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A virtude como sustentabilidade: o olhar estoico sobre o mundo natural*

  A filosofia dos estóicos gregos da primeira fase nos recorda que, a natureza se expressa no homem como racionalidade. Seguir o intelecto, portanto, é agir corretamente e em consonância com o todo. A “physis” não é apenas cenário, mas origem da ética: é dela que parte a reflexão sobre como deve ser o agir humano. Para os filósofos já referidos, o escopo da vida é a felicidade, e esta se alcança vivendo “segundo a natureza”. Viver segundo a natureza significa conciliar-se com o próprio ser racional, conservando-o e atualizando-o plenamente. A virtude, nesse horizonte, não é uma abstração, mas uma prática cotidiana de harmonia com o cosmos. No entanto, ao olharmos para o presente, percebemos um contraste. A ciência moderna, em grande parte, tornou-se interventiva, orientada por um modelo de produção cumulativo. Essa postura rompe com a harmonia que a cosmologia estoica evocava, substituindo o diálogo com a natureza por uma tentativa de dominá-la. Vivemos na atualidade sob o pe...

Filosofia Clínica e discurso existencial

Para ler o texto clique no link: Filosofia clínica e discurso existencial | Sílex   

A temporada de um velho*

“A velharia poética tinha boa parte da minha alquimia do verbo.”  ( Arthur Rimbaud) A vida serpenteia na solidão de Rimbaud, o melhor de tudo é o sono bêbado na praia, o movimento que pertence aos esquecidos do século, e nem mesmo a dor desfaz a realeza poética e o desejo dos esquecidos. O tesão não se contém, invade a vida na dor do corpo, até acalmar o medo e escolher seu lugar para descansar. E os ossos aquebrantados, diante do preparo da pátina nas paredes da alma, nessa bruta solidão que vomita no meu país envelhecido por sua riqueza cruel, e que não deixa revelar a imagem empenada na parede nua da vida, nas entranhas do medo que o totalitarismo faz nos velhos deste lugar, um misto cruel de racismo sem consciência, com absoluta naturalidade das desculpas e esquecimento do todo secular chamado, perdoar sem reparar. E nunca vai embora, continua escorrendo na idade da razão entre os dedos trêmulos, segura a vida que escapa, mergulha o corpo embebido em papel de livro – lá o movim...

Esquizofrenia?*

"O que quero enfatizar agora, desde o início, é que a alegação de que algumas pessoas têm uma doença chamada esquizofrenia (enquanto outras supostamente não têm) foi baseada apenas na autoridade médica e não em qualquer descoberta médica; que foi, em outras palavras, resultado de uma decisão política e ética e não de um trabalho empírico ou científico." Thomas Szasz.  Esquizofrenia: el símbolo sagrado de la psiquiatria .  p. 13 Os comportamentos humanos podem ser considerados normais ou anormais somente em referência a algum padrão. E isso não é novo. Os primeiros estabelecimentos de reclusão ou confinamento de pessoas “anormais” vêm antes do século XV e essa prática de avaliação de anormalidade muito antes desse tempo.  No entanto, as explicações sobre esses comportamentos podem ser de várias áreas tais como sociais, antropológicas, éticas, políticas etc., mas não médica. A não ser que esta pessoa tenha uma lesão no cérebro onde diretamente esteja afetada suas condições ...

Como era a Filosofia Clínica em Porto Alegre no final dos anos 1990 e início de 2000? Vai uma pista...

Apontamentos sobre incompletude existencial*

Eu entendo bem a dificuldade de percebermos os nossos próprios pontos cegos. A ignorância, essa nossa companheira inseparável, é difícil, porque esconde-se em nossa sombra: como dizia Descartes, todo mundo (inclusive este que vos escreve) sempre se considera perfeitamente dotado de bom-senso e da capacidade de perceber os próprios enganos. Mas a confiança na clareza da nossa razão não é particularmente racional. * * * Amigos, eu vivo da palavra falada e escrita. É curioso: no momento em que estou trabalhando, as frases e os parágrafos me parecem muito bem construídos. Reviso uma, duas, três vezes o conjunto. E fico satisfeito. Dez minutos depois leio novamente o texto. Um pouco constrangido, começo a notar as repetições, as cacofonias, as falhas de pontuação, as proposições ambíguas. Corrijo. E novamente fico satisfeito. Uma ou duas horas mais tarde, retorno a ele - e embaraço-me ao descobrir novos erros e omissões. Reescrevo algumas passagens, elimino outras. Satisfeito mais uma vez. ...

