta a efetivação física do discurso (o ar nos pulmões, a contração do
abdómen, a vibração das cordas vocais, os movimentos da língua), a caligrafia
também está intimamente ligada ao corpo, pois carrega em si os sinais de maior
força ou delicadeza, rapidez ou lentidão, brutalidade ou leveza do momento de
sua feitura.
A irregularidade do
traço denuncia o tremor da mão. O arco de abertura do braço fica subentendido
na curva da linha. O escorrido da tinta e a forma de sua aborção pelo papel indicam
velocidade. A variação da espessura do traço marca a pressão imprimida contra o
papel. As gotas de tinta assinalam a indecisão ou precipitação do pincel no ar.
Rastos de gestos.
A própria existência de
um saber como o da grafologia, independentemente de sua finalidade
interpretativa sobre a personalidade de quem escreve, aponta para a relevância
que podem ter os aspectos formais que, muitas vezes inconscientemente,
constituem a "letra" de uma pessoa.
O atrito entre o o
sentido convencional das palavras (tal como estão no dicionário) e as
características expressivas da escritura manual abre um campo de experimentação
poética que multiplica as camadas de significação.
Além disso, suas
linhas, curvas, texturas, traços, manchas e borrões, mesmo que ilegíveis, ou
apenas semi-decifráveis, podem produzir sugestões de sentidos que ocorrem
independentemente do que se está escrevendo, apenas pelo fato de utilizarem os
sinais próprios da escrita.
O A grávido de O.
Érres e ésses atacando
Es.
A multiplicação de agás.
Rios de Us e emes e
zês.
Esqueletos de signos
fragmentados.
Dança de letras
sobrepostas possibilitando diferentes leituras. Paisagens.
Horizontes ou abismos.
*Arnaldo Antunes
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