Como você se conecta
nos ambientes e nas pessoas para escrever seus contos?
É mais ou menos como sintonizar uma estação de
rádio. Você tem uma possibilidade enorme de emissoras e programas, mas você
sabe bem o que quer escutar. Vai girando o dial. Escuta uma música que lhe
incomoda os ouvidos, passa por um comentarista que não fala nada que lhe
interesse, pula a estação que só apresenta desgraças, até que finalmente
encontra aquele programa que estava procurando ou algum outro que lhe prendeu a
atenção.
A partir dali, você
pode escolher entre voltar a fazer as outras coisas que estava fazendo (dirigir
o carro, cozinhar, escrever, fazer amor) ou ficar prestando atenção à
entrevista que está no ar, deixar-se envolver pela música que está tocando,
imaginar-se dentro da narrativa que está sendo apresentada...Em outras
palavras, você pode escolher sintonizar “o” programa de rádio ou se sintonizar
“com” o que está acontecendo no programa de rádio..
Quando entro em um café
como este, me sintonizo neste ambiente. Por exemplo, presto atenção naquela
senhora sentada ao fundo do salão. Pelo modo como ela segura a taça de chá,
vira as páginas da revista, suspira de vez em quando, fecha os olhos, fica
pensativa, posso quase que com certeza dizer que ela está lendo algo
relacionado a alguém que gosta muito. Veja como acaricia a revista, como transmite
uma sensação de paz...
Conecto-me naquela
situação e na senhora, sintonizo-me ali e consigo percepcionar aquilo que meus
sentidos estão me mostrando. Não me transformo nela, mas a sinto.
E como você transforma
isto em palavras?
Não transformo. Escrevo
aquilo que estou sentindo. Às vezes nem é o que estou vendo. Não procuro
palavras bonitas nem frases de efeito. Aquilo que escrevo reflete a minha
pessoa naquele momento. Neruda escreveu
uma vez que se lhe perguntassem o que é sua poesia, não saberia dizer; mas se
perguntassem à sua poesia, ela lhes diria quem era ele.
Quando você ler algo
escrito por mim e se me conhecer um pouquinho, não terá a menor dúvida que fui
eu quem a escreveu. Assim como um pai têm certeza que o filho é seu, assim a poesia
é identificada com seu criador.
Como você sente o amor?
Vou te mostrar uma
poesia, também foi Neruda quem escreveu:
Te amo de uma maneira
inexplicável,
de uma forma
inconfessável,
de um modo
contraditório.
Te amo, com meus
estados de ânimo que são muitos,
Te amo, com o mundo que
não entendo
com as pessoas que não
compreendem
com a ambivalência de
minha alma
com a incoerência dos
meus atos
com a fatalidade do
destino
com a conspiração do
desejo
com a ambigüidade dos
fatos
ainda quando digo que
não te amo, te amo
até quando te engano,
não te engano
no fundo levo a cabo um
plano
para amar-te melhor
Te amo , sem refletir,
inconscientemente
irresponsavelmente,
espontaneamente
involuntariamente, por
instinto
por impulso, irracionalmente
de fato não tenho
argumentos lógicos
nem sequer improvisados
para fundamentar este
amor que sinto por ti
que surgiu
misteriosamente do nada
que não resolveu
magicamente nada
e que milagrosamente,
pouco a pouco, com pouco e nada,
melhorou o pior de mim.
Te amo
Te amo com um corpo que
não pensa
com um coração que não
raciocina
com uma cabeça que não
coordena.
Te amo
incompreensivelmente
sem perguntar-me porque
te amo
sem importar-me porque
te amo
sem questionar-me
porque te amo
Te amo
simplesmente porque te
amo
eu mesmo não sei porque
te amo…
É assim que sinto o
amor. Sem perguntar absolutamente nada, sem me importar com razões, opiniões,
futuro, passado, coerência, aparência. Deixo a porta aberta para ele entrar ou
sair. Fica tão mais fácil. Se você simplesmente deixar rolar, sem encucar, vai começar
a sentir o amor nas coisas mais simples da vida. O amor com que aquela mulher
vira a página da revista. O amor que o
chefe de cozinha prepara a comida. Este amor se espalha no sabor da comida, na
apresentação do prato, na decoração do restaurante, na música que está tocando,
no sorriso quando conversa conosco.
