Eu deitado na rede Que
o médico disse Para pescar todos os sentidos profundos
Rogério de Almeida
A labuta de Paul-Michel Foucault,
filósofo, que nasceu em Poitiers, na França, na década de 20, tem influenciado
o pensamento em muitos campos da teoria social, principalmente da educação. Um
dos principais desafios foucaultianos é a visão de que verdade e poder estão
mutuamente interligados, através de práticas contextualmente específicas, que
por sua vez, estão intimamente intrincadas à produção do discurso.
No magnífico texto, A Ordem do
Discurso, Foucault ao se pronunciar, percebe uma voz sem nome, e com isso
permite ser arrebatado pela palavra. Com sólidos conhecimentos acerca das
diversas manifestações de poder através do discurso, Foucault nos leva a
compreender as idéias básicas de sua linha filosófica sobre saber, poder e
sujeito, bem como a descobrir o poder das palavras no discurso do indivíduo,
que ora o exclui, reprime, ora o torna dono do saber do poder, como muito bem
se define nos procedimentos externos ou internos de controle e delimitação do
discurso.
Desse modo, Foucault arrazoa a seguinte
Hipótese: em todas as sociedades a produção de discursos é regulada,
selecionada, organizada e redistribuída; caracterizando, portanto, o poder da
palavra e os eventuais perigos decorrentes dela. O discurso é controlado,
selecionado, organizado e redistribuído por certo número de procedimentos, que
servem para conjurar seus poderes e perigos e dominar seu acontecimento
aleatório, esquivar sua pesada e temível realidade, quais sejam: os
procedimentos exteriores de controle e delimitação do discurso, procedimentos
internos de controle e delimitação do discurso e imposição de regras aos
sujeitos do discurso.
Dessa forma, esses
discursos pretendem ditar ao indivíduo o papel que ele precisa desempenhar na
sociedade. Percebe-se um alerta de Foucault, levantando alternativas sobre a
visão desse indivíduo que reina no mundo, e que o discurso coercivo e
universal, posiciona-o numa trilha, que funciona como o caminho da verdade, ou
seja, o caminho que deve ser seguido e que interessa ao poder.
Os procedimentos
exteriores usados em nossa sociedade são: o de exclusão (a palavra proibida, a
segregação da loucura e a vontade de verdade), na qual, a palavra proibida
sofre uma interdição (tabu do objeto, ritual da circunstância e direito
privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala). O lugar onde a interdição
torna-se mais evidente, é sem dúvida, no discurso da política e da sexualidade. É como se esse lugar,
distante de ser esse elemento translúcido ou neutro, onde a sexualidade
desarma-se e a política amansa-se, fosse um atemorizante poder. Percebe-se aí,
o desejo de poder sobre o discurso; este, além de exprimir o desejo, é também
seu alvo, representando um poder, que ansiamos abarcar.
O segundo princípio de
exclusão é o da oposição razão e loucura. O discurso do louco, ora é visto como
sem importância, sem fundamento, não tendo verdade alguma, e em outras
ocasiões, impõe-se como verdade oculta, vislumbrando aquilo que a sapiência
alheia não é capaz de perceber. Observa-se na contemporaneidade, que a fala do
supostamente louco, ao contrário de ser nula, é estudada, buscando-se nela um
sentido. Para Foucault, inúmeras vezes chegamos a surpreendê-la, naquilo que
nós mesmos proferimos, ou seja: no distúrbio minúsculo, por onde aquilo que
dizemos nos escapa.
O terceiro sistema de
exclusão é a oposição verdadeiro e falso, que é assinalada por uma série de
contingências históricas, sendo amparadas pelo sistema de instituições,
impondo-as, de certa maneira, sobre pressão. A vontade de verdade é reforçada e
reconduzida por um conjunto de práticas como: a pedagogia, os sistemas dos
livros das bibliotecas, as sociedades de sábios e os laboratórios da
atualidade. Desse modo, essa vontade exerce sobre o discurso uma espécie de
coação, com poderes de coerção, através dos quais, atribuímos ao discurso sua
validade ou falsidade.
Existem também os
procedimentos internos, visto que são os discursos mesmos que exercem seu
próprio controle, funcionando no nível de classificação, ordenação e
distribuição, submetendo à outra dimensão do discurso: a do acontecimento e do
acaso. O comentário é um destes procedimentos, através do qual os discursos são
proferidos, assim permanecem e estão ainda por ser tal; a exemplo temos os
textos jurídicos, religiosos, literários e científicos. Em suma, a função do
comentário é a de pronunciar o que estava articulado no texto primeiro, dizendo
pela primeira vez, aquilo que já havia sido dito e, estresir incansavelmente o
que, não havia jamais sido dito. O novo não está no que é dito, e sim no acontecimento
à sua volta.
