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Foi aos poucos que tudo se represou e por um tempo persistiu contido. Em contrapartida, foi de repente que as barreiras todas ruíram fazendo tudo transbordar até que um dia com as minhas próprias mãos, eu levantei uma cerca, a pintei de branco e ela logo caiu. Percebi rapidamente que o branco era um bando insustentável e injusto. Confesso que primeiro me frustrei, depois, me recompus organizando tudo pouco a pouco, passo a passo e cautelosamente construí um muro dessa vez e o deixei da cor da terra. Mas bastaram alguns temporais para ele também cair. Então, depois de muita preparação e muito trabalho duro dentro das delimitações daquele mundo tão singular e comum ao mesmo tempo, eu decidi que dessa vez deveria erguer uma grande e poderosa barreira. E reuni ali arduamente todos os recursos mais sólidos e seguros possíveis. Ocorre que a barreira também se rompeu e tudo se espalhou para muito além da envergadura do mundo que até então eu conhecia como provável. E foi som

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) a certeza de que as coisas tem outro sentido além daquele que estamos em condições de reconhecer" "Há uma espécie de loucura da visão que faz com que, ao mesmo tempo, eu caminhe por ela em direção ao próprio mundo e, entretanto, com toda a evidência, as partes desse mundo não coexistam sem mim: a mesa, em si, nada tem a ver com o leito que está a um metro dela - o mundo é visão do mundo e não poderia ser outra coisa"  "(...) este mundo que não sou eu, e ao qual me apego tão intensamente como a mim mesmo, não passa em certo sentido, do prolongamento de meu corpo; tenho razões para dizer que eu sou o mundo" "(...) compreender é traduzir em significações disponíveis um sentido inicialmente cativo na coisa e no mundo" "(...) o segredo do mundo que procuramos é preciso, necessariamente, que esteja contido em meu contato com ele. De tudo o que vivo, enquanto o vivo, tenho diante de mim o sentido, sem o que não o viveria

Poéticas do Indizível***

            (...) Graças as sombras, a região intermediária que separa o homem e o mundo é uma região plena, de uma plenitude de densidade ligeira. Essa região intermediária amortece a dialética do ser e do não ser"                        Gaston Bachelard Uma crença muito antiga aprecia atualizar-se desse enigmático hoje que um dia foi amanhã. Poderia ser o pretérito imperfeito de uma busca ou aquele quase nada onde tudo acontece. Atualização de um dialeto nem sempre dizível, a se alimentar nas fontes inenarráveis, nos paradoxos, nas desleituras criativas. Seu visar inédito sugere desvãos ao mundo que se queria definitivo. Costuma ser abrigo do acaso na versão do avesso das coisas. Ao referir o encantamento das pequenas devoções, parece traduzir esse texto interminável, por onde a vida escoa seus segredos. Realiza um esboço sobre as tentativas de decifrar um mundo que é mistério por natureza. A característica de ser imprevisível seria insuportável, não fosse a

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) nenhum problema é definitivamente resolvido, mas que encontramos, pontual e empiricamente, respostas aproximadas, pequenas verdades provisórias, postas em prática no cotidiano, sem que se acorde um estatuto universal, oralmente válido em todo lugar, em todo tempo, e para cada um" "(...) o excesso sobrevém como uma vibração que legitima e dá sentido à monotonia cotidiana. A transgressão e a anomia necessitam de limites, ainda que seja somente para serem ultrapassadas" "As obras culturais e científicas se constroem, com frequência, na desordem e na loucura. Isso é ainda mais claro para a conjunção cultura e ciência" "Instantes encantados dos carnavais, dos festivais, das festas de todas as ordens. Minutos encantados de encontros amigáveis ou amorosos, ainda que sejam sem amanhã" "Lembrando Holderlin: 'Aí onde cresce o perigo, cresce o que salva'" "A verdadeira vida está por toda parte, exceto n

A poesia e a magia*

"A imaginação não é como sugere a etimologia, a faculdade de formar imagens da realidade, ela é a faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade, que cantam a realidade...”                                                                         Gaston Bachelard O poeta alimenta-se de sua capacidade imagética e imaginativa. Por um descuido da razão, o poeta aproxima-se de um mágico. Tira da cartola mais do que a realidade pode mostrar. O poeta torna-se aquele que ouve e vê de outra maneira. Não é por acaso que, vez por outra, encontra-se de olhos fechados... Não menos reais são os fantasmas que vislumbra por detrás daquilo que os olhos não veem. Censurar a possibilidade da imaginação, das fantasias e das múltiplas facetas da realidade seria decretar a morte de um poeta. Pois a loucura só se cura fazendo as pazes com ela. Afinal como dizia nosso querido poeta Mário Quintana; " A imaginação é a memória enlouquecida" !! *José Mayer Filóso