Encontro*

O contrário de perder é encontrar. Quando alguém se perde no mato precisa encontrar a saída. Se perder a carteira, é bom fazer uma reza pra encontrar. Quando se está perdido em um pensamento, um problema, uma adversidade ou uma agrura qualquer, procura-se encontrar a solução para resolver a aflição. Quando você marca um encontro com alguém, esta procurando uma saída, um desenlace ou simplesmente pretende ficar frente a frente, se deparar e ver no que vai dar? Os americanos têm uma expressão, “date”, que significa ter um encontro ou sair com alguém em um contexto romântico, para que se conheçam melhor. Linguisticamente falando, “ir ao encontro de” significa acolher, concordar. Por outro lado, “ir de encontro a” indica discordância, bater contra. Na prática, quando marcamos um encontro, usualmente imaginamos que estamos propondo uma junção convergente de pessoas. Só que nem sempre acontece. Tanto pode haver concordância como discordância, embaraço, discussão, indiferença ou até mesmo des...

Fidelidade e crítica em “Lições de Filosofia Clínica”***

Em dezembro de 2024, Miguel Angelo Caruzo lança seu segundo livro, “Lições de Filosofia Clínica", publicado pela editora Sulina/RS, com prefácio de Dionéia Gaiardo e orelha de apresentação escrito por Paulo Alves Filho. Todos filósofos clínicos que pesquisam, escrevem, atendem e fazem parte do Conselho Editorial da Revista da Casa da Filosofia Clínica. Com 142 páginas, as 50 lições de Filosofia Clínica versam sobre temas variados, pautados pelo olhar clínico e crítico do autor e por seu compromisso em pensar e difundir a Filosofia Clínica original, ou seja, protegendo o fundamento da singularidade e as etapas da metodologia, sem, no entanto, cristalizar ideias ou a prática de consultório. É o que chamo de fidelidade e crítica em “Lições de Filosofia Clínica”. Após as lições, o autor insere um breve glossário e um quadro do conteúdo base da Filosofia Clínica, a fim de facilitar a familiaridade do leitor com a estrutura, linguagem e significados do novo paradigma. Além de oferec...

Objetividade Parcial*

Não é raro ouvirmos dizer sobre ver algo de cima ou de fora. Como se o melhor procedimento para enxergar determinada situação, evento ou experiência seria a partir de um distanciamento. Uma pretensão de objetividade ou imparcialidade. Mudar a perspectiva, seja ela qual for, pode viabilizar um outro olhar. Talvez isso soe consensualmente. Mas, não garante a neutralidade do olhar de quem observa. Quem nos deixa cientes disso são filósofos como: Dilthey, Heidegger, Gadamer e outros ao mostrar o quanto nossa existência é inserida em uma história. Nossos horizontes são viabilizados por elementos culturais, históricos, pelas experiências pessoais. Desse modo, é inevitável um olhar carregado por uma “bagagem existencial”. A pretensão de objetividade cessa na escolha do que é observado. Pois este foi selecionado com parcialidade, vontade, interesse etc. Talvez o caminho para uma investigação honesta seja a aceitação da ausência de qualquer ponto de vista absolutamente neutro. Reconhecer que há...

Resenha de Ana Bia*

Resenha de Ana Bia para o site:   https://proximolivro.net/   -  Pérolas Imperfeitas - A pontamentos Sobre as Lógicas do Improvável . Editora Sulina. Porto Alegre/RS. 2012.  A vida é uma dança imprevisível entre o que conhecemos e o que ousamos explorar. “Pérolas Imperfeitas: Apontamentos Sobre as Lógicas do Improvável”, de Hélio Strassburger, não se contenta em ser apenas uma leitura; é um convite a questionar as realidades que nos cercam. Com uma prosa ligeira e provocante, Strassburger oferece um vislumbre das complexidades do cotidiano, os fragmentos de beleza que só emergem na imperfeição. A obra se faz acompanhar de reflexões que transitam entre o inesperado e o banal, revelando que muitas vezes são as falhas que nos fazem humanos. Em suas páginas, você encontrará a essência das pepitas de sabedoria que surgem na adversidade e nos desafios diários. Ao longo de 142 páginas de puro deleite, Strassburger despiu-se de qualquer formalismo excessivo e, em vez di...

