A palavra que mais se
escuta neste final de ano é “correria”. Para onde e porque as pessoas estão
correndo? Se não souberem onde querem ir, não chegarão a lugar algum. Qual o
sentido desta correria? Qual o sentido da vida? Depende.
Vamos aprofundar um pouco
mais a questão?
Depende do significado
da palavra sentido. Se for para designar a direção e orientação de um
movimento, como nas expressões “sentido único”, “sentido obrigatório”, minha
resposta é que o sentido da vida deve ser para frente. Não precisa de mapa, nem
GPS. Siga vivendo, ultrapasse as barreiras, contorne as curvas e então comece a
subir.
Se for para designar as
trocas de informações com o meio ambiente através dos órgãos dos sentidos,
diria que o sentido da vida se conjuga no verbo sentir, e não no verbo ter.
Toque, cheire, prove, deguste, escute, veja e então comece a subir.
No âmbito dos
sentimentos e emoções, como nas expressões “esta pessoa tem um sentido muito
apurado” ou “tenho sentido sua falta”, ousaria dizer que pessoas que estão em
sintonia com seu sentido de vida não têm dia ruim, mau humor na segunda feira,
nem levantam com o pé esquerdo. Viver bem faz todo o sentido.
Felicidade, virtude,
amor, desejo, ética, observância das leis divinas, reverência à Deus,
contemplação da vida e tantos outros caminhos também já foram apontados como os
sentidos da vida.
Entretanto, o sentido
mais procurado é aquele que tenta explicar o significado da vida, o por quê das
coisas. Quando alguém tropeça em uma pedra, caí, machuca e quebra o braço, isso
precisa ter um sentido ou pode simplesmente ser fruto do acaso? Alguns não
acreditam em casualidade e rotulam estes eventos fortuitos e inexplicáveis de
“Karma” ou destino. Outros simplesmente chamam de vida.
Afinal de contas, por
que as pessoas precisam tanto de um sentido que explique suas vidas?
Talvez porque entender
o que está se passando, aparentemente as deixe tranquilas. As coisas precisam
ter uma explicação lógica, ou mais ou menos lógica. É preciso que a vida forme
uma história coerente que possa ser seguida. Muitos chamam este fio condutor de
“sentido”. Se a história correr durante anos no mesmo sentido, pode até ser
oficializada e chamada de identidade.
Fomos criados com
histórias. Bem antes de surgir o pensamento científico, o mundo nos foi
explicado através de histórias que faziam sentido, nos orientavam na vida e nos
identificavam. Acontece que histórias distorcem e simplificam a realidade,
reprimindo tudo que não se encaixa ou não faz sentido. Mas não tem jeito, o ser
humano sente-se atraído por histórias e têm aversão à fatos abstratos.
Assim, para entender o
“sentido” de suas vidas, muitos seguem este princípio: modelam os fatos,
deturpam a realidade, constroem estórias que se encaixem numa linha de
pensamento racional e desta forma, dormem tranquilos. Convencem a si e aos
outros de que aquela história meio vivida, meio fantasiada é a que vale. Em
outras palavras, o “sentido” da vida vai sendo construído a posteriori dos
fatos.
O resultado podemos
prever. Consciência tranquila, história bonita ou triste, discurso congruente, qualidade das decisões
eventualmente prejudicada. Vale a pena? Não sei, a decisão é individual. De
minha parte, tentarei não interferir em seu livre arbítrio de viver. Solicito
que também retribua do mesmo modo.
Se algum dia encontrar
o sentido da sua vida, parabéns, mas, por favor, guarde este trunfo só com
você. Não conte a ninguém. Permita que cada um descubra o sentido de sua
própria vida ou até mesmo o ignore. Eu, por exemplo, prezo muito mais uma
história bem vivida na qual o final me surpreenda.
Além do mais, se a vida
tem algum sentido, desconfio que o motoqueiro que atropelei, o bandido que
assaltou minha mãe, a lua sob o mar de Cascais, o voo para o Panamá que perdi,
as borboletas azuis, tudo se relacione com isto.
Que possamos
surpreender e ser surpreendidos em 2014. Se possível, pra melhor.
Ildo Meyer
Médico, Escritor, Filósofo
Clínico
Porto Alegre/RS
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