“A vida segura o
espelho para a arte, e reproduz ou algum tipo estranho imaginado por um pintor
ou por um escultor, ou então concretiza no fato aquilo que havia sido sonhado
na ficção”
Oscar Wilde
Existem refúgios por
onde as raridades ensaiam incompletudes. Uma zona distante dos consensos e de
onde nada se espera. Discurso das lacunas, falhas e sentidos obsoletos, seu
sussurro descreve frestas e faz referência à palavra que escapa. Um quase ao
sobressalto criativo desconsiderado. Atiçar especulativo no esboço por um triz
de duração imediata.
Na expressividade ainda
não cooptada pelos rituais conhecidos, suas deixas, sobras ou deslizes incitam
a interrogação para outras verdades. Fonte de matéria-prima ás incertezas
recém-decaídas das convicções. Seu anúncio de nitidez inesperada se oferece na
escassez de um porém. Sua irrealidade ainda sem fundamentação não desmerece
paradoxos, ao contrário, os fortalece com sua existência sutil.
Um ser de aspecto
difuso se oferece ao olhar de escuta não contaminado. Seus caminhos possuem a
invisibilidade dos seres livres. A ciência conformada não possui meios para
vislumbrar um mundo repleto de extraordinários. Segue a reproduzir
justificativas contra suas dobras e contornos. Ao descrever erros e distorções,
agracia com títulos e honrarias as melhores cópias. Mesmo assim, as certezas de
espelho se agitam, como se fora outro eu mesmo do lado de lá.
Na virada de página os
trechos incompreensíveis possuem a chave da interseção com o ângulo
desconhecido. Ao olhar assim constituído, as coisas parecem surgir com ênfase
conhecível. Sua desenvoltura se anuncia na peregrina busca a se alternar nas
ventanias.
Merleau-Ponty aponta
possibilidades: “Jamais veríamos uma paisagem nova se não tivéssemos, com
nossos olhos, o meio de surpreender, de interrogar e de dar forma a
configurações de espaço e de cor jamais vistas até então” (Ponty, 2002, p. 119)
Seus apontamentos
deixam vidências numa moldura que aguarda. Sua lucidez de pensar delirante
ampara exílios na palavra sem sentido. Os tropeços da estrada servem para
deixar rastros, muitas vezes sobreposição aos pergaminhos bem redigidos.
A perplexidade dos
novos conteúdos prolifera significados para além da estrutura de onde surgiu.
Ao transformá-la nalguma forma de saber, destitui sua força subversiva e
criadora. A partir de então será tipologia ou especialidade bem arrumada.
Em tempos de preparação
e anúncio, a velha janela aponta novidades através das coisas sem sentido.
Distorções ao consentimento de uma só realidade. Ao não ter um território
único, percorre todos com uma ingenuidade de primeira vez. Sua referência ao
ser descontínuo atualiza um caminho por seguir. Quando se trata de recarregar
forças, se abriga nalgum ponto de seu vasto universo.
À primeira vista há os
limites da interseção conhecida. A rasura ou distorção apreciam insinuar outros
acessos ao não lugar. Sinal de alerta aos ângulos de um real improvável.
Dialética dos assédios com a existência de onde nada se espera.
Oscila de um ponto a
outro num espaço de tempo despreocupado em se mostrar. Nesse sentido recria
estruturas significantes e significativas, realiza fissuras entre real e irreal
e desconstrói a ilusão de ser a única verdade.
Sua relação com o lugar
comum do bom-senso é um contrassenso. Contradição irreverente com a certeza de
nada ser nada. Uma brecha para as invenções e descobertas expandirem os limites
do que deu certo. Momentos de aproximação com a estrutura de um caos em busca
de tradução.
Donaldo Schuler poetiza
essa percepção: “O homem define-se nas suas muitas relações. Define-se ao se
indefinir. Onde procurar o homem se a cada instante quebra-grulhões ?”
(Schuler, 2000, p. 222)
Seus recantos
desmerecidos gostam de se anunciar em vocabulários desconhecidos. Os
manuscritos julgados como língua morta apreciam transgredir a lógica
normalizada.
No seu instável
equilíbrio os fenômenos rascunham a apresentação que acolhe a razão de toda
loucura. Capaz de vislumbrar essa zona desmerecida e condenada à ficção do
real, seu visar não pode encarcerar-se nalguma definição. O outro daquilo que
se vê se encontra no mesmo, e sua eficácia pode ser vista atuando na antítese
do que se sabe.
Seus rastros instituem
uma instabilidade interpretativa eficaz, ao oferecer uma multiplicidade de
sobressaltos ao entendimento tido como verdade única. Sua singularidade se
ampara nas entrelinhas dos acordos. Essa espécie incomum em seu jeito híbrido
de tornar-se se faz notar pela ausência.
Uma estranha invisibilidade
se alterna nos episódios em que sua realidade fugaz persegue a denúncia aos
novos territórios. Assim o acaso, as incertezas e a dúvida podem significar a
incursão para algo que se encontra onde não se procura. A sensação de estar
sobrando anuncia rumores de contrarregra e aponta exceções.
Ernst Cassirer desvenda
ao problematizar: “A linguagem encerra um sentido oculto a ela própria, que ela
somente pode decifrar por conjecturas, através da imagem e da metáfora”
(Cassirer, 2001, p. 86).
Mesmo a singularidade
pode se tornar refém dos princípios de verdade. Assim destituída de forças para
desbravar, pode assumir as mordaças provisoriamente. A palavra sussurrada pela
errância dos poetas transcreve os devaneios da vontade aprisionada.
À vertigem cúmplice das
transgressões, raramente é permitido esboçar projetos sem alguma forma de
solidão. Sua aptidão de prefácio mal compreendido costuma engendrar
inseguranças e medos. Assim, essa habilidades encontram na pluralidade da arte
um acolhimento em que as raridades consigam integrar os ânimos conhecidos com
as novas ideias.
As dobras e contornos
de um tópico de singularidade podem conter essa realidade multifacetada a se
perder nas lonjuras de si mesma. Assim as reminiscências apontam algo mias que
um porto seguro e já superado. O espanto aprecia desagregar certezas ao oferecer
descobertas e invenções na face calma de um dia qualquer.
Quando você se move com
o corpo ou se deixa levar pelo curso do pensamento, o mundo inteiro se desloca
ao seu redor. Os lugares por onde o espírito transita e se alimenta possui
estoques generosos de não saber. Sua revisitas evidenciam rastros, um pouco
antes de ser narrativa.
*Hélio Strassburger in “Pérolas
Imperfeitas – Apontamentos sobre as lógicas do Improvável”. Ed.
Sulina. Porto Alegre/RS. 2012.
**O autor trabalha há
40 anos com aulas e atendimentos em instituições de periferia, marginais. Numa
convivência com morros, asilos, hospitais gerais e psiquiátricos, associações
comunitárias, dentre outros espaços, nas cidades onde tem residido, compartilhando
uma Filosofia Clínica libertária.
Comentários
Postar um comentário