Estruturação de raciocínio?***

Para falar sobre o décimo tópico é preciso começar pelo motivo de sua criação. Nos Cadernos, principal referência pedagógica nos primeiros anos da filosofia clínica, existem determinações sobre não trabalhar com indivíduos apresentando raciocínio desestruturado. É descrita a possibilidade deste “tipo” de atendimento sob consentimento familiar e acompanhamento médico simultâneo à terapia. Há também a ideia de definir ou diagnosticar o raciocínio bem estruturado e o contrário da boa estruturação. Os critérios são: capacidade de agendar e responder apropriadamente a um estímulo, relação íntima e/ou justificável entre termo antecedente e termo subsequente, firme relação entre causa e efeito, contiguidade e semelhança, associação coerente e justificável de ideias e capacidade de interpretação lógica, literal e via bom-senso. O problema se dá na constituição da proposta do tópico. Em sua descrição existem elementos contraditórios em relação ao exercício da filosofia clínica. Ao afirmar a...

Escutar é permitir que o outro aconteça*

  Percebe-se que em tempos atuais são de vozes apressadas e ouvidos distraídos. A comunicação, que deveria ser ponte, muitas vezes se torna ruído. E nesse cenário, escutar, verdadeiramente escutar, é um gesto raro. Mais do que captar sons, ouvir é acolher. É abrir espaço para que o outro se revele, sem pressa, sem moldes, sem interrupções e que isso aconteça em sua própria lógica, com seus ritmos, pausas e silêncios. Porque há uma diferença profunda entre ouvir e escutar: a primeira é função dos sentidos; a segunda, é função da alma. Ser um bom ouvinte é estar presente. É suspender o próprio mundo por instantes para que o mundo do outro possa emergir. É não querer ocupar o lugar do outro, mas caminhar ao lado, com respeito e curiosidade. E isso transforma a comunicação em cuidado, transforma o diálogo em encontro. Ruídos na comunicação não são apenas sons indesejados. São interrupções, julgamentos, distrações, interpretações precipitadas. São tudo aquilo que impede o outro de...

Filosofia Clínica: uma introdução*

Esta é uma breve introdução à Filosofia Clínica. Por meio dela, pretendo elucidar algumas dúvidas iniciais dos interessados em compreender esse método e, caso queiram conhecer mais, com as informações apresentadas, saberão como e o que buscar em outros textos e livros. A Filosofia Clínica, ao longo dos seus trinta anos, possui uma base sólida. Por isso, há muitos conceitos que requerem aprofundamento, pois apesar de ser “simples” na apresentação dos conteúdos constituintes do método, ela é complexa em sua aplicação, pelo fato de lidar com pessoas. Além disso, a prática muitas das vezes fundamentará a sua teoria. A  Filosofia Clínica visa auxiliar a quem procura terapia a alcançar seu bem-estar subjetivo, trabalhando suas questões existenciais conforme cada singularidade. É importante dizer que sem a noção de singularidade ela seria apenas mais um método terapêutico. Cada pessoa é única, possuindo a sua experiência de vida, sua cultura, seu modo de ver o mundo, seu jeito de sentir e...

Buscas e singularidades existenciais***

Nas primaveras de 2007, 2008, 2009 e 2010, após centenas de sessões, entendemos que já era chegado o momento de partir, cada um para uma direção própria e singular, intencionada para não mais proporcionar encontros terapêuticos presenciais. A partilhante em questão, uma profissional bem-sucedida da Engenharia da Computação e especializada em Inteligência Artificial, não satisfeita com o diagnóstico de autismo que veio somente aos 35 anos, iniciou uma busca que ela mesma nominou de “autoconhecimento versão 2.0”. Ela tirava as suas férias sempre nas primaveras, hospedava-se num hotel da cidade de Porto Alegre/RS e desde o primeiro dia dessa estação comparecia pontualmente às nossas sessões sempre previstas para ocorrerem das 7:30 às 8:45h no nosso consultório itinerante situado no parque da Redenção. Como regra, trabalhávamos de segunda a sábado, fizesse chuva, fizesse sol, e, como exceção, aos domingos, ela escolhera comparecer ao parque sempre sozinha para fazer o mesmo trajeto filosóf...