Eu durmo e vivo no sol
como um cigano,
Fumando meu cigarro
vaporoso,
Nas noites de verão
namoro estrela;
Sou pobre, sou mendigo,
e sou ditoso!
Ando roto, sem bolsos
nem dinheiro;
Mas tenho na viola uma
riqueza:
Canto à lua de noite
serenatas,
E quem vive de amor não
tem pobreza.
Não invejo ninguém, nem
ouço a raiva
Nas cavernas do peito,
sufocante,
Quando à noite na treva
em mim se entornam
Os reflexos do baile
fascinante.
Namoro e sou feliz nos
meus amores;
Sou garboso e rapaz...
Uma criada
Abrasada de amor por um
soneto
Já um beijo me deu
subindo a escada...
Oito dias lá vão que
ando cismado
Na donzela que ali
defronte mora.
Ela ao ver-me sorri tão
docemente!
Desconfio que a moça me
namora!...
Tenho por meu palácio as
longas ruas;
Passeio a gosto e durmo
sem temores;
Quando bebo, sou rei
como um poeta,
E o vinho faz sonhar
com os amores.
O degrau das igrejas é
meu trono,
Minha pátria é o vento
que respiro,
Minha mãe é a luz
macilenta,
E a preguiça a mulher
por quem suspiro.
Escrevo na parede as
minhas rimas,
De painéis a carvão
adorno a rua;
Como as aves do céu e
as flores puras
Abro meu peito ao sol e
durmo à lua.
Sinto-me um coração de
lazzaroni;
Sou filho do calor,
odeio o frio;
Não creio no diabo nem
nos santos...
Rezo à Nossa Senhora, e
sou vadio!
Ora, se por aí alguma
bela
Bem doirada e amante da
preguiça
Quiser a nívea mão unir
à minha
Há de achar-me na Sé,
domingo, à Missa.
*Álvares de Azevedo (1831-1852) in “Poemas
malditos”. Ed. Francisco Alves. RJ. 1988.
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