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) a origem de uma fala não a esgota; uma vez que uma fala se tenha lançado, mil aventuras lhe acontecem, a sua origem torna-se turva, nem todos os seus efeitos estão na sua causa; é esse excedente que interrogamos" "Repetir o exercício (ler várias vezes o texto) é liberar pouco a pouco os seus 'suplementos'" "(...) os desvios (com relação a um código, a uma gramática, a uma norma) são sempre manifestações de escritura: onde se transgride a norma, aparece a escritura como excesso, já que assume uma linguagem que não estava prevista" "O real nunca é mais do que um sentido (...)" "(...) há sempre, na cultura, uma porção de linguagem que o outro (portanto eu) não compreende (...)" "(...) em mim, a cada dia, acumulam-se, sem se comunicar, várias linguagens isoladas: estou fracionado, cindido, pulverizado (o que, alhures, seria considerado a própria definição da 'loucura'). E, ainda que eu co

A vida intelectual requer tempo*

Quando Martin Heidegger (1889-1976) publicou sua famosa obra “Ser e tempo”, em 1927, tornou-se conhecido amplamente no cenário filosófico de sua época. Mas, é necessário atentar-nos para o fato de que sua obra magna não nasceu do dia para a noite. Em 1927, Heidegger havia concluído seu doutoramento há cerca de dez anos e lecionou em duas grandes universidades. Em uma delas, como professor assistente de Edmund Husserl. Além disso, suas aulas superavam a exposição do pensamento dos filósofos. Ele desenvolvia sua própria filosofia durante as aulas. Hoje podemos comprovar isso acessando as publicações póstumas dos manuscritos dessas aulas, contidas em suas obras completas. O pensamento passa por um período de maturação que varia de acordo com cada pessoa. Mas, na maioria dos casos, o resultado aparece depois de um considerável tempo repleto de leituras, anotações, reflexões, exposições etc. Os estudiosos de Heidegger tinham ciência disso. Por isso mesmo, o pensamento

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) é a mutação existencial coletiva que terá a última palavra! Porém os grandes movimentos de subjetivação não tendem necessariamente para um sentido emancipador"  "(...) universos plásticos insuspeitados" "(...) o que denomino uma tal singularidade se torne uma chave, desencadeando um ritornelo complexo que não apenas modificará o comportamento imediato do paciente, mas lhe abrirá novos campos de virtualidade. A saber, a retomada de contato com pessoas que perdera de vista, a possibilidade de restabelecer a ligação com antigas paisagens, de reconquistar uma segurança neurológica. Aqui uma neutralidade rígida demais, uma não intervenção do terapeuta se tornaria negativa; pode ser necessário, em tais casos, agarrar as oportunidades, aquiescer, correr o risco de se enganar, de tentar a sorte, de dizer 'sim, com efeito, essa experiência talvez seja importante'. Fazer funcionar o acontecimento como portador eventual de uma nova constelação

Nadantes*

                                    “Universal como a violência e a morte, a dor nos iguala.”                           Michel Serres Milhões de pessoas em suas vidas, em casas, sós ou   acompanhadas, partidas, inteiras, felizes, tristes, por meio e metade de um tudo, e todos estão algures – lugar próximo deste mundo. Eu aqui, inteiro, em pedaços, parte do todo, nau perdida em sonhos, esperto para o amanhã. Fuga necessária para o outro lado do rio, braços e pernas aquecidos para entrar a nado e nado até o lado seguro da vida. Depois, então a me secar ao vento, de outro lugar, sem luzes difusas de restos e sobras do passado, feito no tempo que mete medo aos passantes. Passado e presente, entre roupas e dores alimentadas de promessas do outro lado de lá, do tempo que ficou marcado como se fosse dor de dente. Esquecido de tudo, estar prestes e se atirar nas águas que podem levá-lo longe, bem longe das verdades em compotas. A vida − depois de tudo − é um corpo que som

Artesão da palavra***

"Grafar é insubordinar-se contra o código, é procurar dizer o que ainda não se sabe dizer (...) é inventar uma nova solução para o que se declarou não resolvido"                                                      Donaldo Schuler Ao querer dizer dos manuscritos, muitos conteúdos ficam sem tradução adequada. Na pluralidade dos espaços vazios se entrevistam outros enredos. No esboço das coreografias, a linguagem faz referência aos inéditos de si mesma. Não basta pensar os pressupostos para decifrar os ânimos da comunicação. Um pouco antes de ser entendida, fica a zanzar entrelinhas de si, como um querer dizer sem nexo. Uma leitura desatenta pode deixar o texto intocado, sem perceber o 'logos' significativo a esparramar vestígios. A natureza se mostra insuficiente a uma só versão. Para apreender os sentidos sob os disfarces, é impreciso descrever fatos e intenções só com base na literalidade. A partir da interrogação especulativa, a se renovar em pági