Cristo não era cristão,
Buda não era budista, Maomé não era islâmico. Todos eles sentiam, falavam e
transmitiam apenas o amor. Nada mais. Depois as pessoas seguiram seus
ensinamentos e criaram religiões. Não adianta tentar explicar o amor, é tão
difícil quanto explicar as cores para um cego. Amor precisa ser sentido.
Posso até ousar dizer
que quando existe amor, se você estiver aberto, conectado, sem preconceitos,
fica quase impossível deixar de senti-lo. E se você o sentir de fato, ele
funciona como um espelho, refletindo em você e voltando sob a forma de poesia,
desenho, pintura, carinho...
Cada qual sente e
transmite o amor de seu jeito, sua forma. Não existe modelo, não existe certo ou
errado. Existe apenas o sentimento, que é inexplicável, contraditório,
involuntário, mas muito gostoso de sentir.
E como o sexo se
conecta com o amor?
Vou te contar uma
coisa, minha mãe vive dizendo para eu não falar, nem escrever sobre sexo. Que
isto é algo para ser praticado na intimidade e ninguém tem nada a ver com isto.
Procuro respeitar a opinião dela, então, dentro de certos limites, vou entrar
no assunto, mas não na polêmica.
Sabemos que não existe
o homem universal e que cada cidadão é único e diferente dos demais,
entretanto, podemos levantar algumas teses. As mulheres que menos gostam de
sexo parecem ser as prostitutas, que trabalham por dinheiro. E paradoxalmente,
são justamente estas, as menos gulosas, que os homens escolhem e pagam para ter
prazer sexual. Veja bem, fazem sexo sem amor e com quem nem gosta de sexo. Qual
a graça disto? Talvez isto nem possa ser considerado sexo, quem sabe um
fetiche.
Sexo é um impulso
natural de conservação da espécie, tem função de reprodução e todos os animais,
incluindo os homens praticam. Com a finalidade de evitar o troca-troca, o caos
e a desordem, foram criadas regras para monitorar os relacionamentos sexuais.
Instintos naturais passaram a ser controlados por leis, ética e moral, os quais
estabelecem que ao se praticar sexo com alguém, em tese deve-se amá-la e
permanecer ao seu lado. Se isto acontecer, ótimo, maravilhoso. Mas quem garante
que uma lei cria ou mantém sentimento? Quanto isto evitou o caos? Quanta
hipocrisia e infelicidade se escondem por conta desta suposta ordem? Esta moral
protege quem trai ou quem é traído?
A humanidade
transformou o sexo em pecado, o amor em algo quase intangível e a felicidade em
utopia. Este caminho não leva a lugar algum, ou seja, é o caminho do caos.
Existe amor sem sexo?
Claro, e não sou eu quem vai dizer que é certo ou errado, bom ou ruim. Existe
sexo sem amor? Muito, talvez a maioria. Não vou emitir também qualquer
juízo. Sexo e amor não dependem um do
outro para acontecer. O problema é que, nestes tipos de relação dicotomizada,
sempre um fica devendo. Não chegam juntos e não gozam juntos. Alguns aceitam,
outros se conformam, mas não acredito que fiquem plenos.
Sexo é bom, amar é
melhor, os dois juntos então fica perfeito. Quem já experimentou esta graça,
dificilmente se contentará em separar amor de sexo. Gostaria de encerrar com
uma benção diferente. Ao final das orações costuma-se pronunciar quase que
automaticamente a palavra “Amém”, de origem hebraica, que significa
“certamente”, “verdadeiramente”, “que assim seja”, “eu acredito”.
Vou concluir, tirando o
acento da palavra e dizendo “Amem”. Com ambivalência, incoerência, sem
refletir. Apenas abrindo a porta interna. Sentindo e transmitindo. Isto se
reflete no sexo e na vida, que com amor é muito mais colorida. No final do arco
íris não existe um pote de ouro, existe o amor, e não é difícil chegar lá.
*Ildo Meyer
Médico, escritor, filósofo clínico
Porto Alegre/RS
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