“Só somos felizes,
verdadeiramente felizes, quando é para sempre, mas só as crianças habitam esse
tempo no qual todas as coisas duram para sempre”
José Eduardo Agualusa
Certos universos nos
surpreendem, mais ou menos como a máxima de achar que de onde menos se espera,
surgem preciosidades, ou, pelo menos, algo se mexe no espírito meio adormecido.
Foi assim com a lua de Majora, prestes a cair, caso o tempo não se incumba de
encontrar soluções favoráveis aos destinos incertos de cada um de seus
habitantes (com seus dramas e seus sonhos inacabados). O que parecia ser uma
simples brincadeira revelou-se uma reflexão curiosa sobre percepção e valores.
No interior deste belo
e enigmático ambiente, crianças brincam a desafiar dilemas e nos convidam a
tirar nossas máscaras, expor nossas questões e nos revelarmos.
As crianças indagam:
“Seus amigos, que tipo
de pessoas eles são? E essas pessoas te veem como um amigo?”
Amigos... são como
criações divinas, diante das quais só
nos resta nos curvarmos para agradecer. São eles que tanto nos confortam quanto
nos incitam a prosseguir. São como alvoradas após a densa obscuridade da noite,
onde muitas vezes nos desesperamos. Também são onipresentes e alguns parecem
mesmo dotados de um sexto sentido, pois se acercam nos momentos mais
peculiares.
A questão é se sabemos
quem eles realmente são. Adorar alguém, estar disponível, mesmo com tanto
afeto, não necessariamente implica saber com quem você está falando. Na
verdade, não conhecemos o outro, pois este se fragmenta em inúmeros outros,
muitas vezes desconhecidos até dele mesmo.
Muito menos sabemos
como somos vistos, pois as infinitas facetas existenciais não possibilitam esta
abertura. No fundo, somos desconhecidos deles e de nós, numa ininterrupta roda
viva de conhecimento em tantos sentidos.
A amizade não é
exatamente uma via de mão dupla, então sermos amigos de alguém não nos
credencia a sermos vistos como tal. Mas acredito que sempre haja uma vontade,
uma intenção, de querer vir a ser especial a quem queremos bem.
“Você... o que te faz
feliz? O que te faz feliz deixa os outros felizes também?”
Ser feliz tornou-se uma
norma, uma ilusão a ser perseguida. Para aqueles que nos acessam, podemos
parecer felizes e muitas vezes até o somos realmente, provavelmente no sopro do
momento eternizado pelas lentes frias. Mas e o que vai ao âmago? Desde quando
ser feliz é o que importa? Devemos sê-lo simplesmente porque alguém ou alguma
lei desavisada, assim o decretou? O que te faz feliz, afinal?
O que é ser feliz para
você? Importa definir ou vivenciar? Algumas pessoas são felizes apenas naquilo
que imaginam ou nas suas possibilidades. E isso não é bom nem mau. Para alguns,
a realidade pode não ter espaço suficiente para merecer o status de
participação ativa. Então, talvez a felicidade seja apenas um ínfimo momento
mágico, concebido pela fugaz química jorrada em nosso ser.
Assim, o que te faz
feliz não está exatamente vinculado à felicidade do outro, pois o outro tem uma
química diferente da sua. Seus instantes serão, sempre, somente seus. Se for
desta forma, a felicidade é singular e pode ser, quem sabe, apenas
compartilhada.
“A coisa certa... o que
é? Pergunto: se você fizer a coisa certa, isso realmente deixa todos felizes?”
Esta é uma questão
tensa porque implica em saber do que se trata fazer a coisa certa. Implica,
portanto, em desenvolver um aguçado senso de percepção para entender o mundo
que nos cerca. Isso é quase uma aberração. Muitas vezes, o que é para mim –
vital, digno, essencial – pode significar a dor alheia. Então, somos obrigados
a criar novas dimensões para compor estatutos de existências, para que continue
a ser possível continuar coexistindo. Arrisco-me a dizer que não... que se cada
um fizer a coisa certa para si, quase ninguém ficará realmente feliz.
“Seu verdadeiro
rosto... que tipo de rosto é? Me pergunto...
o rosto debaixo da máscara é seu rosto verdadeiro”
Se fosse possível
perscrutar esse tal rosto verdadeiro, aí quem sabe pudéssemos restringir a
amplitude das faces debaixo da máscara, e nos perguntar qual seria ele e onde
estaria. Há tantos e tantos rostos. Nossa singularidade, afinal, não é tão
singular assim. Ela comporta inúmeros eus que se formam e se deformam ao longo
do dia, do tempo, da vida. Mais provável que não exista um rosto por baixo da
máscara. Talvez as máscaras sejam nossos verdadeiros rostos. Não para nos
ocultar, mas sim para nos revelar através do turbilhão de sentimentos e
vivências que nos compõem.
Tudo isso não significa
que não sejamos íntegros ou que não exista uma essência escondida em algum
chacra oculto. Significa tão somente que somos complexos demais, densos demais,
para permitir reduções simplistas. Assim, as máscaras podem cair ou permanecer
intactas... o que importa é que sejam plenas e significativas para fazer valer
seus momentos.
*Luana Tavares
Filósofa. Mestre em Filosofia pela UFF. Escritora. Filósofa Clínica na Casa da Filosofia Clínica. Niterói/RJ
**Texto inspirado em um
trecho do game: "A Máscara de Majora" que, por sua vez, teve seu nome
inspirado na lenda de uma tribo indígena brasileira, Marajora, que era
conhecida por fabricar máscaras.
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