Mulheres admiráveis*

Frida Khalo, Fernanda Montenegro, Iris Apfel, Cora Carolina, Rainha Elizabeth, Adélia Prado... São lindas estas mulheres cujo tempo só as ajudou. Acenderam com as rugas trazendo sabedoria para todos. Mulheres que são e foram sempre coerentes com o mais profundo de si mesmas. Mulheres admiráveis, autênticas e livres. O que as fizeram diferentes, na frente e potentes? Simplesmente acreditaram nelas e avançaram na realização de suas vontades. Não é o sucesso que importa, mas a capacidade delas de romper as barreiras de muitos preconceitos, de muitos desafios, num mundo profundamente machista, e serem capazes de superar todos obstáculos para serem elas mesmas. A idade chegou e elas foram e vão trabalhando em seus dons... *Dra. Rosângela Rossi Psicoterapeuta. Escritora. Filósofa Clínica. Livre Pensadora. Juiz de Fora/MG

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Ao nomear, com excessiva precisão, aquilo que se apreende, mata-se aquilo que é nomeado. Os poetas nos tornaram atentos a tal processo" "Do momento em que há vida, há labilidade, dinamismo. A vida não se deixa enclausurar. Quando muito é possível captar-lhe os contornos, descrever-lhe a forma, levantar suas características essenciais" "Como indica Nietzsche: 'É preciso esperar e preparar-se; espreitar o jorrar de fontes naturais, estar preparado, na solidão, para visões e vozes estranhas'" "(...) estar atento a uma lógica do instante, apegada ao que é vivido aqui e agora. Tal lógica do instante nada mais tem a ver com a vontade racionalista que pensa poder agir sobre as coisas e as pessoas. Ela é muito mais tributária do acaso, de um acaso que ao mesmo tempo é necessário; próxima, nisto, do que os surrealistas chamavam de 'acaso objetivo'" "O próprio do acontecimento é que ele se dá de maneira inesperada

Niilista da Paz*

"Atirou-se contra os espelhos, como uma alma-de-gato cega." Severo Sarduy   Vida, ó vida das cidades, Aleppo, Rio, saídas para o sol, ruas de fugas, outros perdidos, mortes em nome do Estado: evocam − Eu e Tu, alusão de um Deus. Se morre, mata-se em nome do Tu, o Eu mata em nome da Paz. Tenho dificuldade racional de compreensão dessas mortes, morro por dentro, torno-me Niilista da Paz: vidas perdidas em nome das armas, cruz no céu, a terra penetra na carne do Bem e do Mal. Tenho medo do azedo e do doce apóstolo, tenho ânsia de vômito à verdade absoluta dos seguidores. Prefiro caminhar sozinho, lá outros hão de andar ao meu lado. Eu e Tu, é para além de um deus, é a personificação do crer e não crer na imagem forjada pelos homens. Jogos filosóficos, resta-nos a dor da miséria alheia, a palavra do homem contra a indecisão na vida, são jogos de vida e morte. A linguagem − dia sim dia não −, salva o diálogo da escuridão, por ve

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Toda arte é uma forma de literatura, porque toda a arte é dizer qualquer coisa. Há duas formas de dizer - falar e estar calado. As artes que não são a literatura são as projeções de um silêncio expressivo. Há que procurar em toda a arte que não é a literatura a frase silenciosa que ela contém, ou o poema, ou o romance, ou o drama"   "A palavra é, numa só unidade, três coisas distintas - o sentido que tem, os sentidos que evoca, e o ritmo que envolve esse sentido e estes sentidos" "(...) porque não é a teoria que faz o artista, mas o ter nascido artista" "(...) ninguém pode esperar ser compreendido antes que os outros aprendam a língua em que fala" "A vida de Caeiro não pode narrar-se pois que não há nela de que narrar. Seus poemas são o que houve nele de vida (...)" "Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. (Não sei,

Padrões autogênicos*

Há um provérbio, derivado de uma passagem bíblica, mas que hoje é um grande dito popular: “Diga-me com quem andas e te direi quem és”. Poderíamos abordar a origem e o significado dessa frase nos remetendo à fonte e ao sentido filológico. Entretanto, podemos nos valer dela para compreender um importante postulado da filosofia clínica. Vejamos! Por um lado, encontramos aqueles que baseados na frase acreditam que basta caminhar com determinadas companhias, que acabaremos nos igualamos ao grupo. Por outro lado, há quem pense que nosso modo de ser atrai tudo o que tem semelhança com o que somos. Aristóteles, filósofo grego, profundo observador, ao formular sua física afirmava que as coisas tendiam para aquilo que lhes era própria. Assim, por exemplo, não conhecendo a moderna “lei da gravidade” dizia que as pedras tendiam para o chão, por nele se encontrar o elemento que lhe era semelhante. Dizer que o Estagirita está errado, seria muita pretensão nossa. Pois, seja por uma “lei

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