O segundo procedimento
interno sabido é o autor, entendido como princípio de agrupamento do discurso,
unidade e origem de suas significâncias, como foco de seu nexo, introduzindo
desse modo, a linguagem fictícia do mundo real. O autor profere Foucault,
limita o acaso através da relação entre uma identidade, que tem a forma da
individualidade e do eu.
Disciplina é o terceiro
princípio de limitação do discurso. As disciplinas são constituídas por um
conjunto de proposições, que se dirigem a um plano de objetos determinados,
estando em constante avanço. Podemos pensar em um jogo de regras, definições,
técnicas e instrumentos.
Para que uma proposição
pertença a uma disciplina, é necessário que ela atenda certas exigências, para
certificar se é verdadeira. A disciplina limita o discurso, devido à suas
exigências, que se relacionam a determinada época. Igualmente, na
contemporaneidade, um indivíduo pode proferir a verdade, mas não estar
contextualizado no que é considerado verdadeiro, no discurso de sua época.
Assim sendo, a disciplina conjura o acaso da aparição do discurso.
O terceiro grupo de
controle do discurso, estabelecido por Foucault, é a restrição, que determina
as condições de funcionamento, impondo regras aos indivíduos que pronunciam,
restringindo seu acesso a partir de certas exigências que qualificam o sujeito
a fazê-lo ou não.
Troca e comunicação são
formas restritivas, na medida em que o ritual qualifica e define o que devem
possuir os pronunciantes; definindo os gestos, comportamentos e circunstâncias,
entre outros signos que fazem parte de um discurso, garantindo a eficácia das
palavras e os efeitos sobre aqueles aos quais se dirigem as demarcações de seu
denodo de coerção.
Outra forma de
restrição é o segredo que está presente na ordem do discurso verossímil, assim
como na ordem do discurso publicado e isento de qualquer ritual; a estes
chamamos sociedades de discurso, pois de certa maneira o produzem conservando-o
em um espaço restrito. Podemos citar como arquétipo desta sociedade
exclusivista, o segredo técnico ou científico, e as formas de difusão e de
circulação do discurso médico.
As doutrinas
religiosas, políticas e filosóficas, representam uma terceira forma de
ressalva. Contudo, ao revés da sociedade de discurso, o conjunto de princípios
de uma doutrina são divulgados e partilhados por diversos indivíduos. O que a
torna excludente é o fato dela inquirir o sujeito que fala, através e a partir
do enunciado. Quando o que é transmitido não corresponde ao grupo de verdades
da doutrina, o indivíduo é incriminado de heresia, sendo excluído da classe a
qual pertence.
A educação representa
outra forma de apropriação social do discurso. Mesmo sendo um direito, ao qual
teoricamente, todo indivíduo tem acesso, esta se torna restrita em sua
distribuição; no que impede as linhas que estão marcadas pela distância,
oposições e lutas sociais; esta é uma maneira política de manter e modificar as
apropriações do discurso, através dos saberes e poderes que trazem consigo.
Considerando os pontos
abordados por Foucault em A Ordem do Discurso, percebe-se a importância de uma
leitura mais consciente e reflexiva do mesmo, principalmente para os
educadores, que de certa forma, estão autorizados a falar.
Sabendo-se analisar as
relações de poder-saber veiculadas na sociedade, é possível identificar as
características e práticas particulares que têm efeitos perigosos, dominadores
ou negativos.
Ter um olhar original
para as engrenagens das instituições educacionais, argüir a verdade dos
discursos - inclusive os próprios – pode abrir possibilidades de transformação
na prática educativa. Rematando e retomando o início do discurso, Foucault diz:
“... É preciso continuar, é preciso pronunciar palavras enquanto as há, é
preciso dizê-las até que elas me encontrem, até que elas me digam – estranho
castigo, estranha falta, é preciso continuar, talvez já tenha acontecido,
talvez já tenham dito talvez me tenham levado ao limiar de minha história,
diante da porta que se abre sobre minha história, eu me surpreenderia se ela se
abrisse.
*Mariah de Olivieri
Filósofa, Artista Plástica, Mestre em Filosofia, Estudante de Filosofia Clínica na Casa da Filosofia Clínica
Porto Alegre/RS
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