Além das questões
verbalizadas em clínica, que dizem respeito ao corpo, como por exemplo, quando
o partilhante diz literalmente: “não gosto do meu corpo”, ”me acho
desengonçado”, “tenho pouca flexibilidade”, “sou muito magra para usar decotes”
ou “sou muito gorda para usar saia curta”, “sou baixo demais para assistir a
shows”, “sou motivo de chacota na escola por causa do tamanho de meu pé”, entre
tantas outras verbalizações possíveis, devemos observar a postura, o modo de
ser corporal do partilhante.
Como assim? Nosso corpo
guarda em si, desde o nascimento, certos modos de ação. A forma como nos
desenvolvemos fisicamente está diretamente associada ao nosso desenvolvimento
histórico-social, já dizia o russo Vygotsky.
Muitas pessoas somatizam
seus desconfortos existenciais em dores de cabeça, depressão, gastrites,
pressão alta e por aí adiante. Outras tantas somatizam no corpo físico,
desenvolvem problemas posturais, articulares, obesidade, anorexia.
O corpo é um meio de
comunicação que como os outros tem sua própria linguagem. A dança, o teatro e a
mímica são claros exemplos de linguagem corporal. O corpo é a “casa do nosso
eu” é também uma forma de nos expressarmos, e em Filosofia Clínica pode ser
considerado como um dado de semiose e fundamentalmente um dado epistemológico.
É através do corpo físico
que experimentamos, conhecemos as coisas concretas do mundo – é um dado de
experimentação e de conhecimento. O filósofo clínico, portanto, deve estar
atento a este dado, a esta linguagem. Por vezes o partilhante “conhece” o mundo
pelo corpo, mas não conhece o próprio corpo, ou não sabe lidar com ele.
A Filosofia Clínica vê o
homem, o individuo em sua totalidade. Não o fragmenta em corpo e mente ou corpo
e alma. A Filosofia Clinica e o filósofo clínico verão o indivíduo como este se
mostrar, se revelar em sua historicidade. Por vezes o partilhante pode nos
chegar com o assunto imediato referente a uma dor nas costas e esta pode ser
apenas um dado somático, ou seja, devido a questões de ordens diversas o
partilhante desenvolveu a dor nas costas que lhe causa o desconforto
existencial.
Além de trabalhar junto
ao partilhante a causa existencial, o filósofo clínico, pode também trabalhar a
questão da somatização, desse desconforto no corpo. Pode ajudar ao indivíduo a
recuperar tranqüilidade, o bem-estar físico.
A Filosofia Clínica dá um
sentido humano ao corpo. Somente à luz da totalidade do individuo será possível
à compreensão e a valorização do significado humano do corpo e suas ações
corporais.
As estruturas corporais,
fisiológicas e biológicas, devem ser consideradas, mas por si só não constituem
o significado humano do corpo. O corpo pode ser considerado como a configuração
sensível do homem, é um campo expressivo da pessoa, é o lugar onde tomam forma
concreta às possibilidades de sua existência.
O corpo, em todos os
aspectos, participa da realização pessoal do homem. É através dele que
humanizamos as coisas, por isso ele pode também ser humanizado.´
Segundo Ponty:**
“O corpo próprio está no
mundo assim como o coração no organismo; ele mantém o espetáculo visível
continuamente em vida, anima-o e alimenta-o interiormente, forma com ele um
sistema.
Ao perceber as
características corporais no indivíduo e como ele lida com elas, e de posse de
sua historicidade, o terapeuta pode trabalhar estas questões usando o submodo
percepcionar que, entre outras funções: “…faz a pessoa permanecer junto do
corpo todo o tempo. Ajuda a pessoa a ter consciência do corpo. Mas conecte,
grude, plugue para estar em sintonia e haver interseção”
O terapeuta pode intervir
fisicamente no partilhante se isto tiver acolhida em sua malha intelectiva.
Pode tocá-lo, motivá-lo para que o partilhante o faça para assim fazer com que
ele sinta o próprio corpo e vivencie, agende coisas boas – percepcionar. Ou também,
para que ele aprenda a lidar com o próprio corpo ou conhecê-lo melhor –
epistemologia.
Muitas vezes o
partilhante nem percebe que as suas dores existenciais lhe causaram marcas,
dores no corpo. Contudo, é muito importante que o percepcionar, assim como os
outros submodos, tenha boa acolhida na malha intelectiva da pessoa para que
possa se mostrar eficaz. Já o Submodo Epistemologia pode ser usado para que o
partilhante conheça, experimente o seu próprio corpo. Ou seja, o percepcionar é
a intervenção direta do filósofo no corpo do partilhante, o toque; e o Submodo
Epistemologia é o como o partilhante conhece as coisas pelo corpo e como ele
conhece o próprio corpo.
“Então este Submodo nos
mostra como a pessoa conhece e trabalhamos com ele objetivando esclarecer ou
agendar novos dados. Existem pessoas que usam este Submodo com freqüência, ou
seja, buscam conhecer, saber, investigar como as coisas acontecem,e de fato
experimentam.”
No caso, por exemplo, de
um partilhante que seja cartesiano, e tenha dificuldades para lidar com a
questão corporal, o indicado são Submodos dirigidos à sua própria Estrutura de
Pensamento, no que se referem a conceitos abstratos, pois o choque pode estar
lá, em idéias complexas que se formaram com o tempo e a experiência.
Nesse caso, qualquer
referência ao corpo e mesmo manobras inadvertidas podem levá-lo ao susto, ao
afrontamento, talvez até aumentando-lhe o mal-estar. O que reiteramos é a aguda
necessidade de conhecimento da Estrutura de Pensamento da pessoa para um
procedimento clínico correto, sem o qual os Submodos podem ter um efeito
contrário.
Desse modo, mesmo que
seja relatado no histórico do partilhante e na sua queixa inicial um indício
problemático quanto ao corpo, há que se pesquisar detidamente os Submodos já
existentes em sua estrutura, de forma que o processo terapêutico ocorrerá em
torno da utilização e conjugação dessas formas da pessoa lidar com seus tópicos
de formação, aliados à possibilidade de ensino de outros Submodos possíveis. Ou
seja, cada histórico, infinitamente único, demanda modos de condução estritos e
altamente individualizados em sua aplicação.
*Lúcio Packter
**Pensador da Filosofia Clínica. Até o ano de 1995, quando da abertura do Instituto Packter em Porto Alegre/RS, não se sabia de nenhuma iniciativa prática da filosofia como clínica. Ainda hoje, o que se tem: aconselhamentos, coaching, cafés filosóficos..., todas bem vindas, ainda que - radicalmente - distantes da abordagem metodológica inaugurada por Lúcio Packter, quando de seu regresso de Edimburgo (início dos anos 1990).
Comentários
Postar um comentário