O escritor não prevê
nem conjectura: projecta. Acontece por vezes que espera por si mesmo, que
espera pela inspiração, como se diz. Mas não se espera por si mesmo como se
espera pelos outros; se hesita, sabe que o futuro não está feito, que é ele
próprio que o vai fazer, e, se não sabe ainda o que acontecerá ao herói, isto
quer simplesmente dizer que não pensou nisso, que não decidiu nada; então, o
futuro é uma página branca, ao passo que o futuro do leitor são as duzentas páginas
sobrecarregadas de palavras que o separam do fim.
Assim, o escritor só
encontra por toda a parte o seu saber, a sua vontade, os seus projectos, em
resumo, ele mesmo; atinge apenas a sua própria subjectividade; o objecto que
cria está fora de alcance; não o cria para ele. Se relê o que escreveu, já é
demasiado tarde; a sua frase nunca será a seus olhos exactamente uma coisa. Vai
até aos limites do subjectivo, mas sem o transpor; aprecia o efeito dum traço,
duma máxima, dum adjectivo bem colocado; mas é o efeito que produzirão nos
outros; pode avaliá-lo, mas não senti-lo.
Proust nunca descobriu
a homossexualidade de Charlus, uma vez que a decidiu antes de ter começado o
livro. E se a obra adquire um dia para o autor o aspecto de objectividade, é
porque os anos passaram, porque a esqueceu, porque já não entra nela, e seria,
sem dúvida, incapaz de a escrever. Aconteceu isto com Rousseau ao reler o
Contrato Social no fim da vida.
Não é portanto verdade
que se escreva para si mesmo: seria o pior fracasso; ao projectar as emoções no
papel, a custo se conseguiria dar-lhes um prolongamento langoroso. O acto
criador é apenas um momento incompleto e abstracto da produção duma obra; se o
autor existisse sozinho, poderia escrever tanto quanto quisesse; nem a obra nem
o objecto veriam o dia, e seria preciso que pousasse a caneta ou que
desesperasse.
Mas a operação de
escrever implica a de ler como seu correlativo dialético, e estes dois actos
conexos precisam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor e do
leitor que fará surgir o objecto concreto e imaginário que é a obra do
espírito. Só há arte para os outros e pelos outros.
*Jean-Paul Sartre
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